Revisitando o feminismo | Ana Paula Arbache
EA – O que mudou do feminismo conceitual de Simone de Beauvoir para o ativista de hoje?
Ana Paula Simon de Beauvoir, com o “Segundo Sexo”, contribuiu sobremaneira para o feminismo contemporâneo, também conhecido como feminismo, a segunda onda – 1960-1980. E se colocou em pauta a condição da mulher na sociedade e no mercado em um mundo dominado pelo homens.
A evolução dessa agenda foi ganhando outras narrativas e dando mais espaço para a mulher protagonizar. Durante a segunda guerra, a mulher foi força de trabalho decisiva e, de rainha do lar para operária, ganhou alguma emancipação e passou a buscar novas conquistas.
Década de 1960.
Trouxe a pílula anticoncepcional e as mulheres assuem a liberdade para decidir a respeito da maternidade e de maior liberdade sexual, levando para a década de 1970 a busca pela igualdade salarial. O feminismo nessa fase se consolida como um movimento político juntamente com outros movimentos de lutas civis e minoritárias. Os anos 1980 chegam com uma mulher buscando os seus direitos constitucionais e políticos. No Brasil, o movimento de redemocratização contou com o movimento de mulheres ativo na Assembleia Nacional constituinte.
Terceira Onda.
A partir dos 1990, iniciou com uma reação contrária ao feminismo em alguns países, onde conversadores abordavam que estaríamos vivendo em uma era “pós-feminismo”, uma vez que as demandas do movimento haviam sido atendidas. Porém, era evidente que as desigualdades ainda persistiam e a pauta do movimento ganha uma nova direção. Judith Butler lançou, em 1990, a Obra “Problemas de gênero”, defendendo que o gênero é fluído, não binário e performativo, e a sua teoria abre espaço para que o movimento feminista ganhe a participação de outras categorias e não somente mulher cisgênero, trazendo então o chamado transfeminismo.
“Outro conceito que também repercute no movimento feminista da terceira onda é interseccionalidade, que aponta que diferentes aspectos da identidade, quando combinados, geram formas de opressão e desvantagens (exemplo: mulher negra lésbica).”
Quarta Onda.
Chegou em 2010, redes sociais, movimentos coletivos, sites e blogs protagonizados por mulher, criam cultura e ocupam espaços sociais, políticos, institucionais, exponenciam a voz e a presença da mulher em nossa sociedade. Pautas como a violência doméstica, o feminicídio, o pay gap, as mulheres na liderança, ganham narrativas fortes e bem como entra nessa pauta também a nova masculinidade e o papel do homem no século XXI.
Os Direitos.
O direito à educação, direitos políticos, direitos trabalhistas, direito à integridade física, ainda são pautas que não foram vencidas em muitos países. Ainda é preciso que o movimento siga firme, assumindo não só essas demandas, mas também aquelas que o próprio tempo nos coloca. De Simon de Beouvoir para cá, muito foi feito, mas não o suficiente, e o caminho se tornou ainda mais longo com o período pandêmico.
As mulheres são as mais vulneráveis, com o isolamento se tornaram vítimas da violência doméstica e enfrentaram as dificuldades do homescholling, do cuidado com os filhos e parentes e com as demandas do trabalho. As jornadas exaustivas não suportavam as metas e demandas das empresas e, por isso, muitas desistiram ou foram desligadas de seus empregos, ficando sem renda.
Eu vejo que, daqui para frente, temos mulheres, trans, homens, todos nessa jornada, lugar de fala ou aliados! Ganhamos espaços, avançamos em algumas pautas, temos novos aliados, estamos mais fortes e unidas e, por isso, teremos novas agendas e um caminho ainda mais coletivo.
Explosão do empoderamento.
Eu vejo que a tecnologia tem um papel importante nesse período, nós exponencializamos nossas mensagens e chegamos a diferentes espaços, distribuímos nossas pautas com mais agilidade e democratizamos essas informações, para que pudessem atingir meninas, jovens e mulheres. As identidades plurais ganham à cena e passam a reivindicar políticas afirmativas e corretivas e o aparato jurídico também contribui para isso.
O empoderamento feminino ganha mais visibilidade, mais protagonistas e de diferentes idades, e os modelos que foram se consolidando ao longo da história foram gerando uma cultura mais forte e mulheres mais seguras e determinadas para buscar seus direitos e uma vida digna na sociedade.
Um outro ponto importante é que muitas de nós estamos mais conscientes de nosso papel e com mais articulação para nos unirmos a outras pautas e organizações que também abordam a questão do gênero.
Carreiras femininas e a ascensão diretiva.
Depende do segmento essa ascensão. Uma das coisas que aprendi é refletir corretamente a respeito de algumas informações. Há variáveis importantes que estudiosos trazem para o debate. Certa vez, li um texto muito interessante, que abordava que mulheres e homens possuem a mesma rotina estressante nas organizações por conta das culturas organizacionais. Hoje, esse debate está posto em algumas empresas, que já se atentam para a qualidade de vida no trabalho, carreira e propósito, reputação corporativa da marca empregadora, ESG e por ai vai. Por isso, é difícil homogeneizar essa resposta.
Trilhas de carreira.
Não estão adequadas ao nosso tempo, nem para mulheres e nem para homens. Acontece que as mulheres, que já sofrem com o chamado “dream gap” em termos de carreira STEM, serão as mais afetadas. O que a agenda chamada “reset work” nos mostra é que o mundo vai seguir para duas dimensões importantes na capacitação da força de trabalho: desenvolvimento sustentável com crescimento econômico (muito dessa pauta está em ESG) e tecnologia (revolução 4.0 e sociedade 5.0).
Juntas, elas se apoiarão em inovação para fazer as empresas e o mundo do trabalho girarem em torno delas. As mulheres são as mais precarizadas no período da pandemia, por cuidar de filhos, pais, avós, pessoas que necessitam de apoio, acabam não tendo tempo e recursos financeiros para investirem em sua capacitação.
Esse é um ponto importante e de alerta para as empresas em suas estratégias de desenvolvimento humanos.
A segunda é que estão uma matriz pedagógica pautada no século dentro da educação corporativa em grande escala. O currículo que se manifesta em muitas delas está obsoleto e elas precisam entender que a rota de conhecimento que fará parte do mundo do trabalho está fundamentada nas agendas acima.
Reskilling Revolution.
Veja, os treinamentos em IA na Europa aumentaram 3X mais, e aqui ainda estamos ensinando o que é transformação digital. O chamado “reskilling revolution” aborda isso e nos faz entender que precisamos correr, e muito, para dar conta da competitividade mundial a que estaremos expostos. Os processos de recrutamento e seleção estão ganhando plataformas globais, e isso pode gerar um impacto enorme para aqueles que não estiverem preparados.
Mulheres em minoria. No empreender, nas startups.
Isso é uma realidade que precisamos mudar, e logo. No Dia das Mulheres, nos reunimos com 8 mulheres CEOs de startups de nosso Fundo para uma live, jovens adultas majoritariamente e muito competentes. Lidam com a seriedade merecida na gestão dos negócios e ainda buscam vencer barreiras e vieses inconscientes que rondam esse universo.
Um caso interessante que uma delas trouxe é que, em uma ocasião de um pitch da empresa dela, em um evento para investidores, ela escutou a seguinte piada: “o dinheiro que você vai captar é para você ou para comprar uma bolsa de grife”. Isso é muito comum, ainda. Muitas de nós, quando nos sentamos para discutir com fornecedores ou clientes, somos perguntadas quando o CEO da empresa vai chegar!
No entanto, os fundos estão aprimorando esse diálogo e criando espaços e verticais dedicadas à diversidade, startups criadas por mulheres, por 50+, por pessoas pretas ou pardas, enfim, vamos ganhando espaços.
“Tem crescido o número de mulheres investidoras, e isso pode ajudar muito, pois, além de acreditarem no negócio, elas são mentorias e realizam aconselhamentos para gerar bons resultados.”
Visão Brasil, visão global.
Internacionalmente, isso está amadurecendo mais rápido, não por acaso, pois o ecossistema de inovação e empreedendorismo é avançado. Por aqui, temos ainda um bom caminho, mas já estamos na jornada. As empresas podem ajudar abrindo espaço para o intraempeendedorismo feminino em seus contextos, as universidades criando disciplinas e laboratórios voltados para inovação e empreendedorismo, que acolham e estimulem as mulheres a fazerem parte desses cenários, as famílias quebrando tabus e o dream gap, e as próprias mulheres ocupando esses espaço, assim como eu fiz quando a oportunidade bateu na minha porta!
Suas melhores experiências de carreira.
O mercado vem mudando, aqui no Brasil um pouco mais lento do que lá fora, principalmente em termos de inovação. Nós consumimos inovação, mas ainda não estamos habituados a fazer inovação. Isso muda muito o modo como desenvolvemos nossas competências e nosso mind set e o modo como consumimos também. Pessoas que fazem inovação são exploradoras, não têm medo da falhar e usam isso como tração para assertos disruptivos. A pandemia acelerou isso, em termos, mas ainda há muitas empresas e profissionais esperando os sinais para mudar, ao invés de serem agentes de mudança.
Essa movimentação reversa é muito importante para a evolução do mercado. O que espero contribuir como educadora é disseminar conhecimento com poder de transformação. Assim como a educação transformou a minha vida de professora alfabetizadora da zona rural em uma facilitadora dos Programas de liderança na inovação de uma das maiores universidades do mundo e me ajudou a conquistar um cargo de CEO, eu quero usar essa educação para promover mudanças.
Tanto na sala de aula como na empresa que lidero, a educação é pauta e é produto. Na Edutech, trazemos as gamificação, people analytics e IA para promover e democratizar a educação. Educação é a chave para o futuro!
Rede de Governança Brasil. Como coordenadora voluntária do comitê de educação. Nesse espaço, voltamos nossas discussões justamente para o mundo do trabalho, para pensar em como preparar os brasileiros, por meio da educação, para ingressarem e se sustentarem no mercado de trabalho no período pós-pandêmico. Somos membros voluntários que buscam a melhor governança da educação no Brasil, trazendo sugestões e estudos capazes de subsidiar tecnicamente esse debate.”
Ana Paula Arbache é palestrante e mentora de carreira para Executivos. Mentora voluntária do Capítulo PMI/SP e Instituto Ser +. Gestora blog arbache.com/blog. Pós-doutora e doutora em Educação (PUC/SP), mestre em Educação (UFRJ). Especialista psicopedagoga, CES, pedagoga (UFJF). Certificada MIT PE/EUA: Challenges of Leadership in Teams; Leading Innovative Teams. Docente convidada MBAs FGV/IDE. Facilitadora da Global Alumni. Sócia HR Tech Arbache Innovation. Coordenadora do Comitê de Educação da Rede Governança Brasil. Fundou o Coletivo HubMulher e é aliada WEPS ONU Mulheres Brasil. Autora de inúmeras obras, entre elas, Carreira Feminina (2020) e Responsabilidade Social e Diversidade, Editora FGV (2021).
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