Pandemia e um mundo em fluidez | Johann Frederico Ravnjak
EA – Já saímos da pandemia se pensarmos em retomada da vida?
Johann Segundo a organização mundial da saúde o mundo ainda não saiu da condição de pandemia. É importante salientar que, ao que tudo indica, já saímos de sua fase mais crítica, onde era necessário para o bem comum, uma série de restrições e o isolamento social. Contudo, se pensarmos em retomada da vida, podemos definir uma saída da pandemia em nossa condição emocional, na medida em que voltamos a nos relacionar socialmente, emocionalmente, claro que com novas configurações, sejam de trabalho, relacionamentos ou manifestações de desejos e prioridades.
EA – Em que a pandemia e o isolamento social, podem ter alterado nosso jeito de ser, de viver, mas que ainda não conseguimos perceber, entender isso?
Johann Devemos refletir que ao longo da história da humanidade o ser humano foi treinado a ser um ser social, tanto por causa de suas limitações físicas, necessidades de proteção, manutenção de relações, subsistência. Compreende-se aí o porquê de nossa dificuldade em permanecer ou mesmo em respeitar restrições de pandemia e isolamento.
Mais do que descrença e irresponsabilidade, a pandemia e as consequências sociais e psicológicas ferem nossa condição humana de seres sociais.
Fundamentou-se, portanto, inconscientemente, a retomada da estruturação social e de nós mesmos como indivíduos de maneira diferente, reorganizando a estruturação de tempo e de espaços totalmente novos, através da utilização de recursos digitais e novas formatações de vínculos sociais e afetivos.
EA – Podemos dizer que criamos novos parâmetros de vínculos, amizades e relacionamentos digitais?
Johann Sim, e mais que isso, as misturas de espaços de trabalho, lazer e privados, maior foco nas qualidades de vínculos, maior atenção na saúde física e mental mudaram inclusive nossas noções de resiliência, percepção de realidade (aja visto o metaverso como uma realidade quase naturalmente incorporada pela maioria dos indivíduos) de tempo para vínculos ou o que buscamos nas relações.
O avanço da velocidade e profundidade das relações também mudaram. Passamos talvez a buscar mais o humano, na sua concepção mais completa possível.
EA – Muito se tem falado num “estado de angústia coletivo” pós- pandemia, ele é real?
Johann O ser humano precisou adaptar-se a novos valores, resgatando moralidade e direitos, entretanto, se mostrando talvez um pouco mais intolerante com o diferente. Esta dicotomia do comportamento, tão presente na condição humana, nos força a nos depararmos com as fragilidades intelectuais e nossa condição interpretativa de “Super” seres, nos vendo muito mais vulneráveis, o que gerou extrema angústia social e grande necessidade de enfrentamento à angústia.
O estado de “angústia coletivo”, quando não temos segurança ou controle por respostas individualmente, mas principalmente, coletivamente. Nos vimos como finitos, e consequentemente, com grande necessidade de resolver nossas questões existenciais. Acredito que a procura pelo individualismo possa ter dado espaço para a procura pelo individual.
EA – Há sequelas emocionais que estamos tendo que lidar após a pandemia?
Johann Podemos pensar mais em uma nova forma de estruturas: o ser humano, suas angústias, seus desejos, seus vínculos sociais, afetivos, sua necessidade, uma nova persona social, do que propriamente em sequelas.
EA – No contexto da família, a pandemia, estreitou ou diminui laços afetivos?
Johann Podemos compreender que durante a pandemia, seja pela proximidade entre membros familiares (as pessoas se restringiram a espaços físicos limitados por muito tempo, sendo impedidas de muitos compromissos sociais), muitas pessoas tiveram seus laços físicos estreitados, mesmo porque o medo de perdê-los se tornou muito concreto. Em contrapartida, um grande aumento de divórcios e separações foi documentado, pelo mesmo motivo de muitas horas em constante contato sem adequada preparação para tal. Portanto, laços mais estreitados, mas também, consequentemente, mais conflitos.
EA – Mas o que seria bem-estar em nosso tempo?
Johann Penso que melhor qualidade nas relações pessoais, melhor utilização de tempo, mais valor ao lazer e à saúde. Ter tempo, o ativo mais precioso hoje em nossas vidas. Por que ele ficou tão escasso? Pelo acúmulo de tarefas e pela velocidade das ações e das informações. Vivemos em uma época onde as pessoas precisam executar múltiplas tarefas, com qualidade de aproveitamento, associada à percepção constante de nossa finitude.
Isso nos embutiu de um sentimento de urgência, mas ainda não nos vemos preparados a eleger prioridades de forma satisfatória. O ócio passou a ser compreendido como um vilão mal vindo em nossas vidas. Este conceito precisa ser alterado.
EA – Foi a pandemia que levou o mundo para a terapia?
Johann Na pandemia fomos confrontados com angústias enormes, perdas emocionais, materiais, de entes querido, novos valores e a percepção constante de nossa finitude e fragilidade. Portanto, penso que sim, foi uma mola propulsora para o mundo ir de encontro à terapia.
EA – A terapia online, negócio que explodiu depois da pandemia, como analisa esse formato de atendimento?
Johann Penso que a terapia online é uma nova realidade de trabalho que só veio para somar. Frente à nossa nova realidade, principalmente em nossa capacidade de lidar com equipamentos e com a tecnologia, a terapia online representa um novo espaço para a busca de saúde mental e emocional. Apresenta muitas vantagens, pois nos poupa do tempo de deslocamento, nos possibilita acompanhamento sem limites de fronteiras geográficas, permite que o paciente se veja e observe suas expressões faciais e reações (material muito importante para o set terapêutico e apenas possível em uma sessão virtual) e torna o trabalho terapêutico mais acessível e barato, na medida que o gasto com a infraestrutura para a manutenção de um consultório físico fica bem reduzido.
Entretanto, precisamos ainda democratizar o acesso à internet de qualidade.
É importante apenas apontar que a terapia online só pode ser feita em plataformas, aplicativos e ambientes virtuais seguros, por profissional psicólogo preparado adequadamente em sua formação e autorizado e certificado pelo conselho de psicologia para exercer a clínica através desta modalidade.
EA – Home office, híbrido e presencial, com toda essa mudança do jeito de se produzir trabalho, como manter o bem-estar?
Johann É sempre bom lembrar que toda esta nova forma de produzir trabalho, em três modelos é muito nova, por isso é fundamental que tenhamos paciência para nos adaptarmos. O bem-estar se constrói, com acertos, mas fundamentalmente aprendendo com os erros. Jornada de carreira também sofre impacto de todo este contexto, pandemia, transformação digital, trabalho nômade.
EA – Como um profissional pode planejar o futuro desta forma?
Johann Planejar uma carreira é importante e permanece possível. Mas isso é diferente de tentar controlar as etapas. Precisamos pensar em carreira mais fluidas, em adaptação e organização, e não em obedecer a uma estruturação engessada. O conceito de planejamento mudou, agora está muito associado a análise e adaptação.
EA – Sua mensagem para um psicólogo recém-formado chegando ao mercado.
Johann Como ele pode melhor cuidar do ser humano? Sendo tão humano quanto seus pacientes e aceitando sua jornada em construção nas suas dores e nas suas felicidades.
Johann Frederico Ravnjak é casado com Alessandra, pai de Melissa, psicólogo a 21 anos, mora Belo Horizonte/MG. Atuou em clínica, na área social como psicólogo em ONGs de acolhimento social, coordenou o CTA do programa DST/AIDS de Contagem/MG e a equipe terapêutica em fazenda de recuperação e tratamento à dependência química. Atende na plataforma Vittude a três anos e dois meses, tendo realizado até aqui 1.679 consultas.
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