PROFISSIONAIS NO DIVÃ | José Moucachen
EA – O profissional de mercado senta hoje no divã?
Moucachen Sim. Do mercado financeiro, propriamente dito, em torno de 7% da minha clientela, mas os que trabalham em outras áreas empresariais, executivos ou em posição de gestão técnica, cerca de 14%.
EA – Quais questões profissionais se traz para a terapia?
Moucachen Nossa sociedade tende a valorizar excessivamente o profissional “bem-sucedido”. Certa vez, um cliente me contou a história de um sujeito que, todos os dias, vestia uma máscara para ir trabalhar e, quando voltava para casa, ele tirava a máscara. Um dia, muito cansado, dormiu e se esqueceu de tirar e, no dia seguinte, assustado, tirou e viu que nada havia acontecido com ele. Sabendo disso, passou a se permitir dormir um dia ou outro com ela. O tempo passou e esses dias foram aumentando, uma vez por semana, duas, três, até que, quando se deu conta, já não tirava a máscara por mais de cinco anos.
Quando a tirou, em frente ao espelho, surpresa: seu rosto já estava tão adaptado que não se diferenciava mais da máscara. Muitas vezes, o cliente nem entende que o que lhe trouxe à terapia foi um problema de trabalho, pois ele não se diferencia mais do profissional, vem por que algo em sua vida não está mais se encaixando, sem perceber que está amarrado a um “script” que não é dele.
EA – Quais as doenças de psique mais comuns nos quadros profissionais?
Moucachen A depressão e a ansiedade estão entre as principais causas de afastamento do trabalho. Alguns gestaltistas definem estresse como o tempo que um organismo demora para se adaptar a uma mudança e a ansiedade como a vivência do espaço que existe entre o agora e o depois, principalmente se a tarefa futura for muito difícil. Alguns trabalhos exigem tanto, que os objetivos nunca são alcançados, gerando, assim, um estado de tensão permanente. Quando o indivíduo está se adaptando a uma mudança vem outra em seguida = estresse. A insegurança em não conseguir cumprir essas metas e, portanto, o fantasma do desemprego tornam o futuro duvidoso = ansiedade.
“A humanidade passa por crises de tempos em tempos, mas, desta vez, temos a tecnologia a nosso favor, podemos reunir amigos para um bate-papo, cantar no coral via zoom e trabalhar também”.
EA – Fatores que comprometem a produtividade de um trabalhador.
Moucachen Sim, geram afastamento das funções. Dificuldade de concentração, irritabilidade, baixa imunidade, negativismo, falta de interesse na atividade e, em casos mais sérios, apatia e risco de suicídio. Essas são as principais causas de afastamento do trabalho.
EA – Essas doenças são reflexo da era digital?
Moucachen Existem faz muito tempo, o que mudou hoje foi o critério diagnóstico. Antes, somente a depressão mais severa era diagnosticada, a ansiedade não era levada tão a sério, e o Burnout nem era diagnosticado.
EA – Empresas estão agindo para ter padrão de saúde ocupacional melhor?
Moucachen Poucas se preocupam com isso, a maioria delas está mais preocupada com a produção. Não posso citar nomes, mas já atendi pessoas estressadas, com Burnout, em uma grande empresa, que não pagava tão bem e exigia demais de seus colaboradores. Como “resolveram” isso? Fácil, contrataram uma clínica psiquiátrica para distribuir antidepressivos. Também atendo pessoas que trabalham em empresas que escutam e respeitam o colaborador. Nelas, eu vejo poucos problemas com a saúde.
EA – Celular dorme e acorda hoje em nossa cama e nele trabalhamos. É um agravante?
Moucachen De certa forma, sim, mas, nos anos 70, falavam que a televisão estava desviando a atenção das pessoas para conteúdos emburrecedores. Não podemos culpar a janela pela paisagem. O celular é uma ferramenta maravilhosa, eu também trabalho com ele, atendendo via whatsapp quem não pode vir presencialmente. Ele também é meu despertador de manhã. O problema é quando damos mais valor ao celular do que as pessoas à nossa volta. Nesse caso, ele provoca um sério isolamento social, que é uma doença no trabalho e fora dele.
EA – Dá pra se desintoxicar deste empoderamento do celular?
Moucachen A própria pergunta já explica, o “empoderamento do celular” é dado por nós. Percebe que essa pergunta sugere que ele já possui um poder, uma autonomia sobre nós? Como diria F Perls, “cabe ao terapeuta atribuir ao cliente a responsabilidade pela própria existência”. O celular não nos domina, nós atribuímos isso a ele, a desintoxicação só pode começar quando percebemos isso e nos incomodamos. O incômodo é igual a potencial de mudança, qualquer mudança começa com um incômodo.
EA – Que boas práticas recomenda para manter times menos doentes?
Moucachen Algumas empresas ditas modernas continuam com uma mentalidade, muito bem disfarçada, é verdade, do século XIX, onde o funcionário era só um meio de gerar lucro, era visto como uma máquina usada à exaustão, e então substituída. Um exemplo clássico disso é o filme Tempos Modernos do Chaplin. Empresas realmente modernas costumam ter maior transparência e sempre respeitam a individualidade de seus funcionários, possibilitando, na medida do possível, uma visão global e integrada. Isso gera noção de sentido, propósito no trabalho.
EA – De que forma a pandemia, a quarentena impactaram a vida profissional?
Moucachen A maior parte dos meus clientes que estão em home office relatam estar trabalhando muito mais do que antes. Eu também estou atendendo via remota, claro que há perdas nesse formato de atendimento, mas há ganhos também, eu estou dentro da casa deles e posso estar mais próximo de seu ambiente natural. Mais ou menos estressados, o fato de não haver o tempo perdido no transporte melhorou bastante o rendimento no trabalho deles.
Outro fator importante que tenho percebido é um questionamento generalizado de alguns valores, as pessoas estão ajudando mais e se preocupando mais umas com as outras, parece que, quando estamos forçados a permanecer no isolamento, percebemos mais a importância do coletivo. Visto por esse ângulo, não só as relações de trabalho podem mudar, como, espero, as relações humanas.
José Moucachen é psicólogo especializado em Gestalt, com 36 anos no atendimento clínico. Mais de 12 horas por dia dedicadas à mente humana. Sua clientela está no mercado corporativo. É co-founder da Psicaminho.
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