Por Denis Corrêa
Conheça o Lifow – Learning in the Flow of Work
Como é a estratégia de treinamento e desenvolvimento na organização onde você atua?
São oferecidos treinamentos presenciais periódicos para todos os colaboradores? Ou então, a organização possui uma plataforma contendo trilhas, programas e cursos para capacitação on-line? Quem sabe, os dois?
Pois saiba que essas estratégias podem não ser as mais adequadas, e eu vou explicar o porquê.
1. Esquecemos boa parte do que aprendemos
Nos modelos tradicionais de treinamento, normalmente o momento da aprendizagem está distante do momento da aplicação daquele conhecimento. Isso faz com que esqueçamos informações importantes.
Se nos basearmos na Curva de Esquecimento de Ebbinghaus, os colaboradores irão se lembrar de apenas 50% das informações no dia seguinte ao treinamento, e de 3% a 5% depois de 30 dias! É claro que esses números são apenas aproximações, mas a conclusão é verdadeira: se a gente não aplicar ou reforçar o que aprendemos, logo esquecemos.
2. Não temos tempo
Estamos todos imersos em entregas, prazos, reuniões… além de ser cada dia mais desafiador equilibrar a vida profissional com a pessoal. Envolver os colaboradores em treinamentos mais longos, sejam eles presenciais ou on-line, significa retirá-los de seu ambiente de trabalho (ou de descanso), impactando em seus compromissos profissionais (ou pessoais).
3. Não trabalhamos como antes
O futuro do trabalho aponta para um modelo híbrido. Se há poucos anos atrás registrar o ponto no escritório fazia parte da rotina de praticamente todos os profissionais, hoje o home office e o trabalho híbrido são uma realidade cada vez mais comum. Isso tem tornando os treinamentos presenciais uma complexa questão de logística.
Esses pontos não são apenas uma percepção minha. Josh Bersin, grande guru da área de RH, cita em um de seus artigos uma pesquisa do LinkedIn com mais de 4.000 profissionais de T&D que constatou que o principal desafio apontado por esses profissionais é encontrar mais tempo para seus colaboradores se dedicarem ao aprendizado:
- 68% dos colaboradores preferem aprender no trabalho
- 58% dos colaboradores preferem aprender no seu próprio ritmo
- 49% dos colaboradores preferem aprender no momento em que a necessidade aparece
Mas seria possível atender a todos esses anseios?
Nesse mesmo artigo, Josh Bersin introduziu o conceito de Lifow.
A aprendizagem no fluxo do trabalho
Trabalhando há quase uma década em empresas de tecnologia, como educador sempre achei fascinante a forma como os profissionais de TI encontram as respostas para seus problemas. Quando um determinado código do sistema não funciona, os programadores não vão procurar a solução nos livros da faculdade ou rever materiais de treinamentos.
Como fazer, então? Buscam respostas pontuais na internet, em comunidades como Stack Overflow ou GitHub. Assim que encontram uma possível solução, já aplicam e testam. Se tudo funcionar corretamente, seguem para a próxima linha de código. Simples assim!
A proposta do Lifow (Learning in the Flow of Work) – ou aprendizagem no fluxo do trabalho – tem uma pegada parecida. Estamos falando de uma aprendizagem que acontece na própria rotina de trabalho, de forma integrada com as demais atividades do colaborador.
Mas, diferente do exemplo que citei acima, a ideia aqui não é a de incentivar os profissionais a buscarem todas as respostas no Google. E sim que empresa organize, de maneira sistemática, soluções educacionais no fluxo de trabalho de seus colaboradores. De tal forma que qualquer um possa encontrar rapidamente as respostas de que precisam, e quando precisam.
Assim, dizemos que o Lifow é on-the-job, por acontecer no próprio ambiente de trabalho, e just-in-time, já que o aprendizado acontece no momento em que é necessário.
Como podemos aplicar o Lifow em qualquer empresa
As tecnologias educacionais ampliaram de forma significativa as possibilidades de treinar e capacitar funcionários. Já não dependemos mais da presença de um instrutor e de uma sala de treinamento para que a aprendizagem ocorra.
Com o uso dessas tecnologias, são diversas as soluções educacionais que podem ser desenvolvidas e colocadas ao alcance dos colaboradores, diretamente no seu fluxo de trabalho. Vejamos algumas delas.
- Vídeos curtos
Imagine um operador de trator no campo. Os modelos atuais de tratores são altamente tecnológicos, com painéis digitais que permitem configurar inúmeras funções. Esse operador, no entanto, não precisa executar todas essas funções em um dia normal de trabalho.
A fim de garantir a operação correta, é possível disponibilizar um celular contendo uma coleção de vídeos tutoriais curtos que mostrem, passo a passo, como executar cada função do trator.
De tal forma que o operador possa realizar uma busca simples pela função desejada, assistir a um pequeno vídeo e reproduzir a configuração no trator. Isso tudo durante a operação, sem precisar sair da cabine ou consultar um manual técnico extenso.
- Realidade Virtual e Realidade Aumentada
Pense agora na rotina de um técnico de manutenção de aeronaves. Quantos itens não precisam ser revisados – e, eventualmente, feita manutenção – em uma única inspeção?
Para apoiar o técnico nessa inspeção e diminuir a ocorrência de erros, o uso de óculos de realidade aumentada pode fazer sentido. Um acessório que reconheça os componentes da aeronave e exiba informações diretamente na lente dos óculos. Assim, a medida em que o técnico visualiza o motor, por exemplo, pode ser exibido nos óculos um checklist dos itens que precisam ser verificados e orientações para realizar determinada manutenção.
Alguns acessórios permitem inclusive compartilhar a “tela” dos óculos com um engenheiro que, a distância, consegue orientar esse profissional.
- Chatbot
Profissionais que trabalham com sistemas de gestão, do tipo ERP, podem se beneficiar de chatbots em suas rotinas. Os softwares de ERP possuem diversos módulos e funcionalidades que nem todo colaborador utiliza diariamente. Se um usuário tiver qualquer dificuldade, em qualquer parte desse sistema, pode acionar o assistente virtual e, com poucos cliques ou digitando sua dúvida, receber na própria tela uma orientação sobre como utilizar aquela funcionalidade específica.
Além desses exemplos, existem muitas outras soluções aderentes ao Lifow: tutoriais/resumos focados em uma ou poucas funcionalidades de cada vez; checklists; infográficos/fluxogramas apresentando um passo a passo de uma ação; templates de documentos, com pequenas explicações de como preenchê-los.
Sabe o que todos esses exemplos têm em comum? São soluções educacionais curtas e objetivas, com foco em um único problema que se quer resolver. São materiais que têm a quantidade de informação suficiente para que a aprendizagem ocorra e o conhecimento possa ser colocado em prática. A essa abordagem damos o nome de microlearning.
Uma prática que traz vantagens para a empresa e para os colaboradores
Por ser on-the-job e just-in-time, a aprendizagem no fluxo do trabalho traz benefícios tanto para a organização que a adota, quanto para seus funcionários.
- Encurta a distância entre o treinamento e sua aplicação. Isso diminui o risco de o colaborador esquecer o que aprendeu, já que a aprendizagem se dá no momento em que aquele conhecimento será aplicado.
- O aprendizado é contextualizado. O colaborador adquire um novo conhecimento de forma contextualizada e o aplica em uma situação real de trabalho. É o cenário ideal para uma aprendizagem significativa e que aumenta as chances de retenção a longo prazo.
- Não afasta o colaborador do trabalho. Tendo acesso aos conteúdos e informações de que precisa diretamente no seu posto de trabalho, o profissional não precisa se ausentar do trabalho para participar de treinamentos mais longos.
- A organização cresce como um todo. O Lifow promove uma cultura de aprendizagem na empresa. Os colaboradores permanecem em constante atualização e aprendizado, assumindo uma postura de lifelong learners. Com essa cultura é possível difundir boas práticas, padronizar tarefas, reforçar processos e procedimentos, resultando em menos erros e maior qualidade nas entregas, trazendo vantagem competitiva para a organização.
Conclusão
Menos é mais. A área de T&D também pode assumir essa velha máxima. O colaborador não precisa participar de extensos programas de treinamento para melhorar seu desempenho.
Na aprendizagem no fluxo de trabalho, o profissional pode se desenvolver aprendendo apenas o quê precisa, e quando aquele conhecimento é necessário, sem sair de seu posto de trabalho.
Nem menos, nem mais. Na quantidade ideal.
Nem antes, nem depois. No momento certo.
Promover esse modelo é incentivar o aprendizado contínuo nas pessoas. É construir uma cultura de aprendizagem na organização, trazendo vantagem competitiva sobre organizações que não aprendem sempre.
Sugestão de leitura
Os insights que compartilhei com você surgiram da leitura dos materiais que indico abaixo, além de outras leituras diárias menos estruturadas.
Somado a isso, também sofremos influência dos conhecimentos e experiências que carregamos na nossa mochila e que nos permitem fazer diferentes conexões entre as informações.
Por isso, convido você a também ler esses materiais e, a partir do que carrega na sua mochila, compartilhar aqui os seus insights. Juntos, aprendemos mais.
- https://joshbersin.com/2018/06/a-new-paradigm-for-corporate-training-learning-in-the-flow-of-work/
- https://joshbersin.com/2022/08/a-new-strategy-for-corporate-learning-growth-in-the-flow-of-work/
- https://www.forbes.com/sites/forbestechcouncil/2021/05/28/learning-in-the-flow-of-work/?sh=56545a0a79bd
- https://hbr.org/2019/02/making-learning-a-part-of-everyday-work
- https://www.cipd.co.uk/knowledge/strategy/development/learning-factsheet
- https://elearning.adobe.com/2022/03/how-to-design-training-that-drives-learning-in-the-flow-of-work-featuring-4-examples/
- https://trainingindustry.com/articles/content-development/3-microlearning-strategies-to-promote-learning-in-the-flow-of-work-spon-eidesign/
Denis da Silva Corrêa é especialista em edtech no DOT Digital Group. Atuando há quase 10 anos em edtechs, une duas paixões: educação e tecnologia. Biólogo de formação, é doutor em Biotecnologia, especialista em Design Instrucional e em Gerenciamento de Projetos, sua atuação é voltada para projetos educacionais envolvendo o uso de tecnologia. Colunista EA “Educação e Tecnologia”.
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