IMPACTO NA EDUCAÇÃO | Isabela Jabor

 

EA – Bora nos contar, empreender é paixão, obsessão ou missão?
Isabela Eu diria que é um mix de paixão e missão. Para mim foi a paixão pelo conhecimento, pelo poder transformador que ele tem na vida das pessoas, junto com a missão de elevar a qualidade da educação no nosso país e reduzir as desigualdades de oportunidades que temos no Brasil. Empreender foi o jeito que eu decidi fazer isso acontecer, para ter rapidez, impacto e escala nessa transformação. E acabei me adaptando a essa dinâmica de sempre descobrir, criar e melhorar, descobrir, criar e melhorar… Já a obsessão vem como estratégia de negócio, com a obsessão por servir sempre e servir bem as pessoas.

EA – Temos algo em comum, a EA e a B.Nous, que é a conexão com o futuro do trabalho. Por que é necessário preparar profissionais para este futuro?
Isabela Yuval Harari, em Sapiens, fala que se a gente não fizer nada agora, teremos uma “classe inútil” no futuro. Quando eu li isso, há uns três anos atrás, me bateu um incômodo muito grande. Pensando na realidade do Brasil – nos milhares de desempregados que já temos e nos profissionais com baixa qualificação – pensei comigo que se não fizermos nada para mudar, o cenário ia ficar muito pior.

E quando veio a pandemia, acelerando muitas tendências, principalmente tecnológicas, e que começamos a falar muito mais sobre um futuro em que o digital vai ser inquestionável, onde a economia vai se intensificar ainda mais no setor de serviços (intensivo em gente) e onde as máquinas e robôs vão sim substituir muitos empregos foi o estopim, e eu pensei “preciso fazer alguma coisa para ajudar as pessoas a se prepararem para esse futuro”. 

EA – Um novo mercado que pede novas competências, não?
Isabela Sim. Tem um Relatório do Futuro do Trabalho do Fórum Econômico Mundial, que li no final de 2020, que reforça que esse novo mercado moldado pelos avanços e mudanças em todas as esferas, social, econômica, tecnológica, ambiental etc., exige que o profissional seja dono de skills que hoje ele não tem, porque não aprendeu durante a educação formal que a gente tem no Brasil. Mas são skills que vão impactar muito a vida de todos os profissionais, não só no futuro, mas já impactam hoje. 

Esse mesmo estudo apresenta uma previsão de 85 milhões de empregos extintos e a geração de 95 milhões de novos empregos no mundo nos próximos anos, então é uma mudança muito grande no mercado de trabalho, o que reforça a necessidade do desenvolvimento de competências diferentes para se manter relevante na nova economia. 

“Olhando para tudo isso que eu entendi que não existe futuro do trabalho sem futuro da aprendizagem.”

EA – É possível construir skills e remodelar carreiras buscando um olhar em inovação?
Isabela Com certeza é possível. Primeiro vale reforçar que todo mundo é capaz de aprender qualquer coisa. Então a ideia de que a gente só aprende bem quando é criança é um mito. Temos a capacidade de aprender durante toda a vida, de se reinventar a cada estágio profissional, e num mundo em constantes mudanças repensar suas skills e sua carreira é mais do que necessário.

Em um mundo onde os mercados já não têm barreiras físicas de competição, onde a tecnologia vai estar presente em todo canto e onde a capacidade de se reinventar vai ser condição para sobrevivência profissional, a inovação é conhecimento chave.

“Trazer a lente da inovação para pensar carreiras é, não só estratégico para as empresas, como também para o próprio profissional.”

EA – Inovação fala com novas habilidades…
Isabela Sim. Inovação não deve ser entendido como um conceito abstrato. O pensamento e a prática da inovação acontecem a partir de habilidades completamente tangíveis como pensamento crítico, pensamento analítico, experimentação, criatividade, flexibilidade ao erro e por aí vai. Essas habilidades são totalmente passíveis de serem desenvolvidas e são fundamentais para os mais diversos trabalhos quando a gente fala dessa nova economia e das transformações que estamos vivendo no mercado. Então, ao pensar numa carreira, não tem como não pensar nesse conjunto de habilidades. Pra mim, essas são skills que todo mundo deveria desenvolver na escola, em algum grau básico.

EA – Como as empresas estão criando condições pra que isso aconteça?
Isabela Acho que o primeiro ponto é mudar de vez a lógica de pensar em contratar e desenvolver por cargos, para fazer isso por competências. Algumas empresas já praticam isso, mas ainda é restrito a alguns mercados. E a meu ver, as empresas precisam entender que há um conjunto de competências e habilidades básicas que todo profissional da nova economia precisa ter, um mix de habilidades digitais e habilidades sociais. Parte dessas habilidades entendemos como “transferíveis” e que em qualquer carreira, pensando em inovação, precisam estar presentes. 

“Não dá para pensar mais que uma pessoa que trabalha no financeiro, em contas a pagar, por exemplo não precisa de skills ligadas à inovação.”

Quantas soluções inovadoras vemos surgir em cima dessa área nos últimos anos? Milhares, e não é só o empreendedor serial ou o time de inovação das empresas que deve ter habilidades para ser inovador, é qualquer pessoa da empresa.

EA – Estamos aqui falando de expansão da cultura lifelong learning, não?
Isabela Sim. Pra mim, o caminho é apostar no lifelong learning como estratégia de desenvolvimento da cultura de inovação nas empresas. E é isso que estamos querendo com a B.NOUS, potencializar habilidades humanas ligadas à inovação que vão dotar quaisquer profissionais – não só a liderança e a área de inovação – de condições práticas para gerar mais valor para os negócios e de se manterem competitivos, preparados e felizes no mercado de trabalho. 

EA – Como avança inovação no corporativo, até pouco tempo muitas resistências em pensar fora da caixa. Isso mudou?
Isabela Está mudando, e a motivação veio em grande parte da necessidade de se manter competitivo no mercado. E tá tudo bem, independente da motivação, o que as empresas precisam é, como falei antes, olhar para inovação não como uma área, mas como um elemento chave da estratégia de uma empresa que deseja ser sustentável e lucrativa no médio e longo prazo. 

“Não existe futuro sem inovação, e não existe inovação sem aprendizagem.” 

As empresas, e estou longe de falar só da área de RH, devem se atentar em como está o conhecimento e o repertório dos seus profissionais sobre inovação; em como elas estão estimulando a experimentação e aceitando o erro nos times. Isso é um ponto muito importante, inovar não é acertar 90% das vezes, pelo contrário, é errar 90% e acerta 10% (e olhe lá). 

E isso é uma mudança de cultura muito grande, por isso teve e ainda tem resistência. O que as pessoas precisam aprender é que não é sorte, é prática, método, ferramenta, mindset… e no final, é sobre aprender constantemente. E acho que está mudando porque as pessoas estão, mais do que nunca, querendo espaço para errar e para acertar, para criar e co-construir, espaço seguro e que valorize o agir coletivo e principalmente o diverso. As empresas estão começando a entender que tudo isso traz resultados efetivos e inovação. Mas ainda tem muitos desafios pela frente.

EA – Em qual estágio se encontra sua startup?
Isabela Estamos em tração, com o pé no acelerador! Rodamos nosso MVP com algumas empresas no ano passado, 2021, entre elas LATAM Airlines e VERT Capital, e a solução foi efetivamente pro mercado no início desse ano. E já estamos atendendo desde startups, como HerMoney – uma plataforma de gestão financeira para pequenos negócios liderados por mulheres – e SURI – Inteligência Artificial de Atendimento ao Cliente para pequenas e médias empresas – até médias empresas como a DM, empresa de produtos financeiros que nasceu para simplificar e democratizar o acesso ao crédito, e já tem 20 anos de mercado. 

A meta desse ano é tracionar o modelo com o público B2B, validando nosso PMF (product market fit) e captar nossa primeira rodada de investimentos para expandir o time e adotar tecnologias fundamentais para sairmos de um faturamento de 250 mil, previsto para 2022, e batermos 3 milhões em 2023.

EA – Investidores estão atentos à escalabilidade das edtechs? 
Isabela Investidores de capital de risco estão sempre atrás de escalabilidade. Quando falamos de startups de tecnologia, como é o nosso caso, e voltados para educação, por isso somos edtechs, não é diferente. Sempre recebo as mesmas perguntas sobre a escalabilidade do negócio e o importante é saber o que você quer como founder para o seu negócio. 

“A minha dica é você ter uma razão para escalar, um propósito que vá além do financeiro, porque aí sim você vai perseguir essa escala com muito mais foco e garra.” 

No nosso caso, a escala é necessária porque queremos democratizar o acesso ao conhecimento de habilidades humanas, para que ninguém fique fora do mercado de trabalho no futuro.

Acabamos de ser acelerados pelo programa Power Pulse 11 da B2Mamy, único hub de inovação focado em mulheres e mães. Fomos finalistas num processo que começou com mais de 50 startups e agora estamos colhendo os frutos, em especial comerciais, que o programa nos trouxe. Ele abriu portas muito importantes e recomendo a todas as empreendedoras e empreendedores a buscarem redes que tenham sinergia com seus negócios. Não fazemos nada sozinhos. 

EA – Empreendedora e mulher em startup, são condições positivas, não? Por que há tão poucas mulheres à frente de startups no Brasil?
Isabela São mais do que condições positivas, é algo necessário na busca pela liberdade financeira das mulheres, na luta por equidade de gênero no mercado de trabalho e algo benéfico para os negócios – segundo o estudo da Boston Consulting Group,  startups criadas por mulheres são mais rentáveis a longo prazo. Eu acredito muito que o empreendedorismo é uma via de alto impacto social e econômico pra mulher e pra toda a sociedade. Isso não deveria ser algo fora do padrão né, mas infelizmente hoje ainda é exceção. 

Pois é, mulheres CEOs ainda são minoria e os times em geral de startups são majoritariamente masculinos. Na minha opinião o motivo vai na mesma linha do porquê temos muito menos mulheres nas lideranças corporativas e em tantos outros cargos de decisão (como a política): ainda vivemos numa sociedade patriarcal e a desigualdade de oportunidades no que tange diversidade, e aqui destaco a diversidade de gênero no mercado de trabalho, é enorme. 

“De verdade, faltam incentivos para a mulher acreditar e se convencer de que “empreender é coisa de mulher”.

Faltam oportunidades para a mulher desenvolver sua ideia em um ambiente fértil e de confiança, sem que ela precise provar 10x mais do que o homem o porquê do negócio dela ser incrível, e falta apoio não só para a mulher começar, mas para ela se manter nessa jornada. Sem dúvidas tivemos avanços, mas o caminho é muito longo, principalmente nessa área de inovação. Seguimos!

EA – Por que decidiu empreender? Onde virou a chave na sua jornada profissional?
Isabela Eu brinco que o bichinho do empreendedorismo me picou ainda na época de faculdade, quando entrei para a Empresa Júnior da PUC-Rio, logo no final do segundo ano do curso de engenharia quando eu não aguentava mais ver só números na frente. Ali tive contato com vários empreendedores e pequenos empresários e a paixão deles por suas ideias e negócios me chamou muita atenção, e eu guardei isso num cantinho das ideias na minha cabeça, e deixei quieto. 

Alguns anos depois, o fator decisivo para eu decidir empreender foi encontrar o tão falado propósito, que no meu caso, era gerar acesso à boas oportunidades de educação. E essa chave virou quando, no meio de um projeto sobre políticas públicas no Recife, eu percebi que a educação era a alavanca de transformação e mobilidade social mais potente e capaz de mudar não só aquele cenário local, mas de mudar a desigualdade no Brasil. 

Pronto, a chave virou, sabia que o caminho era juntar empreendedorismo (resgatar aquela paixão dos fundadores que vi na época de faculdade) com o enorme problema na área de educação (a minha paixão), e assim eu teria a chance de gerar o impacto positivo que queria na vida das pessoas, e o melhor, na velocidade que eu desejava – rápido, ou pelo menos mais rápido do que via setor público. 

EA – Na época estava no mercado em que posição?
Isabela Sim, pedi as contas da consultoria de estratégia e gestão que eu estava há 6 anos, com uma carreira bastante promissora pela frente, decidi me mudar pra São Paulo – sou carioca -, e mergulhei no empreendedorismo através de uma startup, também da área de educação, mas no segmento do Ensino Básico, da qual fui sócia até o início de 2020. Mas algo dentro de mim algo dizia que ainda não era aquilo. Eu não estava 100% realizada e com muitos questionamentos internos, e resolvi me desligar da empresa, para aí sim, tirar minha própria ideia do papel. 

Não foi nada óbvio, nada fácil. Dois meses depois que decidi empreender do zero veio a pandemia e aquela sensação de insegurança, mas me agarrei no processo, nas pessoas ao meu redor e no meu propósito. 

Hoje entendo que empreender é um estado de espírito, é muito mais que um CNPJ, mas seja como for, pra mim é um caminho sem volta. 

EAQual a contribuição das edtechs para a educação brasileira?
Isabela A educação, não só no Brasil, é um dos mercados mais tradicionais que existem e que menos mudaram nos últimos anos. Ainda predominam, conceitos, estratégias e métodos muito conservadores cuja efetividade não se sustenta. Por isso, as edtechs tiveram e ainda têm um papel fundamental para a educação brasileira, em todos os segmentos. Muitas soluções que vimos surgir nos últimos anos ajudaram a levar mais personalização para o processo de ensino-aprendizagem, geraram acesso a tecnologias educacionais que antes eram restritas para ambientes de ticket médio mais elevado, viabilizaram acesso via crédito ou bolsas, suprindo por um lado as lacunas de matrículas das instituições e por outro a demanda por vaga, isso só para citar algumas. E tem muito mais sendo criado!

EA – O que há de valor na B.NOUS para a educação corporativa?
Isabela A B.NOUS traz para a educação corporativa duas coisas principais e inovadoras: por um lado, a concretização do lifelong learning, com foco em habilidades humanas; e por outro o uso estratégico dos dados de carreira e aprendizagem para potencializar a inovação e a diversidade nas empresas. Costumo falar que não somos uma empresa de conteúdo, mas uma empresa de dados, porque se por um lado, na pandemia, a gente entendeu que não dá para parar de aprender pensando no futuro do trabalho, do outro entendemos também que tem muita gente boa produzindo conteúdo, mas o que falta é o match perfeito entre essas coisas: saber o que, quando, onde e como aprender. 

“É para isso que a gente nasceu, para entregar uma experiência diferenciada, um match perfeito entre demanda e oferta, com caminhos de aprendizagem contínuos, únicos e relevantes para as pessoas e para as empresas.” 

EA – Quais os próximos passos de sua jornada empreendedora, Isa?
Isabela Sem dúvida, atrair mais gente incrível e apaixonada pelo problema que resolvemos pra dentro dessa história que estamos construindo e que, para usar um clichê, está só no início – e aqui falo tanto de profissionais, quanto de investidores e também parceiros de negócio. Esses são os próximos passos: ampliar o time, captar investimentos e firmar parcerias com produtores de conteúdo que acreditam genuinamente nas suas soluções, de um micro vídeo até um baita curso.

E só nessas 3 frentes já vejo inúmeras oportunidades de aprendizagem pra minha jornada como empreendedora, e é exatamente isso que eu desejo pra mim e para todo mundo: uma bela jornada que oscila constantemente entre muita aprendizagem e muito desempenho.

 

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Isabela Jabor é Fundadora e CEO da B.NOUS, apaixonada por educação e inconformada com a desigualdade social e educacional do Brasil. Estuda e trabalha há 8 anos no setor de educação, com ampla experiência em projetos de planejamento estratégico e gestão, passando por consultoria, sistema S, setor público e startups. Criou a iniciativa chamada Book Me Up voltada à leitura e compartilhamento de conhecimento sobre tecnologia, inovação e empreendedorismo. É Engenharia de Produção (PUC-RJ) e mestre em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento, com ênfase em Educação (Instituto de Economia/UFRJ).

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Se você gostou deste panorama de edtech em educação corporativa que a Isabela Jabor trouxe, a EA recomenda a leitura da entrevista “Onde estamos com a educação Brasil”. VEM LER!