Nossos mundos em conexão | Glaucia Ribeiro
EA – Redes sociais podem impactar negativamente carreiras?
Glaucia Sim. Acredito que o lado negativo é que nunca antes tivemos e não temos educação/formação para lidar com tanta informação e “separar o joio do trigo”. Isto pode levar a enganos. Mas há de se considerar que as informações perigosas sempre existiram. As TVs, com seus canais, onde se vende de tudo a incautos, sempre existiu.
Agora são as redes que se tornam mais perigosas ainda, pois dão acesso exponencial a quem tem algum discernimento e a quem não tem nenhum. Penso que seja necessário um trabalho urgente de formação, para estar tão exposto. Procuro fazer isso com meus clientes. O problema não são as plataformas. Em si, elas são neutras. O problema é que nós a alimentamos. De que mesmo, não é?
Meu objetivo é compartilhar e entendi que as redes sociais representam a nova rua. É por onde passamos, por onde podemos ampliar a voz e fazer relacionamentos. Outro fator que me motivou foi querer ir além de minha comunidade local. Eu moro no interior do Brasil, onde, antes da pandemia, já quase não tínhamos eventos para fazer relacionamentos.
Com as redes, pude criar laços fora do meu ambiente local.
EA – Como zelar pelos nossos perfis nas redes?
Glaucia Primeiro é não acreditar que a sua bolha é a única bolha. Isso pode gerar uma percepção de mundo distorcida, já que os algoritmos nos dão a ilusão de que todo o nosso mundo é aquilo que estamos vendo. O outro é o cuidado com o que deseja “vender” sobre você mesmo, e se isso está alinhado com seu verdadeiro proposito de vida.
EA – Você trabalhou por anos em RH, até que adoeceu. Como entender limites?
Glaucia Eu errei ao achar que esse era meu único mundo, errei ao não buscar ajuda, errei por não fomentar em mim mesma uma visão de mundo maior, que pudesse me ajudar a sair. Errei porque eram essas as condições que conhecia. Eu não sei dizer se a empresa errou, pois era a condição e o que era certo naquele contexto. Aos olhos de hoje, não cabe mais uma empresa trabalhar baseada em pressão, em metas e produtividade apenas, mas, na época, era isso que fazia uma empresa a ser o que era. Era o jogo.
“Tive a sorte de conhecer um líder (Adriano Araujo, quero dizer o nome dele, pois ele acaba de ir embora para outro plano), que já estava a postos para uma liderança mais flexível e aquilo me deu a mão.”
EA – Autogestão e autodesenvolvimento, colaboradores sabem exercer essas skills?
Glaucia Esse despertar vem acontecendo. As pessoas já percebem o que é assumir a própria vida, mas acredito que ainda não sabem o ‘como fazer’. São muitos anos, desde sempre, delegando esse poder às empresas, as políticas delas, em ela decidir sobre a sua própria vida, no contexto profissional. Isso começou lá atrás, no próprio modelo educacional e se transferiu para o mercado de trabalho.
A empresa e seus comandos ocuparam o lugar das estruturas familiares tradicionais, um lugar do saber o que é melhor para “seus filhos”, e acabam criando filhos despreparados para lidar com as próprias necessidades. Este é meu trabalho hoje, ajudar as pessoas a descobrir “o como fazer” e o “que fazer” com esse despertar.
EA – Empresas investem alto em tecnologias mas cadê os benefícios mais inteligentes?
Glaucia O que tenho visto é que os investimentos em tecnologia ainda são uma coisa a mais para se fazer, ter que gerar processos. Agora, além de terem que se adequar digitalmente, têm que se criar a conexão e a confiança na liderança para isso, a transformação digital. Ainda não “caiu a ficha” de que “homens vão fazer tarefas de homens e robôs de robôs”. Ainda existe uma resistência a deixar as máquinas a fazerem os trabalhos delas.
É gasto muito tempo cumprindo sistemas, avaliando desempenho ao invés de apoiar o desempenho. As empresas estão implementado programas de diversidade e inclusão, modelos de gestão mais flexíveis mas ainda, estão muito apegadas aos seus relatórios, mais do que ao ser humano.
EA – As relações de trabalho, como era, o que melhorou, o que precisa melhorar?
Glaucia A proposta é melhor hoje, mas as dificuldades não mudaram tanto. Lá, talvez não soubéssemos como fazer diferente na ponta dos dedos. Hoje, há rapidez em termos informações que ajudam a realizar as mudanças, mas acredito que tanta informação também cega. Isso é o que precisamos melhorar.
Quando atuava no corporativo, existia o modelo x, da instituição y. Demorava, mas se seguíssemos os passos, aplicávamos e pronto. Hoje, não tem receita de bolo. Claro que isso é maravilhoso, pois não tem o certo e o errado e podemos inovar. Por outro lado, muito estão sem chão por não terem mais os “modelo certos”.
EA – Um cenário um tanto quanto caótico, transformação radical.
Glaucia E tenho a impressão de que a cobrança está maior. Talvez seja mesmo um momento de transição. Vamos pegar, por exemplo, o home office. As pessoas foram para ele com o mesmo modelo de mundo presencial, apenas fizeram a transição para plataformas. Isso gera muita ansiedade. Tenho que clientes que estão perdidos, pois não conseguem “fiscalizar” o que o time está fazendo. Eles ainda não sabem que não vão fiscalizar. O chefe dele também não sabe.
EA – Como será o seu futuro de trabalho? Vai faltar ou sobrar empregos?
Glaucia São duas perguntas. O futuro de meu trabalho? Vejo como um oceano azul. Cada vez mais, o trabalho personalizado, mais direcionado para compreender o indivíduo nas suas necessidades, vai fazer sentido. E não, não acredito que os empregos vão acabar, mas vamos viver algum tempo com a impressão de que acabaram. Não sei por quanto tempo, mas talvez uma geração a mais para compreender que são novas formas de ver o mundo e de como atuar nele.
Glaucia Ribeiro mora em Goiânia, é psicóloga com MBA em Gestão de Pessoas e Gestão Comercial, especialista com atuação em psicoterapia clínica, aconselhamento e mentoria. Tem longa maturidade no mercado de gestão de pessoas, carreira e liderança. Por 20 anos passou por inúmeras empresas e, desde 2013, por motivos de saúde, se orienta a ajudar pessoas a melhorar a sua saúde mental, faz das redes sociais, seu melhor laboratório na interpretação dos novos comportamentos para seu ofício.
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