JUNHO. MÊS DO ORGULHO LGBTQIAPN+

Entrevista com Judá Nunes

 

EA – Quem era a Judá Nunes na adolescência?
Judá Cresci numa família cristã e muito de quem eu sou hoje foi formado dentro da igreja. Sei que queriam que eu fosse o exemplo de filho cristão, algo como “protetor do lar” ou o “homem da casa”, mas eu fui mesmo é uma grande rebelde. Desobedeci a minha mãe e a minha vó, quando eu me identifiquei como travesti e, depois novamente, quando escolhi ser educadora.
Esse processo criou uma lacuna em nossa relação, isso é inegável.

Bom, eu não queria ser igual as outras pessoas. Ao mesmo tempo sofria muito, por não ter apoio para ser quem eu sou. Apesar disso, fui uma adolescente que tinha um propósito e muitos sonhos que sabia que só seriam possíveis de serem realizado ao sair de casa. Estava certa, pois com 16 anos já ingressava na faculdade e indo morar só, conquistando a minha liberdade.

EA – Quem é a Judá Nunes hoje?
Judá Sou formada em Licenciatura em Teatro, ou seja, sou educadora e artista por formação. Entretanto, enfrentei muitos preconceitos ao tentar processos seletivos para posição de professora na educação formal. E isso no início me frustrou muito.

Em um momento muito decisório da minha vida, pude acessar uma formação em gestão e comunicação por meio do EducaTRANSforma, ONG que desenvolve e forma pessoas trans para acessarem o mercado de trabalho formal, no qual pude aprender outras habilidades e me desenvolver profissionalmente. Foi quando pude criar minha marca pessoal, ativar o meu perfil no LinkedIn e começar a me ‘vender’ como ghostwriter.

De lá até aqui fui reconhecida como Linkedin Top Voice, tenho hoje a oportunidade de trabalhar com diversidade, equidade e inclusão em Startups.

EA – Comentou que trabalha como mentora de lideranças?
Judá Sim. Atuo como mentora de lideranças que querem aprender a lidar com as dinâmicas do século XXI e com letramento em futuros para negócios de alto impacto social. Hoje, apesar de não atuar diretamente numa sala de aula da educação formal, estou tendo a oportunidade de levar as ferramentas, metodologias e técnicas da educação para formar pessoas em lideranças no mercado privado, capacitar lideranças para um futuro do trabalho mais inclusivo e preparar empresas para incluir na gestão, todas as diversidades e assim, serem melhores para o mundo.

EA – Uma jornada e tanto até aqui, não é mesmo? E você só tem 24 anos.
Judá Aos 24 anos, ainda tenho 11 anos de expectativa de vida, simplesmente por ser uma travesti no Brasil.

Acredito que tudo o que vivi até agora me permite perceber uma segurança maior do que a 3 ou 4 anos atrás, mas não deixo de sentir medo ao andar na rua ou ao sair sozinha.

EA – Você tem uma vida dedicada a Educação, esta jornada te levará onde?
Judá Espero que para um futuro abundante. Mas, sei que ainda há um desafio muito grande para a inclusão de pessoas trans e travestis nos espaços formais. Ao mesmo tempo em que tenho muita esperança, também tenho consciência de que o mundo é mais difícil para quem não se parece com quem está nos cargos e nas funções de tomada de decisão.

Acredito, sobretudo, que a educação é fator principal para a mudança de consciência, para tornar os vieses conscientes e criar relações no mundo mais sustentável.

EA – Junho, mês icônico de celebração mundial, o Orgulho LGBTQIAPN+.
Judá É um mês que representa muita luta, pois o Brasil ainda é um dos países que mais mata pessoas trans e travestis. Nossa luta frente a políticas públicas ainda é para garantir o mínimo de dignidade. Esse mês é a representação da luta que acontece durante todo um ano.

EA – Sua influência no Linkedin, nos conte como construiu sua chegada a rede?
Judá Quando me formei e não consegui trabalho formal, busquei o Linkedin como uma plataforma de emprego. Porém, observando como funcionava entendi que eu poderia usar aquele espaço como uma ferramenta para multiplicar a minha voz. Isso foi muito importante na minha trajetória até aqui. Foi onde entendi que todas as minhas experiências com educação social e popular estavam relacionadas com as áreas de Diversidade, Equidade e Inclusão, Responsabilidade Social, ESG e, não menos importante, Desenvolvimento de Pessoas.

EA – Você é uma prestadora de serviços multidisciplinares, onde foi que percebeu que seu caminho profissional não seria CLT?
Judá Tentei o máximo que pude ser CLT mas nunca consegui. No início, me candidatava para vários cargos e funções, em sua maioria cargos JR, e não tinha respostas ou sempre a mesma resposta padrão. Acredito que por transitar em muitas áreas e conseguir exercer funções diferentes, pude acessar trabalhos de curto e médio prazo com muita facilidade.

Apesar disso, eu mal conseguia sobreviver. Precisei virar uma chave e mudar a minha mentalidade, assumir a postura involuntária de empreendedora para conseguir mais do que o mínimo de sobrevivência.

Gosto de dizer que o Empreender para mim não foi uma escolha, mas a minha salvação, é o que me ajuda a fazer a manutenção da minha vida. Esse processo, por vezes, não é fácil e me exige muitas habilidades diferentes, que ainda não as tenho, mas que busco desenvolver.

EA – O Brasil tem índices muitos tristes com a comunidade gay, em especial, com travestis, como a sociedade pode mudar isso?
Judá Eu como UMA travesti não falo pela comunidade gay. Eles não me representam e não os represento. A questão da violência contra pessoas trans e travestis pode ser observada pelo mesmo sistema opressor que violenta pessoas de outros recortes. Veja este meu artigo:

https://www.linkedin.com/posts/judanunes_diversidade-inclusaeto-impactosocial-activity-7071879769872605185-pEOY?utm_source=share&utm_medium=member_desktop

EA – Há espaço para travestis em programas como jovem aprendiz, estágio, trainees?
Judá Existem muitas empresas que estão comprometidas com a inclusão de pessoas trans e travestis no mercado de trabalho. Algumas delas já estão criando planos de ação, programas e projetos para facilitar o acesso da nossa comunidade em empregos formais.

Porém, ainda existe um desafio muito grande, pois as organizações, em sua esmagadora maioria, estão perdidas em relação às pautas de inclusão da diversidade LGBTQI+, não conhecem esse público, suas dores e seus medos, quiçá sabem o que fazer para realmente incluir pessoas mais diversas.

EA – Qual seu recado para lideranças do século XXI?
Judá Ouçam pessoas trans, travestis e pessoas não-binárias, ouçam os movimentos de lutas sociais e busquem criar times nas organizações que realmente estejam disponíveis para desenvolver e apoiar a nossa comunidade. Sejam líderes desse movimento de inclusão!

EA – Qual sua mensagem para empresas incluírem candidatas travestis?
Judá Se preparem, busquem apoio e contratem pessoas trans para ajudá-los a montar esses programas de formação, modelos de contratação mais inclusivos e uma cultura organizacional mais libertadora.

EA – Qual sua missão no futuro do trabalho, Judá?
Judá Minha missão é comunicar e impactar positivamente as pessoas e os negócios sobre a diversidade, tornando os vieses conscientes e eliminando as barreiras da inclusão.

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capa e BIO

Judá Nunes é inovadora social, licenciada em Teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Educação para Inclusão da Diversidade, analista de ESG e reconhecida como LinkedIn Top Voices Orgulho. Tem atuado como educadora, gestora de projetos, comunicadora, escritora, palestrante e consultora; se destaca como mentora de um novo tempo, oferecendo insights sobre a dinâmica da diversidade no século XXI. Desde 2016, seus estudos em Gênero, Educação, Movimentos Sociais, Trabalho e Transformação Humana culminaram no desenvolvimento de uma metodologia exclusiva e crítico-analítica para a formação de executivos na educação corporativa e para a gestão de projetos de impacto social, com foco em DEI. Sua paixão pela promoção da inclusão reflete-se em sua missão de comunicar e impactar positivamente, eliminando barreiras e conscientizando sobre vieses. Colunista EA “Letramentos em Futuro”.

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