Você pode ser a próxima vítima | Felipe Gruetzmacher

 

Cristina é uma cientista que realiza estudos sobre cognição e emoções. Criou um remédio supostamente capaz de reduzir a ansiedade. Quando a verba para a pesquisa é cortada, ela testa o fármaco em si mesma e desenvolve um sexto sentido: a habilidade de prever o futuro. Dessa forma, ela prevê que o marido dela, um famoso médico perderá o emprego porque o tradicional hospital em que ele trabalha vai lidar com uma crise financeira.

Tal situação é provocada porque a instituição perdeu clientes para um concorrente, uma healtech que captou um enorme investimento e conquistou uma boa posição no mercado. No final das contas, a própria healtech quebrou porque, apesar de conquistar alguns bons clientes iniciais, não conseguiu abocanhar mais mercado.

De fato: ninguém está isento da falência, quebra, demissão ou crises. E como ninguém acreditava no potencial paranormal de Cristina, a economia desumana e imprevisível continuou a destruir pessoas. E como você vai lidar com o seu amanhã, sua profissão e a selvageria do mercado? O desemprego é a maior das distopias!

Alguns insights

  • Qual é o lugar das profissões tradicionais na economia 4.0? A medicina e a enfermagem oferecem bons exemplos e reflexões sobre esse debate.

As ideias a seguir foram tiradas da obra “Profissões de saúde: uma abordagem sociológica”. O livro foi escrito por Maria Helena Machado, Edmundo Campos Coelho, Gustavo Nigenda, Claudine Herzlicb, Lycurgo de Castro Santos Filho, Pedro Miguel dos Santos, Sergio Rego, Soraya Almeida Belisário, Maria Consuelo Castrillon Agudélo, Maria Ruth dos Santos, Marcia Teixeira e Monica Vieira.

  • Na perspectiva durkheimiana, a divisão do trabalho e o mercado apresentam diferentes profissões e especializações.  Patrões e empregados, juntos, buscam seguir regulamentos profissionais, deveres e direitos. As corporações profissionais estabelecem as regras para o bom trabalho entregue pelos profissionais.
  • Uma profissão, para a sociologia, é definida pelos pilares:
  • Saberes, conhecimentos e competências específicos
  • Foco num ideal de serviço (servir às pessoas)
  • Mercado exclusivo onde só os profissionais podem atuar
  • O profissional usufrui de certo grau de autonomia: tem um jeito próprio de aplicar o saber, poder, técnicas e estratégias de inserção no mercado
  • Essa autonomia varia de contexto para contexto
  • A base cognitiva (conhecimento específico e formação) precisa ser suficientemente útil para atender um mercado. Além disso, necessita ser formalizada para poder ser reproduzida em treinamentos e cursos. É uma expertise.
  • A competência exclusiva do profissional depende da inovação. Com o progresso tecnológico, a expertise fica ainda mais específica e inacessível ao leigo. Mesmo assim, se a evolução da tecnologia for rápida demais, a socialização do conhecimento pelos profissionais pode enfrentar barreiras, pois eles podem lidar com problemas para acessar novos saberes que estão em constante e acelerada mudança.
  • A própria sociedade deve encarar a mudança tecnológica como progresso.
  • A cooperação mútua entre profissionais numa categoria profissional é chamada corporativismo. Eles são unidos por um senso de identidade e compartilham valores comuns. Dentro das corporações, os profissionais acessam saberes, poderes, status e privilégios.
  • No caso da profissão médica, os profissionais possuem informação e domínio de recursos necessários para entrega de resultados, bem como estratégias para captar clientes específicos. Esses atributos posicionam o médico como um produtor independente do mercado.
  • Desprofissionalização é quando o trabalho do profissional passa a ser fragmentado em ações e tarefas menores administradas pelas burocracias e gerências, reduzindo o poder do profissional sobre a própria atuação.
  • Um bom exemplo de trabalho em equipe é o trabalho do médico sanitarista que atende às demandas da saúde coletiva e combina conhecimentos interdisciplinares e atua em grupos multiprofissional.
  • A enfermeira americana William Holzemer elaborou um estudo específico para mensurar a qualidade da assistência de enfermagem. São três indicadores de sucesso que necessitam ser analisados:
  • O paciente: as condições sociais, psicológicas e biológicas dele, assim como a estrutura do serviço e condições de trabalho do profissional da enfermagem.
  • As ações técnico-científicas do profissional da enfermagem: evolução do paciente, aplicação do processo de enfermagem e funcionamento técnico-administrativo na instituição.
  • O contexto institucional: condição de alta do paciente, avaliação de enfermagem e objetivos institucionais.
  • A análise qualitativa desses processos permite mensurar a qualidade da assistência.

Como essas ideias sobre profissões tradicionais se aplicam na indústria 4.0?

  • Existe a possibilidade de profissionais mais tradicionais poderem aproveitar o fato de já terem um nicho de mercado pré-estabelecido e conhecido pela clientela para oferecer soluções. É o monopólio do mercado. Dessa forma, simplificaria o contato entre inovações e clientes. A Universidade, as corporações e os conselhos profissionais podem ter um papel protagonista em conectar essas partes.
  • Uma categoria profissional já consagrada pode pleitear mais autonomia para aprimorar novos modelos de trabalho e se inserir no mercado 4.0.
  • O progresso tecnológico pode atualizar as maneiras do profissional atuar.
  • Da mesma forma, a colaboração entre novos saberes e conhecimentos (base cognitiva) entre especialistas de um mesmo ramo é indispensável para a reciclagem profissional. Existe a possibilidade de atuar contra a desprofissionalização e o desemprego.
  • O trabalho entre diferentes profissionais em equipes ecléticas resulta em inovação. É como no caso do médico sanitarista que atua numa perspectiva multiprofissional.
  • O exemplo fornecido pela enfermeira William Holzemer mostra como métodos de trabalho podem ser reinventados e recriados.
  • Importa muito a posição do médico na economia digital. Afinal, seres humanos sempre precisarão de cura, mesmo existindo tanta tecnologia. 

Além disso, a ação coletiva e em conselhos profissionais podem estimular a solidariedade social, gerando um santo remédio contra o drama do desemprego e as crises econômicas. Até porque todos estamos à mercê da instabilidade do mercado e essas circunstâncias merecem maior colaboração por parte da sociedade. 

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Conto 15: O encontro com o Senhor das Distopias. Acesse aqui.

 

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Felipe Emilio Gruetzmacheré formado em gestão ambiental, educação ambiental e se especializou em copywriter através de muitos cursos online, muita prática e dedicação. Autor na Comunidade EA é um dos mais lidos na plataforma. Tenta decifrar os enigmas do trabalho humano, até porque essas questões podem mudar os rumos da sociedade humana e acelerar a marcha da história rumo à Utopia.

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