Pássaros voando em bando não se trombam | Matheus Bombig
O prazo era 23h59, porém, no meio da tarde, as respostas já haviam sido enviadas por todos do time. Em cada um dos documentos, chamados de autoavaliação, constava uma transcrição das entregas realizadas, dos erros e aprendizados e dos desafios enfrentados no último semestre. E, ao fim, a resposta simples de sim ou não para a pergunta “estou pronto para evoluir?”
Esse episódio real fez parte do segundo ciclo de evolução de 2021, que se encerrou no mês de setembro deste ano, e é um dos pilares que sustentam nosso modelo de Gestão Descentralizada – que abreviamos para “DeMan”. Mas antes de entender como a nossa Cultura funciona, devemos explicar o motivo de estarmos falando sobre o assunto.
Hierarquia em sistemas complexos
Em ambientes de baixa complexidade, estruturas piramidais com camadas de hierarquia podem funcionar bem. Ou seja, algumas poucas pessoas no topo podem ser capazes de entender tudo o que envolve um determinado tema e tomar boas decisões.
Porém, quando a complexidade aumenta, as estruturas piramidais ruem. As poucas pessoas no topo, por mais inteligentes e competentes que possam ser, não conseguem mais compreender e nem lidar com toda diversidade que envolve as decisões que devem ser tomadas.
A hierarquia não lida bem com complexidade. Os CEOs e outros C-Levels estão sempre atolados de trabalho e envolvidos por decisões que devem ser tomadas – todas acabam passando por eles.
O tempo dessas pessoas é tão precioso que a camada gerencial abaixo passa dias ou semanas preparando materiais, que podem auxiliar na tomada de decisão, para serem levados em reuniões que geralmente duram poucos minutos.
Imaginem quantas decisões que precisam ser tomadas não conseguem espaço na agenda para serem apresentadas; enquanto outras nunca são tomadas por politicagem. As que conseguem ser apresentadas nem sempre recebem a devida atenção. Consequentemente, acabam sendo tomadas decisões aquém do esperado, dado que o C-Level não teve tempo e nem vivência suficiente para entender a fundo os impactos dessa decisão.
Nota-se que, em um ambiente complexo, a pirâmide hierárquica se torna um gargalo. Existem muitos sistemas complexos no mundo e todos operam em estruturas de autoridade distribuída.
Autoridade distribuída e inteligência coletiva
Os pássaros voando em bando não se trombam. Esses bandos podem ser formados por centenas ou até milhares de pássaros voando em alta velocidade. Quando um predador se aproxima, o bando consegue mudar de direção naturalmente.
O modelo de hierarquia e decisões centralizadas não consegue lidar com esse nível de complexidade e velocidade.
Imagine um ecossistema complexo, como uma floresta: existem bilhões de organismos vivos, desde fungos microscópicos até árvores gigantescas. O sistema todo se coopera de forma natural. Quando o inverno chega, cada organismo tem um sistema para se defender do frio.
Agora imagine estar nesse cenário com uma pirâmide hierárquica: as maiores árvores iriam discutir um plano, revisá-lo e aprová-lo (isso tudo sem ter tempo para consultar as necessidades individuais de cada integrante do ecossistema).
Depois de tomada a decisão, esse plano precisaria ser comunicado em cascata, respeitando a hierarquia, até que chegue ao menor dos organismos. O problema: quando o último integrante fosse comunicado, a primavera já teria chegado!
Se excluirmos a pirâmide hierárquica, quem irá tomar as decisões?
Antes de apresentarmos exemplos de como uma organização com DeMan pode operar, é necessário deixar claro que não existe um playbook nem receita de bolo de como um modelo desse deva ser implementado e gerido. Cada organização faz as adequações necessárias para o seu contexto.
Hoje, nas organizações, utilizam-se quase que na totalidade três tipos de processos decisórios:
- Top Down. O superior toma as decisões e os subordinados acatam
- Consenso. Todos precisam estar de acordo. Pode levar a longas discussões, desgastar o time e tirar a agilidade necessária. No fim, quase nunca é uma decisão ótima, pois tem que ser ajustada para não desagradar a ninguém
- Maioria. Decisão por voto. Porém nem sempre a maioria tem profundidade sobre o tema. Às vezes os especialistas no tema, e que possuem qualificação para tal, são vencidos pelos outros
Já na DeMan, o princípio é que qualquer pessoa (independente da área, tempo de empresa, etc) pode tomar decisões. Decisões essas que inclusive envolvem o gasto de dinheiro da empresa. Mas antes de qualquer decisão, existe um processo de aconselhamento.
Explico trazendo um exemplo:
Na Invenis, quem identificou o problema, levantou a hipótese de solução e irá tomar a decisão, precisa colher o aconselhamento de outras pessoas – as que serão impactadas pela decisão e outras que já tenham passado por situações parecidas. Nenhum dos que aconselharem tem poder de glosar a decisão.
A partir daí, ela irá considerar os conselhos recebidos e, caso julgue correta, poderá tomar a decisão. Se ainda ficar em dúvida, a pessoa pode reajustá-la e levar novamente para sessões de aconselhamento, até que se sinta confortável sobre essa decisão.
Assim, toda decisão tomada é sempre influenciada por uma inteligência coletiva. Quanto mais impactante uma decisão, mais pessoas acabam sendo consultadas.
E quem decide sobre salário e promoções?
Na Invenis, duas vezes ao ano, temos um ciclo de evolução (nas organizações, é mais conhecido como “ciclo de promoção”), em que cada um precisa decidir se irá evoluir ou não. Para isso, há uma jornada nos seis meses anteriores, quando são realizados três ciclos de feedback, sendo um a cada dois meses.
Nas sessões de feedback, cada pessoa é responsável por conversar com quem teve contato nesses últimos dois meses, agendar uma dinâmica, preencher uma matriz de acordo com algumas competências definidas, apresentar ao par e vice-versa.
Porém, no terceiro e último ciclo, além de preencher a matriz de feedback do par, cada um teve que apresentar a sua autoavaliação. São algumas perguntas que guiam a pessoa a uma decisão final, que é a pergunta do começo desse artigo: “Estou pronto para evoluir?”.
Essas são as principais dúvidas sobre o tema. Além dessas, existem muitas outras, e que renderiam mais artigos como este. Por isso, sempre falamos sobre o assunto Cultura e Gestão Descentralizada nas redes sociais e no Blog da Invenis.
Matheus Bombig é empreendedor desde 2015, co-fundador da Invenis, startup para o mercado jurídico, e da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L). Está implantando o modelo de Gestão Descentralizada (DeMan) na Invenis com o objetivo de criar uma das primeiras startups a operar no modelo teal.
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