O sonho diabólico | Felipe Gruetzmacher

 

A sinopse abaixo lança provocações e interrogações sobre nosso estilo de vida acelerado e nossa escravidão tecnológica:

Um grupo de pessoas é geneticamente aprimorado para não precisar mais dormir ou descansar. Elas criam Jikan, uma inteligência artificial que analisa processos de empresas e sugere maneiras de automatizar trabalho e agregar produtividade. O lançamento de Jikan apresenta efeitos colaterais imprevisíveis e reforça a escravidão tecnológica. O sonho de lucrar alto só com uma ideia fantástica, obsessão por trabalho duro e tempo investido num projeto altamente inovador resulta numa distopia. E agora?

Alguns insights:

  • Muitos gurus e empreendedores de palco dizem que uma pessoa pode enriquecer só com foco obsessivo no trabalho, resiliência, talento e perseverança. Então, por que o mundo permanece tão desigual?  Não há como trabalhar 100 horas num dia para aumentar a produtividade e a geração de riquezas. Ricos e pobres têm a mesma quantia de horas por dia. Logo, a sinopse acima explora uma ironia:
  1. O time da Startup Jikan pensou que poderia aumentar os lucros corporativos só com trabalho duro. Para isso, apelaram para modificações genéticas que as transformaram em humanos sem a necessidade de dormir
  2. O paradoxo é que a proposta de valor de Jikan é eliminar tarefas e trabalhos através da automatização, o que significa mais tempo livre para os clientes empresariais
  3. O próprio conceito de Jikan é interessante: significa “tempo” em japonês
  • A inteligência artificial Jikan, apontando melhorias em processos e automatizações, estimulou organizações a repensarem culturas, modificarem estratégias, assimilarem novas tecnologias, capital humano e avaliarem se essa combinação resulta em boas propostas de valor para o cliente. Todo esse novo conjunto de tarefas aumentou a quantidade de tempo de trabalho
  • O resultado disso foi um incrível aumento de executivos estressados, casos de esgotamento profissional, Síndrome de Burnout, ambientes laborais tóxicos e uma maior quantidade de horas trabalhadas
  • Fora isso, toda a opinião pública foi moldada para acreditar que qualquer empresa poderia ser mais produtiva com automatizações que reduzissem a necessidade de trabalho humano, o que significa maior liberdade se todos trabalhassem arduamente para adaptar a corporação aos novos moldes no início dessa transição
  • Logicamente, a transição para empresas mais automatizadas não resultou em maior liberdade humana. O fato apenas:
  1. gerou mais desemprego tecnológico
  2. criou novas oportunidades para startups venderem tecnologias e automatizações para empresas, num contínuo ciclo de readequação da cultura organizacional às novidades do mercado. E isso resultou em mais tarefas e mais energia gasta
  3. acirrou a concorrência entre Startups, empresas e modelos de negócios, ampliando a mortalidade empresarial
  • O tempo de trabalho invadiu os momentos de intimidade, pois executivos precisam estar conectados com as transformações digitais durante a maior parte do dia, o que provocou o destroçamento de famílias inteiras
  • As pessoas foram pressionadas a adotar maneiras cada vez mais rápidas de comunicação nos locais de trabalho. As conversas eram feitas exclusivamente por emails e demais plataformas online, o que contribuiu para a frieza nos relacionamentos
  • Por que novos modelos de negócios e novas tecnologias quase sempre significam mais trabalho humano e mais tempo dedicado aos compromissos empresariais?
  • Em épocas passadas, quando o trabalho era mais manual, acabava a jornada do colaborador e ele se “desligava” das preocupações do labor, pois podia permanecer tempos livres longe dos instrumentos, chefe, colegas de trabalho e do espaço físico. Agora que o trabalho é mais intelectual, depende mais da inteligência e da comunicação online, a pessoa não faz outra coisa senão pensar em ganhar dinheiro. É por isso que as feridas deixadas pelo trabalho pós-moderno não são físicas: são psicológicas e emocionais. Não há mais ninguém para chicotear escravos, porque já incorporamos o papel de donos de escravos e escravos simultaneamente
  • Pulando da narrativa ficcional para a realidade, eu deixo esse preocupante dado:
  1. Na reportagem da publicação “Veja Saúde”, publicada no dia 23 de março de 2022 por André Bernardo, é citado uma pesquisa elaborada pela International Stress Management Association (Isma-BR) que revela uma estimativa de 32% de pessoas da população economicamente ativa no Brasil que sofria sintoma de burnout. A arte da minha narrativa sci-fi imita a realidade? Pode apostar que sim!
  • Enfim: mais horas trabalhadas não são determinantes absolutos para o sucesso empresarial. A prosperidade depende de várias coisas que escapam do controle individual. Às vezes, é tudo uma questão de contexto e de variáveis como:
  1. Comportamento do mercado, concorrência e consumidor
  2. Oportunidades de contar com um bom sistema educacional e mentores
  3. Ideia executada
  4. Talento da equipe
  5. Os contatos certos
  • A grande questão não é desmistificar a meritocracia ou defender ambientes corporativos mais humanizados. Não! Isso são reflexões secundárias
  • Precisamos urgentemente de automatizações e progressos tecnológicos que nos libertam do trabalho excessivo, construam uma economia que atenda autênticas necessidades humanas e preservem nossa saúde mental! O bem-estar emocional, o impacto social e a evolução do intelecto humano (aprender trabalhando) precisam ser as métricas usadas para averiguar a humanização das nossas atividades. É uma avaliação qualitativa do tempo dedicado ao trabalho. O dinheiro é só consequência
  • Muito do que acontece no conto “sonho diabólico” é inspirado nos dias atuais! Quando vamos nos libertar da escravidão assalariada?

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Conto 10: A guerra total. Acesse aqui.

 

felipe Easy Resize.com - O sonho diabólico

Felipe Emilio Gruetzmacher é formado em gestão ambiental, educação ambiental e se especializou em copywriter através de muitos cursos online, muita prática e dedicação. Autor na Comunidade EA é um dos mais lidos na plataforma. Tenta decifrar os enigmas do trabalho humano, até porque essas questões podem mudar os rumos da sociedade humana e acelerar a marcha da história rumo à Utopia.

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