Neurociência e o nosso tempo | José Júnior Gonçales
EA – Vivemos em profunda vulnerabilidade, não?
Gonçales O lado da pandemia que se assemelha às questões da vulnerabilidade humana é o desconforto trazido pelas ameaças de morte e padecimento por doenças, sempre presentes em nossas sociedades, seja na forma de guerras e conflitos em seus vários formatos, seja nas ameaças coletivas do desemprego como agora, oriundas de uma intensa modernização de nosso processo produtivo e acelerados pela pandemia do coronavírus.
O outro lado corresponde às ameaças ambientais globais. O aumento da violência urbana e no campo, o acirramento da competição entre as empresas, a intensa introdução de tecnologias disruptivas e automatizadas, e, por fim, a gradativa concentração de renda no topo da pirâmide global. Problemas somados que causam intensa pressão emocional sobre a humanidade, principalmente nas camadas mais frágeis da sociedade e mais susceptíveis às crises econômicas e às catástrofes ambientais.
“O alívio das pressões geralmente vinha ocorrendo com o caminhar da economia e da vida anterior à pandemia: acesso a bens materiais, empregos, e as rotinas da vida, conduzidas no piloto automático.”
EA – Do ponto de vista da economia comportamental, o que a pandemia provoca?
Gonçales A pandemia ao provocar a desaceleração das rotinas de todos, principalmente as rotinas diárias, e a quase paralização das economias, tirou bilhões de pessoas do “sistema automático”, levando-os a viver no chamado “sistema 2”, conhecido por ser lento e reflexivo (desvendado pelo Nobel Daniel Kahneman). Nessa “parada obrigatória” a maioria passou a avaliar os riscos que correm em um mundo que caminha como uma locomotiva frenética, não se sabe bem para onde. Assim, essa parada gerou reflexão, momento que alimenta o medo, a ansiedade e muitas expectativas e previsões para o futuro em todos, o que acabou por deflagrar inúmeras crises psicológicas.
EA – Nos conte sobre os significados das terapias naturais.
Gonçales As terapias naturais, também chamadas integrativas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), auxiliam nos dois aspectos. Podemos dar um exemplo da acupuntura, que atua de forma a ser auxiliar nos tratamentos médicos, como também pode atuar na profilaxia, na possibilidade de piora do quadro clínico do paciente. Na Neurociência Comportamental, os coachings e mentores podem atuar no sentido de auxiliarem o paciente a buscarem estratégias e recursos que revertam situações que atualmente deterioram a qualidade de vida e sua saúde mental.
EA – Essa condição de estarmos mais interiorizados favorece o autoconhecimento?
Gonçales Uma condição fundamental é a percepção de que podemos ser protagonistas de nossas vidas, reconhecendo que nosso bem-estar, nossa saúde e nossas experiências de vida junto com quem amamos e admiramos é nosso bem maior. Uma segunda condição que foi acelerada na pandemia é a oferta infinita de livros, minicursos (livres ou pagos), e-books, lives e grupos de pessoas interessadas em temas comuns a diversos grupos, tais como “pais de crianças com TDAH” ou “grupo de autoajuda em Parkinson”, e muitos outros que surgiram na web.
EA – Por onde começar essa jornada em nós?
Gonçales Buscando inicialmente reavaliar quais coisas na vida de fato trazem felicidade a nós, algo que, na psicologia positiva, é chamado por “felicidade autêntica”, aquela que não depende tanto de fatores externos para ser realizada, nem muitos recursos financeiros. É fazer a coisa que nos preenche e nos dá aquela sensação de completude na vida, também denominada por “savoring”, um “saborear” os bons sentimentos da vida.
EA – Mas como lidar com o sofrimento psíquico e corporal?
Gonçales É preciso mapear em si todos os elementos disso. O que pode ser mudado para diminuir esse sofrimento? O que pode ser ressignificado? O que pode ser usado para nos alavancar novos projetos e novos hábitos? Há excelentes livros que auxiliam nesse novo caminho, e se precisar busque um mentor, um coaching, um terapeuta que dê suporte nas autoavaliações e nas mudanças mais difíceis de serem realizadas. Há hábitos que estão profundamente incrustrados em nossas vidas e deixá-los se torna por vezes uma tarefa quase impossível, como ser um workaholic no trabalho por exemplo.
“O excesso de exposição e de navegação nas redes está causando nitidamente depressão nas pessoas, pois mesmo que haja um certo “grau de interação” entre elas, não há uma integração saudável.”
EA – Como a neurociência analisa esse contexto?
Gonçales Leva-se em conta a necessidade de empatia, de convívio, de trocas pessoais, que são potencializadas no caso de ocorrerem presencialmente, pois nessas trocas há a construção de ritos, a construção de culturas e costumes locais. É devido a essa discussão que várias empresas ainda prezam pelo trabalho presencial, para manter viva a cultura da empresa. O ser humano é iminentemente social, e seu caráter relacional veio sendo construído através da história humana, isso está guardado em sua mente, em seus “neurônios – espelho”, que é a parte do cérebro que literalmente se espelha nos outros. Daí que o isolamento social traz inúmeros prejuízos ao indivíduo, por sermos exatamente seres fortemente socializáveis.
EA Empresas estão sabendo lidar ou monitorar esse contexto?
Gonçales Apesar das tentativas de inúmeras empresas de mitigar os conflitos nascentes nesse novo contexto, há poucos estudos e análises abrangentes dos efeitos futuros desse rompimento de barreiras geográficas entre empresa – lar. São necessários estudos e avaliações que forneçam indicativos sobre os impactos desse novo modelo, até para que governos, empresas e sociedade civil criem normas e parâmetros para essa modalidade de trabalho. Afinal de contas, as atividades produtivas passaram a “invadir” o espaço do lar de milhões e milhões de trabalhadores, sem mensurar os riscos disso para a saúde de funcionários e de suas famílias.
José Júnior (Gonçales) é mentor neurocomportamental, palestrante e lecionou em MBAs e pós-graduação em instituições de ensino superior. Hoje dirige uma clínica de terapias integrativas e de psicoterapia ao lado de sua esposa, em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo. Seus apontamentos aqui na EA, ampliam a reflexão holística sobre o nosso tempo, as relações humanas, as vidas humanas, o bem-viver e o bem-estar, carreiras e o futuro do trabalho.
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