EA – Charles, o mundo do trabalho passa por uma revolução, não?
Charles
A verdade é que estamos vivendo em meio à 4ª Revolução Industrial, então, é um pouco natural que a cada transformação experimentada esse sentimento de revolução se aflore. A Quarta Revolução é caracterizada pela fusão de tecnologias digitais, físicas e biológicas, como inteligência artificial, internet das coisas e biotecnologia e, claro, tudo isso transforma o nosso trabalho.  

EA – Empresas estão sabendo se posicionar nesta revolução?
Charles
Minha carreira é absolutamente não-linear. Eu já fui de tecnologia, inteligência de mercado, planejamento estratégico, inovação e, agora sou CEO de uma startup, além de acumular as profissões de professor, autor e podcaster. Para além das missões, atuei na Indústria, em Tecnologia e Telecomunicações, no Varejo, no Setor Financeiro e também em Consultorias.  

Então, para mim está claro que as empresas que melhor estão surfando esta onda são aquelas que estão se formando em ecossistemas. Bons exemplos disto aqui no Brasil: Nubank, Magalu, iFood e Mercado Livre. É claro que há muito espaço para empresas de nicho, mas mesmo estas, elas podem se beneficiar de participarem de ecossistemas ainda que em formato de parcerias.  

“A competição hoje não é contra concorrentes, mas pela atenção do Cliente”. 

EA – A era de dados impacta em comportamento de trabalho, nas matrizes de gestão de pessoas, concorda?
Charles
Sem dúvida alguma. “Se uma árvore cai na floresta e ninguém está lá para ouvir, ela faz algum som?” Todo e qualquer tipo de trabalho passou a ser medido. Temos KPI’s que pretendem garantir a performance das empresas do macro para o micro. Então, de uma certa forma, todos estamos produzindo e sendo impactados diariamente por dados. Nas empresas com ambiente tecnológico mais bem desenvolvidos, é comum que haja ainda um DataLake bem estruturado de onde se extrai informações para a tomada de decisão e, estas podem vir de trabalho analítico, do uso de IA ou ainda, das duas coisas juntas. 

EA – Como analisa a escala de cultura de literacia de dados nas empresas, em especial, nos modelos de lideranças?
Charles
Se formos seguir o modelo do Gartner de Literacia de Dados e estabelecer uma média, diria que estamos no estágio 3, ou seja, conseguimos interpretar dados, entender causas e fazer análises básicas. Poucas empresas ou lideranças chegaram ao nível preditivo, tomando decisões exclusivamente baseadas em dados. O que é realmente importante para a liderança é nunca se desconectar dos problemas da sua operação, porque uma vez que o problema esteja bem mapeado, começa a se tornar mais fácil descobrir não só quais dados precisamos, mas também como usá-los. 

EA – Quais segmentos analisa mais up to date em cultura de dados, em especial, o varejo que atuou tão de perto, como avança?
Charles
O segmento financeiro brasileiro, para operar de modo seguro depende fortemente de um ambiente e literacia de dados aplicados no seu core. Portanto, este para mim, ainda é o benchmarking. O varejo ainda está engatinhando com o uso de dados. Poucos varejistas já adotaram o básico RFV (Recência, Frequência e Valor de Compra) e a segmentação de Clientes. 

EA – Muito se fala em inovação, pouco se entende de transformação digital, no contexto mesmo de novas práticas empresariais e organizacionais. Há exemplos positivos em marcas?
Charles
O mercado confundiu transformação digital com digitalização. Eu não quero ser purista aqui, mas transformação digital não é ter um e-commerce e operar o seu negócio pela Internet. Isso é algo muito mais profundo, que mexe com o organograma da empresa e coloca de fato o Cliente no centro dela. Em uma empresa digitalmente transformada você tem squads – times multidisciplinares, autônomos, que se dedicam exclusivamente a etapas da jornada do Cliente.  

E, a mentalidade das funções corporativas muda para estar a serviço desses times e não impondo processos criados sem a escuta destes times. 

EA – Qual a melhor contribuição do modelo de startups para o modelo empresarial?
Charles
Uma startup de sucesso invariavelmente nasceu de uma dor/problema real de pessoas reais. Acho que essa é a maior contribuição. Qualquer empresa que se relaciona com o cliente e com o seu mercado precisa estar atenta as demandas dele. E, se houver TAM/SAM/SOM o suficiente, atuar. 

EA – Como analisa as entregas das consultorias organizacionais neste novo cenário: era digital, era de dados?
Charles
A maior vantagem de uma consultoria organizacional é o trânsito que ela possui entre clientes de diversos tamanhos e segmentos. O que ela vai aportar em termos de experiência é a vivência de ter contribuído com diversas transformações e não apenas com uma. É como se tivéssemos acesso a uma bagagem de muita coisa que deu certo e outras tantas que deram errado para tomar o melhor caminho. 

EA – Inovação nas empresas, há barreiras culturais? Simplifica pra gente, o que é inovação?
Charles
De forma bem simples: existem 2 tipos de inovação, a incremental e a disruptiva. Vamos falar sobre a primeira: melhoria é inovação. Não há um jeito mais simples de entender que sim, todo novo iPhone é uma inovação. E, ela pode ser para o mundo, para o país, para o segmento ou só para sua empresa. Ou seja, copiar iniciativas de sucesso também é uma forma de inovar. 

A disruptiva pode agregar novas tecnologias e/ou novos modelos de negócios. É mais complexa e difícil de mexer nos ponteiros da organização, especialmente no início. E, sim, há muitas barreiras culturais. A principal delas é que em geral não há uma área de inovação e orçamento constituído dentro das organizações.  

Sinceramente, existe segurança psicológica para um colaborador inovar correndo o risco de desperdiçar CAPEX e OPEX da sua própria área?  

É preciso que se crie essa estrutura e também o apetite de risco em tempo e dinheiro para que as falhas sejam permitidas.  

EA – De executivo a empreendedor, como foi essa tomada de decisão?
Charles
Não foi fácil. Minha vida inteira estive dentro de ambientes corporativos e, embora tivesse um bom entendimento do ecossistema de inovação, faltava a mim a experiência concreta de estar do outro lado. Você imediatamente deixa de ser um especialista para ser um generalista. Como CEO da Tanto, eu já fui produto, tecnologia, marketing/branding e agora tenho um papel também comercial.  

São “anos de cachorro”. 1 vale por 7. 

EA – Onde a sua startup encontrou uma dor nos processos corporativos?
Charles A Tanto é uma plataforma de reembolso de despesas que resolve a dor das famosas notinhas fiscais que ficamos guardando nas viagens e eventos corporativos. Eu vivia essa dor como executivo. Voltava de viagem com a carteira cheia de notinhas. Baixava uma planilha de excel da Intranet, preenchia, imprimia, grampeava as notinhas e entregava no Contas a Pagar. 

Com a Tanto, você scaneia o QRCode da NF, a gente valida na SEFAZ com IA e na política da empresa e, reembolsa com PIX, na hora! 

EA – Há questões sérias no ambiente de trabalho se contextualizarmos a saúde mental, há índices de afastamentos preocupantes. Sua visão como líder?
Charles
Este é um tema realmente preocupante e delicado. Recentemente perdi uma grande amiga, Head de Inovação de uma grande empresa que nunca deu qualquer sinal de problemas com a sua saúde mental. Meu papel como líder e, fundamentalmente como ser humano, é estar atento e me colocar à disposição para ajudar. O meu caminho de autocuidado tem a ver com o esporte. Eu já fui triatleta e atualmente jogo vôlei. São momentos que me permitem completa imersão e estado de flow. 

WhatsApp Image 2025 08 04 at 11.06.22 - Entrevista EA. A fusão de tecnologias digitais, físicas e biológicas, com Charles Schweitzer
Charles Schweitzer é CEO da startup Tanto. Palestrante, TEDx Speaker, foi Head de Inovação do Banco Carrefour e da Leroy Merlin. Conta com histórico profissional de mais de 25 anos em grandes corporações. Ex-membro do Conselho Consultivo da GIC Brasil, empresa de tecnologia brasileira focada em Varejo. Autor do livro “Inovação | Digitalização | Transformação Digital”. Co-host do Trends News, podcast semanal sobre Inovação e Tendências de Negócios ao lado de Martha Gabriel e Renato Grau. 

https://www.linkedin.com/in/charles-schweitzer/ 

 

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