Como saber se o programa de D&I da sua empresa é autêntico? | Eduardo Estellita
Após o anúncio dos resultados financeiros do último trimestre de 2021, a empresa Meta, que engloba Facebook, Instagram e Whatsapp, sofreu uma queda de 26% nas suas ações, o que equivale a 250 bilhões de dólares em valor de mercado. Especialistas apontaram a debandada do público jovem para o TikTok e a dificuldade em recrutar profissionais talentosos para seus quadros, em função da percepção de a empresa ser tóxica para a sociedade, como algumas das principais razões para a desvalorização.
Similarmente, em junho de 2019, mais de cem funcionários do Google enviaram uma carta para os organizadores da Parada LGBTQ+ de San Francisco pedindo que proibissem a empresa de patrocinar o evento. O motivo era que a empresa, dona do YouTube, não estava agindo para retirar ou desmonetizar vídeos contendo discurso de ódio. Pelo contrário, a plataforma estava contribuindo ativamente para a disseminação deste tipo de conteúdo e a radicalização dos seus usuários.
Autenticidade como fator de decisão de compra
Nas últimas 5 décadas, observamos uma mudança no processo decisório do consumidor: de critérios objetivos (como preço, qualidade e assistência técnica) para outros mais subjetivos (como experiência, relacionamento e responsabilidade social). Compramos de marcas que amamos e admiramos. Para consumir ou para trabalhar, somos atraídos por organizações que partilham dos nossos valores pessoais.
Neste contexto, a autenticidade, isto é, a capacidade da empresa agir em linha com os valores que comunica, ganha toda uma nova importância. Não basta afirmar que a empresa adere a valores semelhantes ao do seu público: é importante que a imagem que ela projeta para fora dos seus muros seja coerente com a de dentro. E vice-versa.
Romper esse contrato implícito com consumidores e colaboradores é percebido como uma grave quebra de confiança, passível de cancelamento por tempo indeterminado.
Autenticidade em programas de Diversidade e Inclusão
Quem vivenciou o hype da Rio Eco-92, talvez se lembre do posicionamento público de muitas marcas a favor da preservação do meio-ambiente. Em muitos casos, eles não vinham acompanhados de ações concretas, a tal ponto que cunharam a expressão green washing. É o famoso “banho de loja”, fazer parecer o que não se é.
Quarenta anos depois, temos um fenômeno similar. A expressão diversity washing surge para questionar empresas que alegam aderir aos valores de diversidade, inclusão e justiça social, sem por isso promoverem reais mudanças na estrutura e condução dos seus negócios.
A grande diferença entre 1992 e 2022 é que, de lá para cá, o acesso a informação e a organização da sociedade civil nas redes sociais facilitou a auditoria popular desses discursos. Podemos cruzar relatos de clientes, jornalistas, colaboradores, fornecedores, profissionais terceirizados e órgãos reguladores para verificar se o discurso do alto escalão sobre a existência e efetividade dos programas de Diversidade e Inclusão é coerente com a experiência de outros stakeholders.
Alertas de inautenticidade
Autenticidade é pouco tangível. Sendo assim, o melhor que podemos fazer é ficarmos atentos para os sinais da sua falta. Pensando nisso, compartilho meu checklist pessoal para você questionar se a sua empresa não está vendendo gato por lebre.
“Especialista de D&I” que nunca pisou na empresa
Sabe aquela pessoa que é Top Voice do LinkedIn e agora está “ajudando a empresa a se tornar mais inclusiva”, mas passa o dia inteiro postando sua história de vida ou opiniões sobre notícias de jornais?
Quando exatamente está desenvolvendo programas de D&I para o público interno? Consegue falar sobre o contexto cultural da sua empresa, os desafios e iniciativas de D&I implementadas?
Postagens de um especialista de D&I de verdade normalmente se parecem com as de outro profissional de RH: anúncios de vagas em aberto, fotos de workshops internos da empresa, compartilhamento de relatórios e metas da organização. Além disso, esse profissional vai necessariamente ocupar boa parte do seu tempo em reuniões, eventos de entidades setoriais, recrutamento nas universidades ou encontros de grupos de afinidade. Não sobra muito tempo para redes sociais.
Veja bem! Não estou afirmando que é errado a empresa contratar alguém para gerir sua imagem nas redes sociais. É parte indispensável da gestão de uma empresa.
O alerta de autenticidade está em anunciar a função dessa pessoa como de RH, em vez de marketing e comunicação. Se ela não está fazendo o trabalho de D&I, quem está?
Relatórios de D&I sem fotos ou relatos de colaboradores diversos
A empresa tem resultados incríveis de representatividade e não consegue encontrar uma mera alma interessada em relatar sua experiência lá dentro? Será que é um lugar tão inclusivo assim? Será que não coloca porque a diversidade está limitada aos privilegiados de cada grupo: a mulher branca, o homem cis-gay ou o profissional com uma deficiência imperceptível? Será que a seção com as fotos do comitê executivo só vai ter homens brancos?
Palestrantes convidados na base da “amizade”
Quem já trabalhou como consultor independente já passou raiva com “amigos” que recebem salário mensal e pedem para você trabalhar de graça para “testar para oportunidades futuras” ou pela “visibilidade que o trabalho vai te dar lá dentro”?
Empresas que faturam milhões de dólares por ano e não disponibilizam orçamento para formar seus times não são lugares inclusivos. Incluir em uma sociedade que nos ensinou a excluir exige um intenso esforço de sensibilização, reflexão crítica e desaprendizagem. É um trabalho especializado que demanda a atuação de profissionais qualificados.
Quando esse consultor independente faz parte de um grupo minorizado, temos um agravante de crueldade. Possivelmente essa pessoa trabalha com consultoria por falta de opção, por encontrar muitas portas do mercado de trabalho fechadas. Não seria justo que seu tempo, formação e trabalho fossem remunerados para que pudesse ter uma vida mais digna?
Fornecedores pequenos espremidos nos preços e prazos de pagamento
A empresa paga um cachê expressivo para o palestrante que está bombando na TV, mas para trabalhos mais complexos espreme o fornecedor pequeno nos preços? Ou o obriga a desembolsar os impostos do serviço que prestou, pagando somente em 60, 90 ou 120 dias? Até que ponto essa prática não está inviabilizando seu negócio no longo prazo? Quais dos parceiros na relação comercial tem mais folga no fluxo de caixa?
Será que a multinacional que se gaba de trabalhar com fornecedores diversos e utiliza práticas predatórias está realmente contribuindo para a autonomia e circulação de dinheiro entre empreendedores negros, periféricos e LGBTQIA+?
Comitê de diversidade sem autonomia
Quando pessoas do comitê de diversidade ou do grupo de afinidade, que têm a vivência de um marcador social, não têm autonomia ou orçamento para decidir o que trazer para a empresa, o trabalho de D&I corre o risco de ser superficial.
Isso ocorre porque o alto escalão muito provavelmente não possui a vivência e pode subestimar o impacto psicossocial de algumas dinâmicas problemáticas na empresa. Profissionais experientes de D&I têm consciência que navegam em mares onde vieses e resistências são comuns. Para realizar um trabalho transformador, precisam em algum momento levar pessoas a zonas de desconforto e lidar com a fragilidade dos membros de grupos historicamente privilegiados.
Quando a decisão de dar sequência ao trabalho repousa somente nas mãos dessas pessoas, o trabalho pode ser interrompido precocemente, comprometendo a inclusão.
Vagas exclusivas eternamente em aberto
Se a empresa anuncia várias vagas exclusivas para grupos minorizados, óbvio que está fazendo um bom trabalho de inclusão, certo? Errado! Na maioria das vezes, vagas exclusivas são anunciadas como vagas genéricas, para constituição de banco de talentos. Pode ser que a empresa esteja apenas avaliando a atratividade da sua marca empregadora para esse público, fazendo um levantamento salarial, correndo para atingir uma meta de diversidade da matriz ou projetando uma imagem de empregadora de pessoas diversas sem nunca precisar contratar ninguém.
Vale se perguntar: Por que a vaga foi aberta? Quantos dos estagiários/trainees da última turma ainda estão na empresa? Quantas pessoas diversas ocupam posição de liderança? Quando a vaga vai ser fechada?
Doação e apoio pessoal do alto escalão a políticos preconceituosos
Desde o banimento de doações a campanhas eleitorais por empresas em 2015, muitos executivos têm feito doações pessoais ou declarado publicamente apoio a políticos. Você pode pesquisar como esses políticos se posicionaram em relação a temáticas envolvendo grupos minorizados durante seus mandatos. Participaram da redação de projetos de lei excludentes? Reduziram direitos civis de algum grupo? Votaram contra ou a favor? Fizeram discursos de ódio?
Se você tem acesso a essas informações, muitas de domínio público, tenha certeza que o executivo da empresa também. Ao apoiar políticos que perseguem grupos minorizados, o alto escalão está sinalizando os valores que conduzem o negócio.
Executivos sem metas de Diversidade e Inclusão
Qualquer programa estratégico para a organização tem que ter metas. Quando executivos não possuem metas, outras demandas da organização são priorizadas. Com D&I não é diferente, agravado pelo fato de se tratar de um programa de transformação cultural, que exige tempo para dar todos os seus frutos.
Inversamente, quando executivos são incentivados e responsabilizados pelo sucesso do programa, as ações se tornam mais coerentes e coordenadas. Elas são incorporadas à estratégia e à cultura da marca: indissociáveis. Todos se tornam corresponsáveis por criar e manter um ambiente de trabalho inclusivo.
Ao contrário da empresa perfeita que anunciam no LinkedIn, a empresa autenticamente inclusiva erra, tropeça, conversa, ouve, reflete, aprende e cresce. Prefiro a segunda. E você?
Eduardo Estellita é engenheiro formado pela PUC-Rio e pela Ecole Centrale Paris. Mestre em Administração de Empresas pelo Mackenzie. Educador e consultor atuando há 15 anos com gestão da mudança e desenvolvimento humano. Mentor de líderes e especialista em diversidade e inclusão, gerações, interculturalidade, LGBTQIA+ e programas de aliados. Co-fundador do Instituto Diversidade. Colunista EA “D&I”.
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