Sociologia aplicada à inovação | Felipe Gruetzmacher
Uma avançada e pacífica raça alienígena conseguiu estabelecer comunicação com a humanidade. Os alienígenas estavam fugindo do mundo natal deles por conta de um desastre ecológico e do esgotamento de recursos naturais. Agora, eles estavam procurando um novo lar, um abrigo no nosso planeta e pediram refúgio. Em troca, eles disponibilizariam tecnologia para remediar a nossa crise ecológica, pois já tinham experiência com essas situações.
A partir dessa aliança intergaláctica, todos atingiríamos um tempo de paz e prosperidade. Apesar das nobres intenções dos visitantes, os ecossistemas de inovação do mundo humano sofreram uma drástica transformação com a chegada de novas tecnologias.
Os consumidores estavam atordoados com tantas opções, empresas e Startups investiram em produtos que não conseguiram aderência no mercado, as redes sociais foram inundadas por um descontrolado marketing agressivo e o aumento do consumo ampliou as horas dedicadas ao trabalho, eliminando o tempo de lazer.
Por fim, as duas raças só conseguiram seguir num consenso quando investiram fortemente em tecnologia aplicada à educação e gestão de talentos. Dessa forma, o modo de trabalhar foi radicalmente transformado e o labor foi humanizado.
A mensagem central desse conto sci-fi é a imprevisibilidade e os riscos associados à inovação.
Como os ecossistemas de tecnologia podem ser planejados com maior segurança?
A seguir, conceitos da obra “Reagregando o social – Uma introdução à teoria do ator-rede” de Bruno Latour sobre mapear e descrever a rede de interações sociais serão expostos para delimitar as estratégias:
Alguns insights extraídos do livro:
- Não existem forças sociais que movimentam a sociedade e os indivíduos.
- Não há uma estrutura social “pronta” que dita as ações das pessoas. Tudo é uma questão de interpretar as ações individuais.
Um bom estudo social sobre redes cita a capacidade de cada ator induzir outros atores a fazerem coisas.
Por exemplo: práticas pesqueiras de uma comunidade podem gerar ideias para a produção de pesquisa sobre biologia marinha. Logo, o estudo social analisa como a produção da ciência está conectada com o cotidiano pesqueiro (interações).
- O ator precisa fazer alguma diferença no mundo para ser identificado como relevante pela pesquisa social. Até porque é a rede que movimenta o mundo!
- Um mediador é um elemento que transforma significados.
Um bom estudo social não representa a rede, mas aquilo que substitui os atores como mediadores.
Por exemplo: a comunidade pesqueira tem práticas pesqueiras próprias e comunicam o significado delas para as novas gerações. As conversas entre pessoas acabam transformando o significado de ser pescador e conseguir a subsistência do mar. É um estilo de vida com uma significância particular, sempre sendo reconstruída. Logo, o estudo social não deveria focar na rede de pescadores, mas no significado de ser pescador.
- Já o termo intermediário designa elementos que recebem e transmitem informação. A rede técnica (televisão, e-mails e satélites) é um exemplo de intermediário.
O autor, Bruno Latour, menciona que acharia útil usar o jargão worknet para realçar as diferenças entre redes técnicas e worknet. Worknet nos permite avaliar quanto trabalho é necessário para lançar networks (as primeiras como mediadores ativos, a segunda como um conjunto de intermediários estabilizados).
Por exemplo: pescadores de uma comunidade são mediadores, pois ensinam para as outras gerações sobre o estilo de ser pescador. Posteriormente, aumentam o número de intermediários (objetos, equipamentos para pesca e demais aparatos técnicos), caracterizando uma comunidade pesqueira que sempre se renova.
Então, o autor diz preferir o termo “ator-rede” para substituir o termo “rede”: o uso dessa palavra nos estudos sociais possibilita que se mapeie mediadores e intermediários.
No livro, o termo “estudo social” é tratado como “relatos textuais” que apresentam os seguintes elementos:
- O grupo de pesquisadores precisa estar em campo para coletar informações sobre reações e ações dos atores.
- Registrar acontecimentos em ordem cronológica.
- Anotar ideias soltas e insights.
- Anotações e registros sobre os efeitos do relato escrito nos atores cujo ambiente tenha sido estudado.
Para alcançar a objetividade nos estudos sociais, é necessário cumprir a tarefa de desdobrar os atores como redes de mediações. Noutras palavras mais simples, os itens a seguir precisam ser ampliados:
- 1) Número de atores.
2) Leque de agências que fazem os atores agir. Uma agência é a capacidade do ator em tomar decisões e agir livremente.
Por exemplo: os diversos caminhos que uma pessoa pode seguir para chegar numa palestra sobre inovação.
3) Quantidade de objetos empenhados a estabilizar grupos e agências.
Por exemplo: tecnologias de comunicação para compartilhar ideias, ativar o poder da coletividade, unir pessoas em grupos e aumentar a ação livre individual.
4) Mapear questões de interesse dos atores.
As ciências sociais, estudiosos e atores constroem coletivamente as respostas, os “porquês” das nossas motivações. A teoria ator-rede concede espaços para os atores se expressarem: enfatiza a mudança, o trabalho e as transformações das redes.
Aplicações no caso da área de RH, HR Techs e ecossistemas da inovação:
- Um dos grandes dilemas dos atores que participam ativamente dos ecossistemas é saber como gerar valor: muitas vezes, não se sabe como colaborar com os demais atores para ganhar reputação, credibilidade e autoridade. Afinal, muitos empreendedores, no início, precisam trabalhar de graça para acessar os contatos certos e monetizar no longo prazo. Como coordenar a colaboração, tantos insights e o próprio mercado?
- Centros de estudos podem conduzir estudos com o intuito de mapear os atores de um ecossistema de inovação (empreendedores iniciantes, Startups maduras, investidores, aceleradoras e incubadoras) para conhecer os efeitos de cada um no contexto geral e os significados desses efeitos.
Por exemplo: Um conjunto de GovTech desburocratizando serviços governamentais, a melhora de vida conquistada pelo cidadão comum e como os atores entendem essa inovação.
Assim, ficaria muito mais fácil interpretar interações sociais e executar programas bem estruturados para aproximar e aglutinar atores sociais para garantir a credibilidade para todos os agentes.
Imagino, empreendedores iniciantes sendo apoiado por grandes empresas na tarefa de acessar grupos de clientes específicos e validar produtos. De fato: isso só aconteceria com a chancela oficial de um bom mapeamento das interações.
- A pesquisa social identificaria em qual momento está o empreendedor e o que ele precisa (credibilidade, habilidade ou novos clientes). Daí, o empreendedor seria aproximado de instituições que supririam as necessidades. Além disso, seria pertinente mapear as tecnologias (intermediários) que permitem uma rápida comunicação para apoiar na associação entre atores.
- Os pesquisadores precisam coletar indicadores que mostram a evolução do ecossistema numa ordem cronológica, sem falso marketing ou hype.
Por exemplo: o número de empregos gerados.
Os pesquisadores podem coletar ideias soltas para aprimorar ainda mais estudos posteriores. Áreas de RH e as HR Techs podem usar essas informações compiladas para incorporar maneiras mais estratégicas para:
- Identificar o número de talentos e atores que necessitam de oportunidades.
- Adotar culturas empresariais que permitam os colaboradores investir energia e tempo em projetos inovadores próprios. É a ideia de agência (liberdade).
- Troca de know-how entre empresas de tecnologia e áreas de RH para ativar o poder da automatização na gestão de talentos. É a quantidade de objetos tecnológicos que estabiliza e mantém a coesão dos grupos e associações.
- Mapear interesses dos colaboradores e atores para aglutinar esforços.
Felipe Emilio Gruetzmacher é formado em gestão ambiental, educação ambiental e se especializou em copywriter através de muitos cursos online, muita prática e dedicação. Autor na Comunidade EA é um dos mais lidos na plataforma. Tenta decifrar os enigmas do trabalho humano, até porque essas questões podem mudar os rumos da sociedade humana e acelerar a marcha da história rumo à Utopia.
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