JORNADAS PROFISSIONAIS 2 | Hugo Baraúna

 

Aprender a viver com calma e ressignificar o conceito de tempo. O sabático é um misto de período de calma, tédio e oportunidade. É um período de calma porque, talvez, pela primeira vez na vida não é a sua agenda que tem você, é você que tem a agenda. Até este momento existia uma agenda para você cumprir, ela que te guiava. Ir para escola. Ir para faculdade. Ir para o trabalho.
Mas como seria sua vida se por alguns meses, você não tivesse uma agenda para cumprir?
Primeiro vem um sentimento de calma. Você percebe que não era o mundo que estava acelerado, somos nós que estamos acelerando ele. Você agora pode pensar e agir com calma. Mas isso não é fácil, porque sua vida inteira você foi treinado para outra coisa: viver “na correria”.

Tédio

O paradoxo criado entre sua habilidade de viver na correria e a oportunidade de viver com calma te leva para um outro lugar: tédio. Você estava acostumado a viver tudo muito rápido. Sua mente tem décadas de treinamento de “vida correria”! As metas mensais e trimestrais. A falta de tempo e energia para ligar para um amigo ou para fazer uma visita para sua família. Tudo para ontem! Quando alguém te perguntava como estavam as coisas, o que você falava? “Ta correria”.

Daí quando você não tem mais uma agenda para cumprir, percebe que você não tem habilidade para decidir o que fazer com seu tempo o tempo inteiro. Você estava acostumado a decidir apenas o que faria com o seu “tempo livre”. Você teve pouquíssimo treino na sua vida em decidir o que fazer com seu tempo, quando não existe uma agenda extrínseca que contenha você.

Algumas pessoas tentam preencher o tédio criado por essa abundância de tempo unicamente com lazer. Afinal, é isso que deve ser uma boa vida, né? Lazer o dia inteiro! Viajar, comer, beber, ver Netflix etc. O que te der prazer.

Apesar do lazer ser essencial e muito gostoso, talvez não seja bom viver o dia inteiro todo dia só de lazer. No extremo da ideia de prazer o tempo todo, imagina alguém tendo orgasmo o dia inteiro 100% do tempo?! Apesar de parecer atraente, acho que não é uma boa ideia.

Então o que fazer com esse tempo que você se deu, além de lazer? Uma possível resposta: autoconhecimento.

Autoconhecimento

A grande maioria das suas atitudes até agora foi orientada por conhecer o mundo exterior. Entender como ele funciona, conseguir modificá-lo, causar um impacto nele. Seja através da escola, da faculdade ou do seu emprego, o direcionamento foi majoritariamente de conhecer, entender e mudar o mundo exterior.

Mas e quanto a conhecer e mudar você mesmo? Quem é você além do seu crachá? Quem é você de verdade, na sua essência?

Essas perguntas podem parecer bizarras, mas talvez porque você não tenha tido tempo suficiente para refletir sobre elas até então. O sabático é uma bela oportunidade para isso.

Apesar de existir um planeta em volta de nós, eu acredito que cada um carrega um universo dentro de si. Acontece que nem todos têm a curiosidade ou oportunidade para explorar esse espaço. Se você se der o presente do sabático, essa é sua chance. Mas como fazer isso?

Autoconhecimento através da escrita

Uma ferramenta básica, acessível e muito poderosa de autoconhecimento é escrever. Escrever para você mesmo. Pense que a escrita não precisa ser algo que você faz só depois que tem uma ideia bem formada sobre si. Mas sim um processo pelo qual você organiza suas ideias e se descobre a cada nova palavra.

Mas escrever sobre o que? Sobre o que você pensa. Sobre o que você deseja. Sobre seus medos, seus anseios, suas emoções e sentimentos.

Um exemplo próprio foi um texto que escrevi para responder a seguinte pergunta: “Ok, eu quero refazer o site da Elixir Radar… mas por que? Isso está alinhado com o que eu quero da vida? O que eu quero da vida?”. Escreva e deixe fluir. Não precisa publicar o texto, pode ser só para você.

Autoconhecimento através de ferramentas

Você pode também usar a ajuda de ferramentas para entender e conseguir articular quem você é. Estou falando daquelas ferramentas baseadas em questionários de auto-relato ou auto-percepção.

Talvez você já tenha usado alguma delas na sua empresa, ferramentas como DISC, MBTI, MEP. São ferramentas muito interessantes, e eu mesmo já usei algumas delas para mim, como o DISC e o MEP. Porém, quando usei essas ferramentas, era sobre autoconhecimento e desenvolvimento para o trabalho.

O que estou propondo aqui é usar ferramentas de autoconhecimento para você como um todo, inclusive fora do trabalho. Precisamos ter atenção para não limitar o ser humano a um trabalhador, essa é apenas uma (e importante) faceta de nós, mas existem várias outras.

Uma ferramenta que aprendi na pós-graduação de psicologia positiva e que achei sensacional se chama “virtudes e forças de caráter”. Essa ferramenta foi criada a partir de uma pesquisa científica que buscou entender quais são as boas características dos seres humanos que geram uma sensação de bem estar e são valorizadas independente do tempo na história, da cultura ou da região.

Essa pesquisa foi feita por um time de 55 cientistas ao longo de 3 anos, e chegou em 24 forças de caráter (características) agrupadas em 6 virtudes:
sabatico - O que você pode fazer durante um sabático?

(Fonte: matriz criada pelo professor Gustavo Arns)

Virtudes e forças de caráter

A ferramenta para descobrir suas forças de caráter é online e gratuita. O conjunto das suas forças de caráter é algo que define você, sem elas, você não é você. Esse é um modo de descobrir sua essência.

O interessante em conseguir transformar esse autoconhecimento de tácito para explícito é que você pode começar a usar suas características e forças de novas maneiras. Por exemplo, imagine que você descobre que uma das suas forças de caráter é “curiosidade”. Você reconhece isso em você: “sim, eu tenho muita curiosidade sobre as coisas, sobre o mundo, sobre como as coisas funcionam”. Daí você pode refletir: Em quais aspectos da sua vida você mais tem usado essa força? Que tal usá-la em situações diferentes?

Se você tem curiosidade por conhecimento, poderia por exemplo usá-la também para desenvolver mais interesse pelas pessoas. Usar sua curiosidade para entrar em uma conversa e poder ouvir mais a outra pessoa, praticar escuta ativa. Usar sua curiosidade para descobrir um interesse genuíno em quem é a pessoa do outro lado, o que ela pensa, como ela se sente e como vocês se conectam.

Expandir sua identidade

Imagine que você está no meio de um sabático, você conhece uma pessoa e ela pede para você se apresentar. Como você se apresenta?

Se fosse antes do sabático, eu responderia: “Meu nome é Hugo, sou engenheiro”. Ou: “Meu nome é Hugo, sou empreendedor”. E por aí vai. O padrão entre essas respostas é que o modo como nos definimos para os outros é através do nosso trabalho, emprego ou cargo.

Acontece que isso não é só como nos apresentamos para os outros, é também a lente que usamos para ver a nós mesmos, nossa identidade. Talvez você não tenha parado para perceber que você está usando essa lente. Essa lente faz parte de você de tal modo, que você e a lente são uma unidade só. Usando as ideias do Robert Kegan, no seu livro sobre desenvolvimento adulto, o “The Evolving Self“:

“Não é você que tem a lente, é a lente que tem você.”

Talvez até esse momento da sua vida, não é você que tem um trabalho, é o trabalho que tem você. Ele é a sua identidade. É a partir da óptica do trabalho, da necessidade de produzir, que você vê o mundo.

Acontece que no sabático você tem tempo e chance para poder perceber que você está usando essa lente. Você pode refletir se você quer continuar usando ela, se não quer mais, ou em que momento que faz sentido usá-la. Descobrir que existem várias lentes possíveis para como você enxerga a si mesmo e o mundo.

Essa questão de rever sua identidade é algo profundo e leva tempo. Sobre esse assunto, eu recomendo alguns livros sobre desenvolvimento adulto, “The Evolving Self” e “Imunidade à mudança“, ambos do psicólogo e professor de Harvard, Robert Kegan.

É o que vou te contar no meu próximo relato. O que você pode aprender durante um período sabático?

 

hugobarauna - O que você pode fazer durante um sabático? 
Hugo Baraúna é empreendedor há mais de 10 anos. Ele está em um sabático após vender sua empresa para a Nubank. Formado em engenharia de computação pela Poli-USP, tem um MBA executivo pelo Insper e está cursando uma especialização em psicologia positiva pela PUC-RS.
Também é marido, e mora em São Paulo com sua esposa e seus dois gatinhos.

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