EA – Você deixou sua marca na publicidade brasileira, décadas de uma era midiática de referência para a escola de marketing e publicidade. Como aquele garoto que ‘se sentia como se tivesse sido enviado para o planeta errado’, analisaria essa sua bela trajetória?
Loducca Tentando fazer uma longa história, curta, eu subi no ombro de gigantes, por isso pude ver mais longe. E quanto à estranheza neste planeta, ela não me abandonou ainda, mas aquilo que parecia uma fraqueza na infância foi minha força na vida: enxergar as coisas de um jeito diferente, o que se costuma chamar aqui neste planeta de criatividade.

EA – Realizador (e provocador), você é um profissional 60+ na ativa, como observa esse forte ativismo contra o etarismo?
Loducca Pessoalmente sei que sou um privilegiado (pude comer, estudar e ter acesso à saúde de qualidade, graças ao esforço de minha família imigrante) e posso aos 65 anos agir com quase a mesma energia e entusiasmo de sempre. Não é assim para a maioria dos brasileiros. Por isso, acho importante essa discussão pública sobre o etarismo e, confesso, que acredito mais no fazer do que no falar, mais no exemplo do que no discurso.

EA – Você foi um profissional midiático, como analisa essa transposição – era midiática para era de influenciadores?
Loducca Acho importante frisar que estar na mídia nunca foi um projeto pessoal, mas uma imposição do negócio de publicidade como se colocava naquele momento, uma forma de criar e nutrir uma marca e não a pessoa. Dito isso e como já não tenho interesse em liderar uma empresa, me dedico a ajudar a construir a imagem de meus sócios e do Ventre Studio. Quanto às diferenças entre a era da mídia e dos influenciadores, no fundo é quase a mesma coisa com um detalhe importante: não é a mídia quem edita e decide quem deve ter proeminência ou destaque, mas as pessoas comuns, o público (e os algoritmos!!!). No final existe sempre algo editando o que devemos ver.

EA – Nessa era digital, transitamos, vivemos entre dois mundos, o real e o virtual…
Loducca Emocionalmente, alguns estudos sérios comprovam, o virtual e o real quase não têm diferença: sentimos praticamente igual. O que me preocupa é que o mundo virtual elimina ou atenua boa parte das consequências de nossas atitudes (exemplo extremo: podemos nos esconder nas profundezas deste mundo para praticar atos que não teríamos coragem de fazer na frente dos outros), ou seja, dificulta a percepção de nossa responsabilidade em relação aos nossos atos.

Talvez isso ajude a criar uma civilização sem civilidade.

EA – Você começou na publicidade como redator, passou por agências players, Ogilvy, Young & Rubicam, Talent e W/Brasil e a FCB, ganhou prêmios em campanhas memoráveis. Seu portfolio ainda é referência para universitários de marketing?
Loducca Sinceramente, não sei. Às vezes me surpreendo com pessoas que me reconhecem (inclusive vocês) de alguma maneira. Espero que, se for ainda referência para alguém, que seja positiva.

EA – Você empreendeu uma agência de publicidade clássica, a LoweLoducca, por que a vendeu depois de 20 anos à frente dela?
Loducca Sou inquieto. Um exemplo: iniciei 6 faculdades e não terminei nenhuma. Publicidade foi a segunda coisa que fiz por mais tempo em minha vida (a primeira é ser pai). Após 31 anos trabalhando como criativo e 20 como dono de agência achei que precisava me realimentar com outras coisas, como a Casa do Saber, o meu programa na Eldorado, canal Youtube, Podcast, Quem Somos Nós, etc, e agora o Ventre Studio com criações audiovisuais. Por enquanto …

EA – Você é um criador de conteúdos, como o podcast Quem Somos Nós, lançado em 2013, quase 300 mil escritos. Você é hoje um youtuber ou um publicitário?
Loducca O podcast está paralisado desde dezembro de 2021 e mesmo assim, tem esse volume de inscritos. Parei para me dedicar a outras coisas como aprender mais idiomas, mais culturas, ler mais, e ajudar a educação no Brasil e construir o Ventre Studio. Não vejo o porquê de eu precisar me definir. Já fui professor de Química e Biologia, produtor de shows musicais, publicitário, entrevistador, empresário, marido, pai, e não pretendo parar de ser coisas diferentes até o momento de não ser mais.

EA – Das agências de publicidade para as agências de marketing digital, qual a maior transformação na comunicação no anunciar produtos?
Loducca Do ponto de vista do ofício em si. No contexto de conquistar a preferência das pessoas para um produto/serviço/causa, não muda nada. Mas do ponto de vista técnico e das ferramentas cada momento exige suas particularidades.

EA – Qual seu propósito empreendedor com o Ventre Studio?
Loducca Acredito ser uma pessoa curiosa e que não tem a intenção de passar a vida apenas sobrevivendo ou procurando sucesso. Se for um pouco de tudo que puder ser, estarei quase satisfeito. Quanto ao Ventre, nossa ideia é levar histórias brasileiras, autênticas, fortes e relevantes para o mundo. Por isso, temos parcerias internacionais importantes com a Disney, Warner, Gaumont, por exemplo.

EA – Do ritual de um jovem talento com portfolio debaixo do braço querendo ser descoberto por uma grande agência, quais as skills hoje para ser um profissional de talento no marketing?
Loducca Não sei se sou a melhor pessoa para falar sobre isso, mas afora as habilidades técnicas e tecnológicas que, obviamente são importantes, ter uma cultura geral ampla, uma personalidade curiosa, de verdade, fake não vale, ter prazer genuíno em descobrir um novo caminho é um começo promissor.

EA – Avatares influencers, como a Lu, do Magalu, a Satiko, da Sabrina Sato. Qual o papel deles na comunicação de venda?
Loducca Não tenho muita dúvida de que a interação com avatares será cada vez mais natural e eficiente, especialmente com a capacidade da IA de parecer ainda mais humana. E não vejo nenhum empecilho para que se desenvolvam e sejam mais eficientes comercialmente. Em breve, serão influencers importantes. E isso, do ponto de vista estritamente de comunicação e vendas, não é bom nem ruim. Podemos discutir a questão dos empregos, etc mas não me parece ser o foco aqui.

EA – Ainda sobre modelos de negócio em comunicação, vamos citar dois deles que muito influenciaram o marketing de conteúdos atual, livrarias físicas como a Cultura, e um ambiente bastante filosófico, a Casa do Saber? São modelos extintos?
Loducca Eu não acredito em modelos extintos, mas sim, em modelos que não mais tem o impacto, influência e eficiência de sua época áurea. A fotografia não extinguiu a pintura (mas a modificou), o cinema não extinguiu o teatro. Cada época tem seus modelos mais ou menos bem-sucedidos, mas eles convivem com a predominância de um sobre o outro. O mundo está caminhando para o digital, mas não vai abandonar o físico, mesmo que deseje.

EA – Ferramentas analíticas do digital com uso de IA, influencers vendendo produtos em sua casa sem make, este modelo de venda em redes de conexão, marcará o século XXI como a publicidade de consumo marcou o século 20.
Loducca Este modelo é mais um canal de vendas e, aparentemente, cresce em importância usando um truque bastante antigo da publicidade que é usar a imagem de alguém conhecido. Se pensar, antes eram as atrizes, os atores, e agora são os avatares e influencers, como avalistas de um produto. Muda-se a forma, mas não o conteúdo, portanto não vejo como substituto, mas como um prolongamento.

EA – Você é estudioso de nosso tempo, o que virá depois da inteligência artificial, Celso?
Loducca Primeiro, obrigado pelo elogio de ser visto como estudioso do nosso tempo. Respondendo com toda a sinceridade do mundo, não faço ideia. E acredito que quem diz que sabe, ou está mentindo ou não sabe que não sabe. Mas posso torcer para que nós façamos escolhas mais inteligentes para nós mesmos como civilização e utilizemos todo nosso conhecimento acumulado, inclusive na IA.
Para criarmos, assim, condições de vida digna para todos os seres viventes (humanos ou não) evitando o que dizem ser inevitável: nossa autodestruição por ganância e egoísmo. Mas é só um desejo, não sei se seremos capazes.

EA – Conta pra gente como era isso, um profissional “ser uma estrela” na publicidade?
Loducca Este momento já passou (para o bem e para o mal) foi um movimento consciente e muito bem sucedido para demonstrar a importância, força e criatividade do negócio da publicidade. Essa missão já foi cumprida. Ninguém mais será.

EA – Sua mensagem para um jovem publicitário.
Loducca Publicidade é uma ferramenta de vendas. Mas também um agente cultural. Use todo seu talento para estimular o consumo consciente e a preservação do ambiente que você e seus filhos irão viver.

celso

Celso Loducca é empresário e criador. Por décadas, atuou como redator publicitário em agências players, como a Ogilvy, Young & Rubicam, Talent e W/Brasil e na FCB como VP e diretor de Criação. Criou sua própria agência, a Loducca, estando a sua frente por 20 anos. Como criativo, impactou o mercado de consumo com campanhas premiadas. Apresentou o podcast “Quem Somos Nós?”, programa que nasceu na Rádio Eldorado, gravado na Casa do Saber, onde é um de seus fundadores. Dedica-se a ampliar o audiovisual brasileiro como co-fundador da Ventre Studio, empresa de plataformas para TV e Streaming.

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