Evangelização LGPD | Aline Deparis

 

EA – Você é mulher, condição de minoria em startups, como analisa essa questão, poucas mulheres CEOs?
Aline De fato existem menos mulheres, os números nos mostram isso. Acredito ser por uma questão histórica, no que se refere a trabalho, as mulheres não começaram no mesmo timing que os homens. E por isso existe, claro, uma questão social adicionada ao fato de mulheres terem demorado a ter exemplos de outras mulheres nesta condição de liderança para se inspirarem e conseguirem se ver nas outras. Somando esses três fatores, acho que é o que faz com que este ecossistema feminino seja reduzido. A partir do momento em que historicamente teremos mais mulheres youtubers, mais mulheres à frente de startups e em áreas de tecnologia, mais mulheres na indústria, mais mulheres pilotando aviões esta realidade muda. Toda essa questão histórica é um fator de influência para o número ser menor. O caminho é trabalhar forte no processo de aculturamento e inspiração para que as mulheres se percebam capazes.

EA – Como empreendedora, seu perfil é bem evangelizador, qual seu maior propósito?
Aline
Sempre digo que o meu maior propósito é transformar vidas, através da tecnologia. Transformando linhas de código em uma ferramenta para ajudar outras empresas, ou transformar um terreno baldio em um terreno produtivo. Dito isso, demonstrar que é possível empreender em qualquer segmento.

“Inspirar outras pessoas a seguir este caminho, faz com que minha missão seja ainda mais reforçada no dia a dia. Na minha percepção a evangelização acontece a partir da referência.”

EA – Você está em um estado de capilaridade em startups. O que levou o Rio Grande do Sul a esta condição?
Aline Boas ideias existem, porém é necessário ter organização e credibilidade para que outros também consigam vislumbrar a possibilidade de êxito. O Rio Grande do Sul conta com diversos polos tecnológicos como o Tecnopuc e até mesmo hubs como o Distrito, que vem atuando há quase 10 anos em cooperação com startups. Mais recentemente, em 2019, foi fundado o Instituto Caldeira e conta com grandes nomes do empresariado gaúcho. Isso ajuda a trilhar caminhos mais claros e objetivos a todos os envolvidos em seus respectivos projetos. É natural que com um trabalho consistente feito pelas startups, grandes empresas voltassem às atenções e investissem.

“É um orgulho muito grande saber que a Privacy Tools faz parte desse ecossistema e, contribuindo da sua maneira, cresce junto a todos eles.”

EA – Como avança a cultura da Lei LGPD* no Brasil?
Aline
Acredito que tenhamos superado a fase em que o bordão era “Esta Lei não irá pegar”. Dado movimentos recentes, tais como a concretização da proteção de dados como direito fundamental, a MP que tramita no congresso tornando a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) uma autarquia, algo que lhe dará mais liberdade e independência de atuação, além do mais recente projeto de lei que também se encontra em tramitação e prevê o oferecimento de isenções fiscais à empresas que investirem em projetos de adequação à lei.

Em que pese todos estes itens, claramente há um caminho a trilhar, existem empresas que estão no processo, outras que sequer iniciaram e, certamente, sentirão os impactos disso, haja vista que temos cada vez mais o titular de dados consciente e preocupado com o que será feito com os seus dados pessoais, e as empresas estão inserindo em sua análise de riscos pautas relacionadas a como aquela determinada organização trata os dados pessoais.

Existe uma perspectiva de que com a ANPD atuando de forma mais presente, inclusive nas fiscalizações e sanções, teremos também esta fatia de mercado que ainda não iniciou nenhuma ação, começando e passando pelo processo de adequação.

EA – Qual o objetivo principal desta nova legislação?
Aline
A LGPD vem para ajudar a todos nós, eu, você repórter, você leitor, ou seja, ela ajuda a garantir que nossos dados estarão protegidos e que serão usados de maneira ética e correta pelos receptores. Portanto, eu diria que a legislação estabelece regras para o tratamento de dados pessoais que permitirão ao usuário (titular de dados) uma maior segurança e controle sobre seus dados.

EA – Nas startups, empresas techs, como se fundamenta a aplicação desta legislação?
Aline
Quando falamos em startups e outras tais como: microempresas, empresas de pequeno porte e pessoas jurídicas sem fins lucrativos temos a recente regulamentação feita pela ANPD que prevê flexibilizações de tratamento diferenciado. Desta forma, para estas organizações não há a obrigatoriedade de ter um DPO (Data Protection Officer ou Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais), prazo para atendimento de solicitações dos titulares em dobro, comunicação simplificada de incidentes, procedimento simplificado de registro de operações de tratamento de dados pessoais e outras.

Sabemos que existem muitas organizações no país que se encaixam neste perfil, portanto, ter regulações que abordem e tragam medidas considerando a complexidade e especificidades, irão certamente colaborar e permitir também a adequação destes agentes, trazendo mais segurança aos titulares de dados.

EA – E nas PME’s, como avança a jornada LGPD?
Aline
A lei exige às empresas a se adequarem, no entanto, para pequenas empresas a LGPD ainda não é uma prioridade. Porém, seguindo processos escaláveis, à medida que aumentarem suas receitas, terão que levar em conta multas que podem ser impostas de valores que vão até 2% da receita anual da empresa. Assim, a melhor forma de avançar com a jornada LGPD é educar, como numa espécie de esteira, diferentes personagens do processo. Empresas, colaboradores e diretorias. Compartilhando informações sobre a lei e atualizações sobre a ANPD. Educando e também alertando aos riscos com os dados e a imagem de uma empresa que não valoriza isso. 

EA – Quais as diretrizes iniciais, onde se começa esta jornada LGPD nas empresas?
Aline
Uma jornada de Privacidade e Proteção de Dados se inicia dentro das empresas com pequenas ações e diretrizes internas. Uma boa saída, especialmente para empresas de pequeno porte, é elaborar uma cartilha de como agir em cada situação e o porquê, segundo a LGPD, se deve atuar de tal maneira. Fica mais fácil para que todos compreendam e gradativamente possam colocar em prática esse processo de aculturação acerca da importância do tema nas organizações, tornando mais fácil até para novos colaboradores já conseguirem visualizar tais processos e informações.

EA – No mercado corporativo, LGPD é tema recorrente e atual, o que muda?
Aline
As mudanças já vêm acontecendo e a gente acompanha todos os clientes e parceiros. Assim como na Europa onde após a entrada em vigor da GDPR as empresas também ficaram esperando para ver o que ia acontecer, no Brasil o ritmo é o mesmo e agora que os titulares começam a ficar mais conscientes dos seus direitos, as empresas notaram que precisam alocar mais recursos e investimento em áreas como cibersegurança, processos, segurança da informação, privacidade e proteção de dados.

A lei já está em vigor, portanto quem ainda não fez nada já está atrasado e correndo risco, e quando eu falo risco eu afirmo com todas as letras: Risco para o negócio. Não é raro chegarem empresas através do site da Privacy Tools nos enviando mensagens querendo realizar a adequação às pressas e buscando soluções mágicas pois eles estão sofrendo alguma auditoria ou algum grande cliente ameaçou fazer uma diligência.

EA – Quais as dificuldades que as empresas estão tendo em cumprir as diretrizes LGPD?
Aline
As empresas que possuem operações digitais, principalmente, dependem de outras e é uma árvore de dependências de difícil gestão. Imagine que você coleta dados dos seus usuários em seu site e envia para uma plataforma de vendas de uma empresa terceira. Essa por sua vez compartilha os dados com outra empresa de análise de risco e que por sua vez vende relatórios de risco para dezenas de outras empresas.

Como você compreende toda essa cadeia, o impacto, o risco, como você atualiza todos os contratos?

Como fazer diligência e eventualmente até trocar sistemas de empresas que não vão se adequar? Ter orçamento e priorização para fazer todos esses movimentos e ao mesmo tempo treinar, capacitar e gerenciar os riscos internos, é muita coisa em pouco tempo e isso acaba prolongando demais projetos e gerando um alto custo de difícil mensuração do ROI para a alta gestão.

EA – De que forma uma empresa pode gerar melhoria do negócio, com a LGPD?
Aline
Em 2021, a Delloitte Digital elaborou um estudo chamado: “Diminua o gap de confiança para desbloquear o valor do seu negócio”, e apontou que 68% dos entrevistados costumam investir mais em produtos e serviços de empresas com alto índice de confiabilidade. Consumindo em média 25% mais do que consumiriam num mesmo produto de marcas com menor índice de confiabilidade. Observando dados como esse, é possível prever que hoje, investir em adequação à Lei Geral de Proteção de Dados é investir na imagem da organização perante os consumidores e, consequentemente, aumentar a receita previsível da empresa.

EA – Qual o papel dos colaboradores em nutrir o cumprimento desta legislação?
Aline
Os colaboradores representam a empresa, são a sua essência. São eles que, em nome da empresa, vão efetivamente tratar os dados pessoais dos clientes, usuários ou mesmo outros colaboradores, logo, eles precisam ser treinados e capacitados para se preocupar com a privacidade e proteção de dados desde a concepção em cada serviço ou processo. 

EA – Como toda legislação, sempre muita técnica, com suas multas e sanções, como fortalecer essa cultura de marcos legais no mercado?
Aline
Como a LGPD ainda é relativamente nova no Brasil, cabe a todos os envolvidos construírem diretrizes e alternativas para solidificar esse conhecimento e difundi-lo. Treinamentos constantes, gamificação, investimento em cibersegurança, prioridade na alocação de recursos do orçamento anual, são algumas alternativas que podem acelerar esse processo.

No entanto, é necessário também levar em conta os prejuízos que as empresas já estão sofrendo ao negligenciar essa nova cultura.” 

EA – Podemos dizer que LGPD converge com as questões do Futuro do Trabalho?
Aline
De certa forma, sim, mas não apenas LGPD mas “privacidade” como direito fundamental da personalidade do ser humano. Independente da forma como o trabalho do futuro será, o que eu entendo que difere dependendo do contexto, região e maturidade da empresa e equipe, o respeito pela privacidade vai ser um dos pilares fundamentais que vai diferenciar uma empresa da outra. Empresas que hoje buscam certificações, por exemplo, “GPTW” buscando reputação para o trabalho, vão procurar empresas que respeitam a privacidade. Respeitar a privacidade é um conceito amplo onde um pedaço disso é a proteção de dados. A LGPD vem exatamente para apoiar nessa parte mas existe uma longa estrada da vida ainda nessa direção.

*LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709 de 14.08.2018)

 

Aline bio - Evangelização LGPD

Aline Deparis é CEO da Privacy Tools, a maior plataforma brasileira de Gestão para Privacidade e Proteção de Dados Pessoais. Analista de Sistemas com mais de 17 anos de experiência em TI, foi presidente da Assespro-RS e do CETI-RS (Conselho das Entidades de TI do RS). É membro do Conselho Fiscal do Icolab e do govDados, Cofundadora e conselheira da Maven Inventing. Palestrante, foi mentora de empreendedorismo da Federasul, Forbes Woman 2021 e participa ativamente das comunidades de startups, de empreendedorismo, de privacidade e de mulheres em TI.

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