Diversidade e Inclusão nas empresas: futuro ou moda? | Eduardo Estellita

Basta abrir a seção de Negócios de qualquer jornal ou revista nacional para se deparar com uma ou mais reportagens sobre os benefícios da diversidade para as organizações. Observando essa ubiquidade repentina da temática, os mais céticos entre nós podem até se perguntar: será que Diversidade e Inclusão (DI) entrega tudo que promete? Quem sabe não seria a moda da vez: um estrangeirismo que tentamos importar por um tempo até o deixarmos de lado por outro, mais novo e brilhante?

É inegável que, especialmente nos últimos três anos, a temática de Diversidade e Inclusão tenha entrado e se estruturado nas organizações de forma acelerada. Poucas são as médias ou grandes empresas que não realizam nenhuma iniciativa, por mais tímida que seja. E essa tendência é global.

Segundo análise realizada pela plataforma LinkedIn, durante o ano de 2020, a quantidade de vagas para a posição de Chief Diversity Officer (CDO) aumentou 51%. Já na startup brasileira Gupy, a demanda por profissionais especializados em DI cresceu 100 vezes no último ano.

Em outra pesquisa realizada pela pwc em 40 países, 76% dos participantes afirmam que a diversidade é um valor declarado da organização na qual trabalham. Contudo, somente uma em quatro das empresas consultadas possui metas de DI para a liderança. É possível ter estrutura e diversidade como valor declarado sem metas?

Para responder essa pergunta, preciso compartilhar um pouco da minha trajetória. Construí boa parte da carreira na Europa. Trabalhei por anos como gestor de mudança em filiais francesas, belgas e holandesas de multinacionais, até que, em 2012, resolvi empreender em uma arena ainda pouco explorada: a colaboração intergeracional. Estava convencido (e ainda estou) que as empresas têm muito a ganhar com a integração geracional.

Na época, já alertava os altos escalões que cargos fixos (em termos geográficos e conteúdo de tarefas) estavam com os dias contados. A inversão da pirâmide demográfica, o aumento dos custos de overhead nas capitais e as expectativas da geração Z, que clama por variedade e flexibilidade no trabalho, anunciavam a inviabilidade futura desse modelo de estrutura organizacional.

Meu alerta foi recebido com intenso ceticismo. Falar sobre futuro e valores da juventude simplesmente não contribui para o bottom line do próximo trimestre. Não é sexy.

Até que veio a “moda” dos sprints e o distanciamento imposto pela pandemia. De repente, todo mundo se convenceu que estruturas rígidas de trabalho ficaram no passado. Hoje, a “moda” já é status quo em diversos segmentos.

Quando retornei para o Brasil em 2015, encontrei um país profundamente desigual e excludente que, após anos no armário, finalmente se apresentava como tal. Esse não era o Brasil que conheci na escola branca, urbana e de classe média que frequentei nem nas novelas da televisão que, dada a cor de pele do elenco, bem poderiam se passar na Suécia.

Outras narrativas disputavam o espaço público. O debate político passou a ser permitido, até encorajado. Nas redes sociais, tínhamos outros lugares de fala para outras vivências e o terrível “mimimi”, que nega as dores do outro que nunca experimentamos.

Como assim, não éramos uma democracia racial? Não éramos o país da cordialidade, das oportunidades, do empreendedorismo e da meritocracia? Nunca fomos. Mas o que se descortinou para mim pelo choque cultural não necessariamente se revelou para quem sempre esteve aqui.

Sabe aquela velha história do sapo na panela? A gente se acomoda, aliena, afasta do campo de visão e silencia as vozes que discordam da nossa. Individualmente e coletivamente. E também em nossas empresas: tão brancas, masculinas e heteronormativas que nem mais as vemos assim.

O incômodo se converteu em necessidade de agir. Escolhi um mestrado para responder à pergunta inicial: Diversidade e Inclusão é moda para “inglês ver” ou veio para ficar?

Entrevistei uma dezena de gestores de DI em empresas multinacionais dos mais diversos portes e setores. Profissionais que pacientemente responderam a um inventário de 106 iniciativas que desenvolvi a partir de 30 anos de pesquisas acadêmicas sobre o tema.

Me surpreendi com a facilidade que tive para acessar essas pessoas. Provavelmente estavam tão perdidos e carentes de soluções sustentáveis quanto eu. Estavam fartos de consultores atuando isoladamente em dimensões específicas de diversidade, oferecendo indiscriminadamente as mesmas respostas milagrosas para todos os clientes.

Para ter inclusão, basta ter respeito

Em palestras destes conceituados consultores, ouvi clichês que variavam do ingênuo ao perigoso: “Para ter inclusão, basta ter respeito”, “Toda pessoa LGBTQIA+ tem a obrigação de sair do armário na empresa” e, minha favorita, “Não precisamos de metas. Metas desvirtuam os esforços de DI”.

A produção acadêmica nacional também não estava totalmente atenta às necessidades das organizações. Nossas pesquisas mais relevantes têm a válida preocupação em evidenciar os processos de exclusão, porém deixam a desejar em relação ao que fazer em posse desse conhecimento.

O que, de fato, todas essas pessoas que iriam liderar equipes, o RH, o departamento de DI e os grupos de afinidade deveriam fazer na segunda-feira, quando a jornada de trabalho começasse? Ninguém sabia dizer.

Instituto Diversidade

Diante desse abismo entre o que a ciência sabe e o que as pessoas nas empresas são realmente capazes de implementar, fundei o Instituto Diversidade com Vanessa Lemos, uma amiga igualmente engajada na temática.

O Instituto surgiu da necessidade de produzir e difundir conhecimento cientificamente validado e útil para os esforços de DI nas organizações. Levamos em conta particularidades culturais e desafios reais na implementação de programas sustentáveis. Formamos agentes de mudança sensibilizados, críticos e instrumentalizados para lidar com as barreiras (in)visíveis que profissionais minorizados encontram no mercado de trabalho.

Para fazer isso, contamos com um time de especialistas que combinam lugar de fala, experiência acadêmica e conhecimento organizacional adquirido na prática. Apesar de sentirmos diversas exclusões na pele, apoiamos com compaixão as pessoas enquanto elaboram suas dúvidas, conflitos e contradições e as movemos do universo das sensações para atitudes e comportamentos concretos. A transformação só ocorre quando encontramos as pessoas onde estão em suas jornadas pessoais e as conduzimos à ação.

Em termos organizacionais, isso significa superar a “síndrome do eterno aprendiz” e evoluir das celebrações circunscritas a datas específicas para um programa integrado de mudança cultural, que insere D&I no centro da estratégia de negócios da organização.

Há força nos números!

No Brasil, país de maioria populacional representada por grupos minorizados (56,2% de pessoas negras e 51,4% de mulheres, segundo a PNAD 2019), não faz qualquer sentido econômico continuar excluindo-os dos bancos de talentos, dos mercados-alvo e dos processos decisórios. Não somente não faz sentido, como também se tornou impossível a partir do momento em que esses grupos começaram a se organizar e a articular seu poder econômico. Há força nos números!

O fenômeno ESG nas bolsas de valores é o resultado de um processo sem volta. Até investidores mais conservadores reconhecem os ganhos de lucro em empresas com práticas comprovadas em Diversidade e Inclusão. E para ter práticas comprovadas, é preciso definir, acompanhar e comunicar metas.

O Instituto Diversidade embarca nessa missão porque Diversidade e Inclusão não somente é uma necessidade estratégica das empresas, mas também uma urgência social. Como sociedade, temos a responsabilidade de corrigir injustiças que perduram por séculos e as empresas são ótimo lugar para começar.

Passamos mais tempo no trabalho do que em qualquer outro ambiente. Esse tempo oferece uma oportunidade única para furar nossas bolhas digitais e sociais, formadas somente por quem vive e pensa como nós. Por meio da interação que temos no trabalho com colegas com deficiência, negras, LGBTQIA+, seniores ou refugiadas reelaboramos nossa visão de mundo e a levamos para outras comunidades das quais fazemos parte.

Futuro das organizações

Enxergar Diversidade e Inclusão como elemento inescapável do futuro das organizações passa pela compreensão de que não estamos falando de um punhado de iniciativas ad hoc, mas de um programa consistente e coerente de mudança cultural. Nesse sentido, o Instituto Diversidade tem oferecido uma consultoria estratégica em parcerias de longo prazo com seus clientes e desenvolve programas gradualmente mais refinados.

Desenvolvemos resiliência nos agentes organizacionais para que estejam prontos para desconstruir saberes e comportamentos e reconstruir a partir de uma cultura empresarial que se vive nas práticas, nas políticas e em todos os processos envolvendo pessoas.

Diversidade e Inclusão, tal qual outros programas de mudança cultural, é uma maratona. Como está o seu fôlego?

Eduardo Estellita - Diversidade e Inclusão nas empresas: futuro ou moda?

Eduardo Estellita é engenheiro formado pela PUC-Rio e pela Ecole Centrale Paris. Mestre em Administração de Empresas pelo Mackenzie. Educador e consultor atuando há 15 anos com gestão da mudança e desenvolvimento humano. Mentor de líderes e especialista em diversidade e inclusão, gerações, interculturalidade, LGBTQIA+ e programas de aliados. Co-fundador do Instituto Diversidade. Colunista EA “D&I”.

https://www.linkedin.com/in/eduardoestellita/

Fale com o editor:

eamagazine@eamagazine.com.br