Inovação é tecnologia?Cristiano Kruel  

 

EA – O profissional brasileiro aprendeu a consumir conteúdo de negócio?   
Kruel As pessoas vêm se interessando mais, porém ainda não o suficiente. No universo corporativo, é mais difícil analisar se os profissionais estão mais interessados em (re)aprender. Algumas empresas possuem programas de educação internos muito bem estruturados, mas muitos parecem que não conseguem disseminar conhecimento para promover as transformações necessárias. Talvez, a resposta esteja mesmo na Andragogia. Adultos não gostam de aprender nada antes que reconheçam que realmente precisam aprender aquilo. No caso de ter que aprender algo diferente, que talvez até contradiga o que eles sempre fizeram, a resistência é ainda maior.  

EA – Nosso ecossistema de startups é competitivo em tecnologias disruptivas?   
Kruel Acho que não. Temos, a cada dia, mais startups brasileiras, e somente na base da StartSe são mais de 15 mil. Tem de tudo: fintech, insurtech, agrotech, healthtech, construtech, lawtech, edtech, retailtech, logtech, e todas podem, ou deveriam, estar contribuindo forte para combater na pandemia. Afinal, o grande gatilho para a criação de uma startup é: encontre um grande e importante problema para resolver. E problema é o que mais temos hoje. Mas você percebe que a maioria das startups são baseadas mais em “sacadas de mercado”, e não necessariamente baseadas em uma tecnologia disruptiva. O que está tudo bem, pois o que interessa é resolver o problema.  

“Infelizmente, vemos poucas HARD TECHS no país. Ou seja, startups que se diferenciam devido à sua tecnologia única e surpreendente. Falo de algo bem hard science, rocket science, biotech. Temos casos aqui e ali, mas, pelo tamanho do Brasil e da economia, deveríamos ter muito mais delas”. 

EA – O Brasil é o país das PMEs, elas geram PIB, mas não inovação, são modelos locais sem pretensão global. Como avançaremos em competitividade?  
Kruel Isso é intrigante. Em diversos estudos, o Brasil aparece como um país com muitos empreendedores. Já em outros, como muito fraco em inovação. Será que isso quer dizer que o empreendedor brasileiro empreende mas não inova? Pode ser que sim. Possivelmente, sim. O brasileiro é muito “virador”, mas a maneira como empreendemos é muito convencional, baseada em modelos mentais antigos e modelos de negócios de um mercado que está se deteriorando.  

O negócio pode até vencer um outro concorrente local, mas dificilmente conseguirá enfrentar um substituto moderno com pegada global. Como vamos mudar isso, eu não sei. Mas a StartSe busca intensamente provocar e preparar empresários, empreendedores, executivos e profissionais de todas as áreas e indústrias a pensar e agir diferente. Não basta empreender, é preciso inovar.  

EA – Inovação é tecnologia?    
Kruel Inovação e tecnologia são termos mágicos, mas confusos. As definições formais acabam sendo simplificações de uma realidade muito mais complexa. Praticamente tudo o que está no seu entorno um dia foi uma inovação fantástica, viabilizada por uma tecnologia incrível. Mas, com o tempo, você vai se acostumando com elas e não as vê mais como uma ameaça. Isso mesmo: tecnologias e inovações assustam, pois temos medo do que não conhecemos. Tecnologia não é inovação, mas a inovação sempre se apoia em alguma tecnologia.  

Eu acredito que uma das mais poderosas “tecnologias” é a Tecnologia de Gestão. A gestão é uma coisa que inventamos e significa a maneira como nós, seres humanos, nos organizarmos para alcançar feitos incríveis. Talvez, essa seja a maior de todas as tecnologias. Nem toda tecnologia precisa ligar na tomada.  

EA – Basta acoplar um lab de inovação ao negócio para empresas serem mais inventivas?  
Kruel Falta medo J Brincadeira! Mas falando sério: o medo é o que existe de mais forte para nos tirar da inércia. Tirar da inércia é fazer algo diferente, é startupar = colocar em movimento. Fazendo isso, a empresa enfrenta o desconhecido e acelera o seu aprendizado. E é o que precisa ser feito para estar mais preparada para esta Nova Economia, cheia de volatilidade e incertezas. Mecanismos e estruturas como labs de inovação, corporate venture, skunk works, aqui-hiring são incríveis, mas não são remédios para todas as doenças 

O que cada líder de empresa precisa fazer é entender o contexto e o momento do seu negócio. Mas, para isso, precisa conseguir olhar o mundo com novas lentes. As antigas podem estar embaçadas. 

“Todos os bons startupeiros que conheci eram bons pesquisadores. Talvez, eles nem se reconhecessem assim, mas, na prática, eram bons de pesquisa primária (ver e viver a coisa) ou de pesquisa secundária (hackeadores do conhecimento disponível). Os melhores eram bons em ambas”.

EA – O empoderamento feminino chegou na tecnologia?  
Kruel Eu fico feliz em acompanhar que cresce todos os dias. Mas ainda eu acho muito desproporcional. Podemos e devemos incentivar mais mulheres a empreender. Mas não são apenas as mulheres, precisamos mais diversidade, de todos os tipos e em todos os sentidos. Há muitos anos, me marcou demais uma reunião que tive lá no Vale. Eu conheci um time de desenvolvimento de um produto digital global de 12 pessoas, com umas 9 nacionalidades diferentes.  

É preciso aprender que diversidade traz perspectivas diferentes, e isso ajuda criar soluções mais inovadoras e justas. Eu acho que estamos presos a alguns dogmas preconceituosos, que precisamos combater.  

EA – Home office vai acelerar inovação nas empresas? 
Kruel O que estamos vivendo é um home office forçado. Ficou claro que podemos, sim, trabalhar anywhere, mas também é verdade que somos animais sociais e gostamos de estar com outras pessoas. O home office é um bom exemplo de algo que a pandemia pode ter acelerado, mas não que o criou. Eu apostaria que diversas tendências já em curso vão se acelerar: telemedicina, e-commerce, gig economy, anywhere office, sharing economy 

O mais forte da pandemia é que vai fazer as pessoas se perguntarem mais: por quê? Por que eu não poderia fazer uma consulta rápida com o médico e precisava levar meu filho até aquele lugar onde só tinha pessoas doentes? Por que eu precisava ter somente um emprego quando, na verdade, eu só queria trabalho? Por que eu preciso de um automóvel mesmo?  

Por que eu não posso aprender tudo sobre machine learning sem sair de casa? Se perguntar mais pode mudar muita coisa. 

 

Foto Kruel Stage 1 - Inovação é tecnologia?

Cristiano Kruel é Head of Intelligence & Innovation da StartSe. É acima de tudo, um empreendedor. Na última década, tem apoiado experimentos e modelagem de startups em diversos segmentos e participado de programas e projetos de transformação empresarial. Graduado em Informática (PUC/RS) e com MBA (FGV – Gestão Estratégica em TI), possui diversas experiências e especializações internacionais, como Business Value Technology (MIT), Innovation Architecture (IESE), Market Validation (UTexas).  

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