EA – Qual foi o propósito que uniu você, Eliezer, e a Talita para fundarem a Singuê?
Eliezer Nós já éramos bem unidos. Somos um casal e nossa primeira filha já estava com quase 4 anos. Pouco antes da formalização da Singuê tivemos evidências que o mercado corporativo começava a valorizar muito o histórico profissional e acadêmico da Talita agora sobre um guarda-chuva temático chamado de diversidade e inclusão e, que ele, fazia muito sentido. Ela já tinha experiência de mais de 15 anos no terceiro setor trabalhando com iniciativas que envolviam temas como raça, periferia e educação inclusiva. Uma dinâmica profissional de muitos convites para palestras e processos seletivos em grandes empresas.

Compreendemos ali, que juntos, conectamos potenciais individuais importantes para o desenvolvimento de produtos que envolviam o tema da diversidade, equidade e inclusão. E como uma família negra, ambos de origem periférica, envolvidos com questões sociais e com sucesso em suas jornadas profissionais, poderíamos entregar muito valor ao mercado, e vem dando muito certo.

EA – Onde na empresa atua você e atua a Talita?
Eliezer Talita é a alma da operação. Não tenho dúvidas em dizer que ela é uma das maiores autoridades no tema do mundo. Que conecta as mais profundas e sensíveis questões relativas ao tema da diversidade com as necessidades técnicas e metodológicas que as instituições demandam.

Ela é cientista social, conhece os métodos de pesquisa, a teoria sobre cultura, é uma boa ouvinte e tem grande capacidade de transformar ideias em metodologias e ferramentas.

Eu tenho uma visão geral do mundo corporativo mais abrangente pela minha experiência profissional. São mais de 25 anos trabalhando em empresas de diversos portes e segmentos da tecnologia. Trago uma visão estratégica e mercadológica para a nossa atuação. O que fazemos precisa fazer sentido para o negócio de cada cliente. É isto que garante que bons projetos não terminem em alguma gaveta. Tenho formação em coach pela Gallup, a maior empresa de people analytics do mundo, e trabalho nos projetos que envolvem o desenvolvimento de pessoas. Além de tocar a gestão operacional da consultoria também.

EA – Que importância a rede global Impact Hub na modelagem do negócio?
Eliezer A passagem pelo Impact Hub nos ajudou, acima de tudo, a nos aproximar de uma rede muito poderosa de conexões, conhecendo e nos relacionando com pessoas dispostas a boas trocas e que compreendiam o valor disso. Com coragem e maturidade é possível aproveitar muito desses ambientes para compartilhar o que se sabe e crescer junto. Foi com o primeiro cliente de diversidade da Talita também, ainda com consultora independente. Ela ajudou a organização no desenvolvimento dos guidelines internacionais de diversidade e inclusão. De Madri ao Camboja, de São Paulo ao Toronto, foi muito interessante o resultado deste trabalho.

EA – Palavra bonita essa, singuê, o que significa?
Eliezer Singuê é uma palavra Bantu, da língua africana, e significa “aquilo que nos entrelaça”, e afirma que somos o nosso entrelace. Na cosmovisão afrocentrada não existe o eu sem o outro. Eu sou porque nós somos – filosofia Ubuntu.

EA – Quem é o público cliente da Singuê hoje?
Eliezer Hoje trabalhamos com grandes marcas que estão bastante maduras quanto a temática da diversidade e empresas médias na estruturação de suas ações e projetos. Estamos no mundo corporativo em empresas como Natura&co, Netflix, Gerdau e Itaú e também em organizações importantes do terceiro setor como Fundação Itaú e o Instituto Alana.

EA – Dentro deste universo cliente, o que a Singuê educa, ativa, propõe?
Eliezer O que temos entregue de grande valor é o desenvolvimento de projetos e programas bastante customizados, que envolvem sempre a temática da diversidade e conecta com demandas estratégicas desses clientes. Como pilares de atuação, falamos em três.

O primeiro de educação, na qual construímos jornadas formativas síncronas e assíncronas sobre os temas principais de diversidade e outros, como liderança inclusiva e desenvolvimento de carreira para pessoas negras, por exemplo.

O segundo pilar é o de desenvolvimento de carreira. Aqui colocamos várias camadas de desenvolvimento no mesmo programa para que os participantes sejam acelerados realmente. Para isto trabalhamos bastante em parceria com os RHs e outros líderes da empresa para que as demandas sejam atendidas e superadas as expectativas de prontidão no término de cada programa.

E o terceiro pilar é o de desenvolvimento de estratégia de diversidade, equidade e inclusão. Com metodologia própria conectamos o tema com as necessidades de cada negócio e cocriamos a estratégia da empresa em médio ou longo prazo. Com métricas, cronograma, rollout de ações, governança geral da estratégia. O resultado em geral é fantástico e acolhe as expectativas tanto das pessoas dos grupos de afinidade quanto da alta liderança.

EA – A consultoria tem alcance em pequenas empresas, as PMEs?
Eliezer Esta resposta é não quando falamos de atendimento direto com nossos serviços, mas temos a intenção e atenção em compartilhar todo nosso conhecimento adquirido neste caminho. É um desafio das consultorias a questão da escala no atendimento e, por isso, temos um blog em nosso site com muito conteúdo. Pelos dados de analytics é o mais acessado sobre a temática no Brasil hoje. Vale até divulgar aqui. https://singue.com.br/blog/

EA – Contextos de sustentabilidade e de diversidade, nos parece ainda muito orientados para o mercado de médias e grandes empresas, não?
Eliezer Sim, com certeza. Os pequenos no Brasil sofrem demais, infelizmente, para manterem seus negócios prósperos em nosso contexto de tanta variação econômica e pouca educação.

São os que mais geram emprego e renda, mas os que têm mais dificuldade de acesso a capital e educação em desenvolvimento.

Até temos muitas iniciativas que poderiam ser mais aproveitadas pelas micro e pequenas empresas, mas o trabalho de subsistência e a pouca informação acabam não dando a oportunidade para estes empresários crescerem mais. Dados do Sebrae Nacional, por exemplo, que é uma máquina poderosíssima de fortalecimento destes pequenos empresários, dizem que eles só conseguem alcançar pouco mais de 30% do público no Brasil com suas soluções. E muitas destas soluções do Sebrae são gratuitas ou a preços subsidiados.

EA – A Singuê se compõe de um time negro, como é essa potência racial, há um ativismo empresarial nisso?
Eliezer Esta escolha de formato de time vem sendo feita de forma intencional e também orgânica porque temos uma rede de profissionais negros espetaculares ao nosso redor. E conectados ao propósito de termos cada vez mais pessoas negras acessando capital, em geral vamos contratar, pagar muito bem ou indicar pessoas negras para as oportunidades em torno de nós.

EA – Como está a abertura do olhar do mercado corporativo em buscar construir, promover uma cultura organizacional mais sustentável, inclusiva?
Eliezer Posso dizer que nossa taxa de conversão de propostas é até bastante alta. Isto quer dizer que em geral temos bastante sim. Isto se dá obviamente por trabalharmos em geral com clientes já muito comprometidos com a causa, que percebem o valor da diversidade, equidade e inclusão para seus negócios. Trazemos também muita senioridade no que oferecemos e um portfólio pesado de marcas e clientes com os quais já trabalhamos. Isto obviamente, trás muita confiança por parte dos novos leads. Mas é claro que esta senioridade também traz consigo valores correspondentes nas contratações e precisam de melhores orçamentos para alcançarem seus objetivos.

EA – O trabalho da Singuê impacta diretamente em que diretrizes de transformações em uma marca cliente?
Eliezer Em geral, as marcas com as quais trabalhamos, como dissemos anteriormente, já percebem o valor destes investimentos e o retorno para os negócios.

Na Netflix, por exemplo, o investimento no projeto de desenvolvimento de roteiristas negros e indígenas visa também gerar pipeline de produções para a próprio mercado de streaming.

Na Natura&Co compreendem que suas representantes são majoritariamente negras e a empresa precisa desenvolver projetos a partir desta perspectiva.

No Ifood compreendem que o público mais impactado pelo negócio tem aspectos importantes de diversidade que precisam ser considerados. Algumas grandes instituições do terceiro setor vêm reconhecendo que há pouca diversidade historicamente no setor e isto afetava o impacto real de suas ações no passado.

A Singuê está pronta a responder a estes tipos de desafios de negócios junto aos clientes. Desafios que podem e devem trazer grandes benefícios à sociedade como um todo. Afinal, já está nítido, mesmo que óbvio, que não se pode falar sobre o desafio racial sem pessoas negras liderando a conversa ou sobre acessibilidade sem a participação de pessoas com deficiência

EA – Empresas estão contratando em seus programas primários, como aprendiz, estágio e trainee, candidatos de grupos minorizados?
Eliezer Os grupos públicos de diversidade não são minorias em qualquer sociedade em geral. Mas são minorias nos pequenos espaços de poder, ou na cultura dominante que é construída a partir destes espaços. O homem branco hetero e cis, que é a maior representação do grupo dominante, é aproximadamente apenas 20% das pessoas no Brasil.

Quanto a pergunta, há uma diferença muito grande entre estes chamados cargos de entrada como aprendiz, estágio e o trainee. A jornada destes profissionais é geralmente bastante diferente em grandes organizações. Posso dizer que grandes empresas já têm feito programas afirmativos mas não são a maioria. Temos muitas empresas listadas em bolsa no Brasil que não acreditam no valor do tema da diversidade e inclusão. Ou melhor, não são as empresas “que não acreditam”, mas pessoas diretoras ou representantes dos conselhos.

Por outro lado, existem empresas que fazem compromissos públicos ou se tornam signatárias de movimentos sociais importantes como o Pacto pela Equidade Racial ou o Mover. São inicialmente os grandes exemplos de desenvolvimento de projetos mais consistentes, em especial no recrutamento e seleção com processos afirmativos.

EA – O futuro do trabalho dialoga com a inclusão de minorias?
Eliezer O futuro do mundo precisa dialogar com a inclusão. Não é apenas uma questão moral, mas de sobrevivência da espécie humana. O mundo regido pela competição e conquista desenfreada, liderado por um grupo dominante quase único, nos trouxe a um estágio de degradação do planeta que dizem ser irreversível. Inclusive quem mais sofre pelos desastres naturais são os grupos sub-representados.

E o que nós temos feito como resposta?

O mesmo grupo dominante, que criou este contexto de degradação estruturado principalmente na exploração e exclusão, está querendo dominar novamente o debate e liderar as ações por um mundo melhor. Isto precisa ser denunciado.

O futuro do trabalho, se queremos que seja próspero e humanizado, precisa ser liderado por mulheres, por pessoas com deficiência, por pessoas negras e as demais sub representadas e excluídas historicamente no mundo inteiro.

É uma questão moral, de reparação, mas também uma questão mercadológica. Muitas pessoas líderes de empresa já perceberam isso, mas será preciso levantar da cadeira e dar lugar a estes novos corpos. Este é o desafio do nosso século como sociedade.

EA – O trabalho colaborativo aproxima times diversos, analisa que no Brasil, esse modelo de cultura mais participativa ganha espaços?
Eliezer A indústria dita criativa, o novo capitalismo, os movimentos de mercado que se denominam colaborativos e até as grandes instituições do terceiro setor continuam trabalhando ainda na mesma lógica na minha opinião. Estão conscientes da problemática gigantesca em que estão inseridos quanto a questão da diversidade e inclusão, porque em geral seus representantes são mais sensibilizados.

No entanto, ainda não sabem o que fazer quanto a exigência básica vem do “nada sobre nós sem nós”.

Expressão forte que vem, se não me engano, do modelo social da deficiência. Quem precisa liderar as agendas mais importantes e estruturais econômica e culturalmente são as pessoas representantes dos grupos mais impactados por esta agenda.

E não existe cadeira para todos sentarem nos espaços de decisão e gestão dos grandes orçamentos. Para que uma pessoa com deficiência ou uma mulher negra trans possa sentar ocupar este assento, alguém do grupo dominante precisa levantar.

Mas por mais que minha fala pareça utópica, vejo muitos avanços sim, e espaços sendo conquistados, e não ganhos. E estes avanços vem da força destas pessoas como coletivo. As grandes políticas públicas de inclusão como cotas, por exemplo, vêm de lutas históricas de pessoas negras e pessoas com deficiência, e depois também de grandes aliados sensíveis a estas causas.

Eu ouvi recentemente de um cliente na área de indústria sobre como a contratação da primeira mulher engenheira e negra dentro de uma grande planta da empresa transformou a cultura e a produtividade daquele lugar. É isto que estamos vendo acontecer, de forma lenta, mas de maneira consistente. E não podemos mais voltar atrás.

 

 

WhatsApp Image 2023 11 01 at 08.35.27

Eliezer Lear é apaixonado pelo tema da inovação social e desenvolvimento de pessoas. Cofundador da Singuê, uma das mais conhecidas consultorias brasileiras de diversidade, equidade e inclusão. Tem mais de 25 anos de carreira em vendas e marketing no mercado de tecnologia, esteve à frente da startup idtech CAF até ser vendida e, no passado, liderou grandes operações em marcas como Microsoft e HP. Passou por universidades como ESPM/SP e UFRJ.

https://www.linkedin.com/in/eliezersleal/

Fale com o editor:

eamagazine@eamagazine.com.br