Das coleções editoriais às edtechs | Jiro Takahashi

 

EA – De que maneira a sua vida encontrou os livros?
Jiro Desde muito cedo, convivi com livros. No começo, eram livros infantis japoneses que chegavam à minha pequena cidade no interior de São Paulo, Duartina. Conto como foi isso. Quando chegou ao Brasil, no início dos anos 1930, a família de minha mãe saiu de Hiroshima porque a sua indústria tinha ido à falência pelas consequências da crise econômica causada pela Queda da Bolsa de Nova York. No Brasil, não se adaptando à vida agrícola, meus tios mais velhos foram morar logo em São Paulo. O mais velho deles, que já era universitário no Japão, virou gerente em uma importadora de revistas e livros japoneses.

EA – Memória feliz essa….
Jiro Sim. Uma das mais felizes lembranças da minha infância era receber mensalmente livros infantis japoneses enviados por esse tio. Eram os melhores brinquedos que as crianças poderiam ganhar. Aprendendo a ler em japonês, praticamente não sabia nada de português, até entrar no antigo primário, aos 7 anos.

Dos livros japoneses à Monteiro Lobato 

Ao entrar na escola, eu era sempre motivo de risos de meus colegas — até hoje grandes amigos meus — por vexames linguísticos que eu cometia a toda hora. Foi então que prometi a mim mesmo que iria aprender muito o português. Como já lia livros japoneses, passei então a ler muito em português. Naturalmente, lia muito Monteiro Lobato.

EA – Uma época encantada para Clubes do Livro, não?
Jiro
Eu me lembro de que meu pai fez uma assinatura do antigo Clube do Livro, do médico e escritor Mário Graciotti, que enviava por correio um livro por mês. Na época, lia os livros adultos sem saber que eram adaptações dos originais. Certa vez um tio, o poeta e professor Yoji Fujyama, que vinha nos visitar de vez em quando, vendo que eu e meus irmãos líamos muito, quis saber que livros estávamos lendo. Quando falei que estava lendo O crime e castigo, de Dostoiévski, ele não acreditou e quis ver o livro. Quando viu a edição adaptada, ele me explicou tudo e mostrou a edição completa. Quase caí de costas ao ver o volume do livro.

Ler no papel e no digital
Jiro Nunca parei de ler, embora hoje alterne a leitura no papel e no digital. Sobre livros de cabeceira, acho que hoje a variedade de livros de que gosto dificulta eu citar alguns poucos. Leio sempre alternadamente autores nacionais e estrangeiros. Alguns autores que descobri há tempos, mas não deixo de ler são Antônio Torres, Haruki Murakami, Chimamanda Adiche, Kazuo Ishiguro, Paula Fábrio, Banana Yoshimoto, Cristina Judar. Se eu pensar mais um pouco, vão surgindo outros nomes. Então, vou seguindo com a conversa aqui.

EA – Você buscou o mercado editorial ou ele o encontrou?
Jiro Em termos de carreira, meu sonho da juventude era ser médico, talvez tocado pelo câncer de que meu pai sofria desde seus 35 anos. Quando ele faleceu aos 39 anos, nossas possibilidades de carreiras se reduziram drasticamente. Eu e meus irmãos mudamos para Marília para trabalhar. Como, na época, jogávamos tênis de mesa, isso ajudou em nosso primeiro emprego porque a fábrica que nos empregou estimulava a contratação de funcionários atletas.

Quando passei no concurso para o Banco do Brasil, nos mudamos para São Paulo. Depois de passar no vestibular para Direito, vivi um período de intensa agitação cultural e política dentro e fora da faculdade.

Como trabalhava meio período no banco, no outro período, passei a datilografar estênceis na recém-fundada Editora Ática. Os proprietários eram amigos do meu tio professor. Fui colaborando cada vez mais na editora, com datilografia de originais, auxílio nas revisões, redação de pequenos textos. Depois, trabalhei revisando, preparando, finalmente editando os livros. Assim estou, desde então, imerso no mundo dos livros.

EA – Qual a magia de coleções como a Vaga-lume?
Jiro Acho que a editora Ática, naquela época, procurava acompanhar as tendências dos leitores e dos professores. Cuidamos de não nos esquecermos dos temas mais preocupantes de cada momento do país. No contexto cito como foi o lançamento de Meninos sem pátria, de Luiz Puntel. Esse livro tocou os membros da Anistia Internacional pelo mundo todo. Este livro foi traduzido até no Japão.

Na edição de O mistério do cindo estrelas, Marcos Rey se preocupou em atender à demanda social da época e pensou em um personagem importante, que era cadeirante. Mas a grande preocupação que se tinha era de testar os livros para ver o quanto os leitores gostariam ou não do livro. Uma das medidas que nós usámos para avaliar o gosto dos alunos, que é praticamente impossível de detectar, era o tempo de leitura de cada aluno para ler o livro.

EA – Livros absolutamente educacionais!
Jiro Sim. Pedíamos muito para os professores que acompanhassem isso para nós. A cada dois ou três dias, eles verificavam quantos já tinham lido o livro todo. Quando acontecia de toda a turma ter lido o livro todo em menos de uma semana, a aceitação do público jovem estava praticamente garantida.

Pensou-se também na questão do preço. Na época as revistas semanais vendiam muito, coisa de 500 mil ou mais por semana. Isso indicava que várias camadas da população compravam essas revistas. Então o Anderson, que cuidava do comercial, estabeleceu por um bom tempo uma parametrização para a precificação dos livros da Vaga-lume. Esses livros não podiam custar um centavo mais do que essas revistas. Essa indicação do livro pelo professor ocorria na época uma ou duas vezes, no máximo, por semestre. Nesse caso, vejo como o preço baixo pode fazer a diferença para o acesso a algum produto cultural no país.

“Quando havia a chance de se conversar com os professores, os divulgadores sutilmente lembravam que o livro não custava mais do que uma revista, um livro que não era semanal.”

EA – Há espaço para essas coleções hoje?
Jiro Se pensarmos apenas com nostalgia, não acredito. Mas, se aplicarmos os critérios que possam contribuir para desenvolver o gosto de ler, não necessariamente em forma de livros impressos, e fizermos um esforço de criar um produto literário em harmonia com os desejos, as necessidades, os hábitos da nova geração de jovens, acho perfeitamente viável.

Só um exemplo bem simples, partindo de quem ainda tem uma experiência insatisfatória com o mundo digital, todas as atividades que poderiam se juntar à leitura do livro podem ser em forma de games com que as crianças já nascem hoje. O que a Disneyworld fez com Harry Potter pode servir de base para muitas ideias.

“É claro sem a dimensão nem os custos dessas instalações de lazer. Como muitos escritores trabalham com os mesmos personagens em vários livros, esse tipo de conceito facilita muito trabalhar com outras mídias.”

EA – Como educador acompanha as edtechs?
Jiro Ainda frequento menos as edtechs do que deveria. Se trabalhasse com a educação básica, seguramente, estaria muito mais por dentro. O ensino superior ainda tem métodos e recursos mais conservadores. Desde que surgiu e se firmou a internet, costumo liberar a consulta para os alunos fazerem as provas. Para mim, hoje a capacidade de consultar e analisar os dados passou a ser mais relevante do que a informação armazenada na memória.

“Mas vejo a maioria dos colegas não concordar com isso e a maioria dos meus superiores me impedir isso. A questão da avaliação de ensino e aprendizagem é uma coisa muito maior do que uma prova, do que uma nota.”

Nessa área, consulto com certa frequência os conteúdos da Árvore. Gosto muito dela porque encontro muito material interessante que me instiga muito e posso utilizar em aulas. Parece-me ser de um nível alto de confiabilidade, aspecto que acho importante quando a comunicação é digital. Encontro muitos informes que julgo interessantes para pesquisa na Data educ e Mercado-edu. Sempre que posso, faço visitas ao Share 360 pelos conteúdos ligados a games, pois acho que a educação ainda usa muito pouco os games.

“Gosto de ver games hoje como gostava de fazer charadas e problemas lógicos quando jovem. Pouco a pouco vou sentindo cada vez mais possibilidades de serem muito bem inseridos como recursos pedagógicos.”

EA – Livros físicos sempre vão existir? Você lê livros digitais?
Jiro Acredito que vão existir sempre, como as telas dos pintores permanecem. Mas também acredito que passará por grandes transformações em sua edição, em sua divulgação e comercialização, em seu uso na leitura. Mas acho que sempre terão seus espaços e ainda muitos apaixonados por eles. No futuro, não sei quando, acredito que os grandes best-sellers serão mais digitais. Talvez o tempo de apenas uma geração não seja capaz de fazer essa transformação.

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Acesse EA Magazine, edição completa #7

 

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foto certa - Das coleções editoriais às edtechs

Jiro Takahashi está no mercado editorial desde 1966. Foi diretor editorial da Ática, onde iniciou sua carreira, ficou lá por 25 anos e criou as icônicas séries Vaga-lume e Para Gostar de Ler. Trabalhou na Abril Educação, Nova Fronteira, Editora do Brasil, Ediouro, Rocco e Global (Nova Aguilar). É antes de tudo, um educador. Mestre em Linguística e Semiótica (USP), foi professor em várias faculdades, entre elas, Ibero-Americana de Letras, Universidade do Livro e FECAP. Hoje, aos 72 anos, é professor de Letras na FAM e consultor editorial na Zapt Editora.

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