ONDE ESTAMOS COM A EDUCAÇÃO BRASIL? | Danilo Olegario

 

EA – O que é educar em um mundo com códigos de aprendizagens em transitoriedade?                  Danilo Vivemos na era da tal “democratização” da informação, o que quer dizer que podemos encontrar de tudo no imenso acervo digital a uma velocidade que seria difícil ou quase impossível de imaginar há pouco menos de vinte anos atrás. É evidente que isso traz um grande benefício no processo de aprendizagem já que as mais variadas formas de acesso simplificaram o trajeto pela busca do conhecimento. Por outro lado, podemos dizer que toda essa democratização da informação não necessariamente produz conhecimento em escala e, por isso, o papel de “educar” toma um patamar mais complexo no processo de aprendizagem, que é basicamente refinar ou ampliar a capacidade cognitiva do aluno em filtrar esse caminho pelo conhecimento.

“Educar é orquestrar o caminho do conhecimento conectando os mais variados talentos com as infinitas possibilidades de aprendizado que o mundo moderno oferece.”

EA – Como estimular a jornada de aprendizagem do aluno?
Danilo Acredito que educar é estimular o protagonismo do aluno para que ele possa construir a sua jornada de aprendizagem, e isso só é possível com uma grande dose de paixão por parte do educador. A educação sofre impacto desta transformação e os modelos do acadêmico às universidades corporativas estão tendo que se reinventar.

Em que esses dois ambientes estão acertando nessa remodelagem. Se é que estão…

Só o fato dos modelos acadêmicos e as universidades corporativas “estão tendo que se reinventar” já é uma perspectiva positiva, porque por menor que seja, estamos vendo esses movimentos no mundo da educação. O gargalo pode ser a velocidade com que isso esteja acontecendo, e aí é que os ambientes se diferem em suas particularidades.

EA – Você atua como gestor universidade corporativa, não?
Danilo Sim, já há algum tempo e posso dizer que o atual momento é, sem dúvida, o mais disruptivo que vivi dentro de grandes empresas, muito em função é claro dos efeitos causados pela pandemia. O grande acerto, principalmente no contexto corporativo é a inserção das ferramentas digitais como recurso de aprendizagem – um caminho sem volta. Esse impulso que a pandemia deu nos recursos tecnológicos faz com que as empresas se movimentem para garantir seus negócios. E isso passa pelo processo de treinar, capacitar, educar. O ambiente corporativo está se dando conta de que a tecnologia pode simplificar e muito o processo de aprendizagem.

EA – E nas escolas, como avançamos?
Danilo Esses efeitos também começam a acontecer, porém a uma velocidade muito menor. No capítulo: “O que a sociedade espera das escolas?”, do meu livro Educação Pós Pandemia trago alguns argumentos que justificam essa afirmação. Levantamento realizado logo no começo da pandemia (abril 2020) cerca de 63% das secretarias municipais sequer haviam pensado em uma estratégia para manter o engajamento dos alunos na pandemia.

O que evidencia como o sistema escolar é lento para lidar com as transformações da sociedade. Não bastasse a lentidão, temos problemas o aspecto político que torna o sistema de ensino moroso e ainda distante das reais transformações disruptiva que precisam acontecer como nova abordagem nas grades de ensino e na disponibilidade e acesso as mais variadas complexidades sociais que o Brasil possui. Estamos caminhando, mas a velocidades distintas.

EA – Educação Brasil e volume de investimento, uma questão crônica. Como inverter essa realidade?
Danilo Do ponto de vista dos investimentos, temos uma contradição no cenário Brasileiro: pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) revela que o gasto público com educação no Brasil em 2019, representa 5,6% sobre o produto interno bruto (PIB), o que coloca o país em uma posição acima da média de vários outros países, ficando atrás apenas da Noruega (7,2) Suécia e Finlândia (5,8%), Bélgica e Islândia (5,7%). Contudo, esse número não reflete a mesma realidade quando se analisa o gasto por aluno nas instituições públicas de ensino.

“O Brasil gasta em média o valor de US$ 4,5 mil anuais por aluno, um número bem abaixo da média dos países que compõem a OCDE – US$ 10,4 mil[1].”

EA – Um descompasso, não?
Danilo Sim, e ele revela duas coisas: primeiro, administramos muito mal o dinheiro público destinado à educação. Esses investimentos não refletem melhorias de estruturas e, tampouco, no desenvolvimento por aluno. E segundo, que o problema da educação brasileira não é a falta de investimento, mas a incompetência na gestão pública no uso inteligente dos recursos.

Um passo para reverter essa realidade é tratar a base de ensino, maximizar o uso dos recursos para melhorar as condições primárias para que escolas pudessem proporcionar o ensino a todas as classes sociais.

Existe uma defasagem no modelo educacional brasileiro, e a reforma passa por uma revolução tanto nas grades de ensino, sim, algumas ciências precisam ser mantidas, mas a sociedade clama por um modelo de ensino que seja capaz de estimular novas habilidades e competências que sintonizem com esse mundo disruptivo.

“A forma de avaliar o aluno também demanda por uma reformulação, uma sociedade pensante não se constrói somente a base provas, é preciso estimular o senso crítico das pessoas.”

EA – No ambiente privado, continuam os esforços de cooperação? Há cases?
Danilo Sim. Esse tipo de cooperação é o suprassumo da interação entre o acadêmico com o corporativo, na minha vida profissional tive a felicidade de estar à frente de projetos em parcerias com instituições acadêmicas, sendo um dos mais recentes o Programa de Ensino Superior da empresa Aegea – onde cito a experiência no livro.

Esse programa tinha como premissa unificar os conhecimentos acadêmicos a projetos reais no ambiente corporativo, e na ocasião uma das iniciativas foi uma adaptação na grade curricular para o contexto do negócio, e todo o processo de aprendizagem ocorria por meio digital. Sou suspeito para falar sobre essas iniciativas pois sempre tive uma visão otimista nessa relação, acho que funciona e acredito que essas cooperações deveriam ser mais frequentes.

EA – Qual a melhor jornada para aprendizagem contínua no mercado?
Danilo Eu costumo dizer que não existe uma prática comum ao lifelong learning, pois ele é o ápice da educação moderna. Para ele se tornar valor à jornada precisa ser construído com elementos que estimulem o protagonismo. Há basicamente duas formas de aprender: na dor e no amor, ambas funcionam muito bem. Aprender na dor requer muitas vezes o impulso pela necessidade ou até mesmo pela escassez, uma jornada mais árdua, dolorida. Já quando o aprendizado acontece no “amor”, ou como também dizer “na moral”, o caminho tende a ser mais leve, intuitivo e divertido.

Novamente: ambos os caminhos funcionam, mas só um é capaz de desenvolver o gosto genuíno em estar sempre em processo de aprendizagem, só o caminho da leveza pode transformar informação em conhecimento, necessidade em criatividade.

EA – Como é seu processo de abordagem de aprendizagem?
Danilo Costumo trabalhar, independente se o conteúdo foi pragmático, regulatório, normativo, ou até comportamental, escolhendo o caminho do amor pois ele torna tudo mais acessível. Acredito que o lifelong learning é uma filosofia de vida, parecida com aquela personagem Dory – do filme Procurando Dory da Disney. Este filme tem como estimulo o tal “continue a nadar”, que é basicamente o seguir em frente, o aprendizado contínuo nada mais é do que seguir em frente sempre.

EA – Como analisa a forte escalabilidade das edtechs?
Danilo Vejo que essa explosão é totalmente justificável com o momento que estamos vivendo, velocidade e praticidade com custo baixo, são premissas que norteiam o mercado atual. O perfil do consumidor aumentou o sarrafo. O que quer dizer, as pessoas não aceitam mais pagar caro por produtos ou serviços medianos. Vejamos o exemplo da NETFLIX que revolucionou a forma como as pessoas consomem entretenimento, pelo “simples” fato de proporcionar ao consumidor a liberdade de escolha, o que é suficiente para empurrar um mercado para um caminho sem volta, além  de estimular outros players.

EA – Jornada sem volta para as edtechs?
Danilo Sim. Esses modelos de negócios que quebram os tradicionais padrões de consumo mostram como a simplicidade vence a complexidade, e nisso que as edtechs ganham força. São startup, um modelo com entregas rápidas a custo baixo e democratizam o acesso ao conhecimento.

Se o consumidor não aceita mais produtos e serviços de baixa qualidade, as edtechs impulsionam a educação para o mesmo caminho. Novos padrões de exigências e a tendência é que tenhamos cada vez mais possibilidades de escolha com qualidade e custo baixo. É democratização da educação na palma das nossas mãos.

EA – Nesses cenários, mundos virtuais, novos modelos de empregabilidade, como fica a formação acadêmica?
Danilo Nesse cenário caótico e turbulento que o mundo moderno nos impõem, potencializado também pelos efeitos da pandemia, é natural que os modelos acadêmicos passem a serem questionados. Com toda facilidade digital que temos acesso, não é exagero dizer que profissionais de todos os níveis, recorrem as plataformas disponíveis para complemento ou potencializar sua base de conhecimento, é o que aponta uma reportagem na CNBC onde médicos e estudantes de medicina utilizando o YouTube para aprender procedimentos cirúrgicos.

“Esse fenômeno pode ser classificado como a educação self-service, o modelo em que eu monto o meu cardápio e aprendo dentro das minhas características de aprendizagem.”

Essa é uma tendência das transformações globais na educação, segundo pesquisa da Global Learner Survey, cada vez mais, as pessoas tendem a assumir o controle do próprio aprendizado. Complementam cursos formais e, ao mesmo tempo, se especializam em diversas formações de curta duração. Essa mesma pesquisa aponta também que 61% dos brasileiros não acreditam que as universidades estejam ensinando habilidades corretas para o mundo do trabalho, e 68% das pessoas entrevistadas acreditam que podem ter sucesso somente por meio do ensino profissionalizante[2].

EA – Esses dados são reflexo do descolamento entre o mundo do trabalho e o da sala de aula, não?
Danilo Sim, muito. É preciso haver uma ruptura, o perfil das novas gerações exige nova roupagem no sistema de ensinar-aprender, que, na minha opinião, vai além dos objetivos tradicionais de aprendizagem, precisamos estimular o pensamento crítico para lidar com as transformações globais.

EA – Como avalia o papel de mentores midiáticos na educação, como o youtuber prof. Noeslen?
Danilo
Já assisti alguns vídeos do Professor Noeslen e acredito que ele sintetiza bem o exemplo da tal educação moderna que tanto falamos. Se você observar ele usa muito dos elementos pedagógicos para transmitir o conteúdo, mas sobretudo, ele consegue captar bem os mais variados estilos de aprendizagem, através do uso de uma linguagem leve, descontraída e ao mesmo tempo objetiva.

Perceba que ele tem vídeos de 30 minutos e de até 1 minuto (exemplo, aquele que ele fala da diferença de biscoito e bolacha), ambos funcionam muito bem. Com isso, ele consegue entregar de conteúdos “pílulas” a temas com maior nível de profundidade. Esse é um formato que veio para ficar e que escolas e empresas precisam incorporar em suas práticas de ensino.

“Eu acho sensacional e acredito que esse modelo funciona muito bem inclusive no mundo corporativo, afinal quem é que nunca recorreu ao YouTube ou outra plataforma para aprender alguma coisa que não sabia, por meio de um vídeo?”

EA – Sua longa trajetória no mercado corporativo como consultor educacional, modelos de liderança estão sendo revistos?
Danilo Sem dúvida alguma, embora o tema liderança não seja uma pauta nova nas organizações, atualmente o papel do líder passa por um processo de refinamento. A tal liderança humanizada finalmente chegou com intensidade no mundo corporativo, graças, novamente, aos efeitos do modelo de trabalho remoto. Em meu livro Educação Pós Pandemia, com base na minha vivência, e sobretudo na minha visão otimista de futuro, eu destaco nove competências que farão a grande diferença no mercado de trabalho e que se aplicam a qualquer estilo de liderança:

  1. Adaptabilidade. Ser rápido para se ajustar as transformações
  2. Aprender a desaprender (e rápido). E desapegar-se daquilo que não agrega
  3. Empatia. Um dos maiores valores da liderança humanizada
  4. Simplicidade. A capacidade de tornar o complexo simples, aliás o simples ainda funciona
  5. Pensamento crítico. Ser um ser pensante e não um objeto de manobra
  6. Criatividade. Fazer mais com menos
  7. Visão sistêmica (e digital). Olhar para o todo sem desprezar pessoas e tecnologias
  8. Execução. Pôr a mão na massa
  9. Humildade intelectual. Passar adiante aquilo que sabe

EA – Qual seu recado para um jovem que aos 17 anos se percebe não desejando ir para a faculdade?
Danilo Que invista sempre na sua capacidade intelectual, independente do modelo acadêmico que for seguir (ou não). Que tenha profundidade em buscar conhecimento, que fuja sempre daquilo que chamo de tentação da superficialidade. Que não seja raso quando se pode ter um repertório vasto e interessante, e, por fim, que não confunda facilidade com conhecimento e que se permita não saber de tudo.

Aliás não saber de tudo é um passo interessante para começar a saber algo, e essa base de pensamento te levará a lugares incríveis se você se permitir ser o protagonista da sua história, não terceirize o seu saber.

Toda escolha é composta de pelo menos uma renúncia, decidir é relativamente fácil. A complexidade consiste em viver com as renúncias, seja qual for a sua decisão, que você conviva com leveza com as suas renúncias.

EA – Qual a melhor contribuição de um professor para a formação de um aluno?
Danilo Como já mencionei e sempre faço questão de reforçar: o papel do professor passa a ter um valor ainda maior nesse processo de aprendizagem. Ele será o maestro da construção do conhecimento, cabendo a ele estimular para que cada talento desabroche. A transformação que estamos vivendo na educação não é digital, é sobretudo cultural, é humana.

Por mais moderno e por mais recursos que tenhamos a nossa disposição, o que faz a diferença no fim do dia são as pessoas. Ao professor cabe aprender e maximizar o seu conhecimento em métodos, técnicas e tecnologias, mas sem perder o foco central de acolhimento com aquele que aprende – o aluno.

 

danilo olegario - Onde estamos com a educação Brasil?

Danilo Olegario é um especialista apaixonado por educação corporativa, área em que atua há mais de 20 anos. Atua com empresas players, Hyundai Motors, São Martinho, Aegea Saneamento e Grupo CCR. Pai, marido, filho, escritor e palestrante.

https://www.linkedin.com/in/daniloolegario/

 

Dica de leitura.

51nWPYw1jhS. SX344 BO1204203200 - Onde estamos com a educação Brasil?

“Educação Pós Pandemia”, livro entre os mais vendidos na Amazon, categoria Educação e Escola

 

[1] INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (Inep). Panorama da Educação: Destaques do Education at a Glance 2019. 2019, p. 18. Disponível em http://inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/6/YIsGMAMkW1/document/id/68535668. Fonte utilizada como base de pesquisa do Livro: Educação Pós Pandemia – A revolução tecnológica e inovadora no processo de aprendizagem após o coronavírus. Publicado em 2021 – Danilo Olegario.
[2] MEIRELES, L. Aprendizado “self-service” é uma das tendências globais da educação, diz estudo. Consumidor moderno. 02.dez.2019. Disponível em: http://consumidor-moderno.com.br/2019/12/02/aprendizado-self-service-tendencias-educação/. Fonte utilizada como base de pesquisa do Livro: Educação Pós Pandemia – A revolução tecnológica e inovadora no processo de aprendizagem após o coronavírus. Publicado em 2021 – Danilo Olegario.

 

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