Por Marcelo de Freitas Ramos
Sou instrutor de meditação taoísta, tai chi chuan e qi-gong há mais de 18 anos e praticante há 27 anos. Em 2014 gravei em vídeo, um curso sobre meditação taoísta e o qi-kung. Na época em que gravei esse curso, eu já havia lido alguns livros e estudos mais recentes da neurociência. Eu estava muito entusiasmado as reações do cérebro às emoções, pensamentos e ao estado meditativo. Os ensinamentos que transmito neste breve período de uma aula do vídeo, não são somente fazer o cliente repetir os exercícios. Nele, explico os benefícios de cada exercício e, eventualmente, discuto trechos dos clássicos taoístas, que são a base do caminho taoísta.
Arte da guerra
Numa dessas aulas, eu conversava com um aluno, um homem com idade em torno de 50 anos, que tem uma empresa de médio porte. Ele me perguntou sobre as vantagens das artes taoístas para uma empresa. Eu respondi que, principalmente, conhecer melhor a si mesmo e conhecer melhor os funcionários geraria tranquilidade para tomada de decisões. Então, ele me fez outra pergunta:
_ “Como você pode saber o que acontece na empresa se você não é empresário?”
Perguntei se ele conhecia A Arte da Guerra, de Sun Tzu, o milenar tratado de estratégia militar muito utilizado por empresários. Ele respondeu que sim. Eu disse a ele:
_ “Sun-Tzu era mais conhecido como general, mas também era um conselheiro de grande capacidade de observação. Ele aplicou os princípios taoístas à arte da estratégia militar”.
Eu não conhecia a Arte de Guerra a ponto de decorar todas as máximas, mas me lembrava da que considerei a mais importante e, mencionei a ele, um trecho menos conhecido:
“Aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo será, por vezes, vitorioso e, por vezes, encontrará a derrota. Aquele que não conhece o inimigo e tampouco a si mesmo será derrotado em todos os confrontos. Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo não correrá perigo algum em cem confrontos.”
Evidentemente, no âmbito empresarial, funcionários e concorrência não são inimigos, é uma analogia.
Neurociência e meditação
Quando soube que diversos neurocientistas estavam fazendo imagens do cérebro de pessoas em estado de meditação, pensei que seria uma grande ajuda para popularização da meditação. Procurei conhecer
esses estudos para melhor entender os efeitos das artes de energia taoístas no corpo e na mente e para facilitar o entendimento das pessoas sobre as vantagens e benefícios da meditação, do qi-kung e do tai chi chuan.
Esse conjunto de terapias taoístas são as terapias integrativas originais que mais benefícios trazem ao ser humano. A acupuntura, também uma arte taoísta, talvez seja a mais popular.
Depois de conhecer as pesquisas de neuroimagem e suas conclusões, me veio à mão o livro Foco, de Daniel Goleman. Aí eu “descobri” que a meditação taoísta e o tai chi chuan promovem a autogestão ou gestão da energia pessoal. Basicamente, o cérebro em estado meditativo está totalmente integrado.
O que é um cérebro integrado?
É um cérebro em que o córtex pré-frontal está integrado e consciente de todas as outras áreas do cérebro, o estado da criatividade.
Na obra Foco, uma das muitas conclusões de Goleman é que a atenção seria “o músculo cognitivo que nos permite acompanhar uma história, aprender, concluir uma tarefa ou criar algo”. Achei sugestiva a comparação da atenção a um músculo, porque se encaixa na minha linha de trabalho em que o cérebro e o foco podem ser treinados.
Você já deve ter ouvido falar de kung-fu como sinônimo de luta, mas sabe qual é a tradução literal? Treinamento e repetição.
Os “inimigos” externos e internos
Como acontece o desgaste de nossa energia e atenção? Vivemos em uma sociedade onde as pessoas têm sua atenção destruída por inimigos externos: excesso de informações, excesso de estímulos, excesso de telas, apego ao celular (namofobia, nomenclatura para a fobia de ficar longe do celular).
E pelos inimigos internos: nossas próprias emoções e pensamentos, as ruminações sobre as tarefas diárias, como deveria ter respondido fulano, etc.
Em Foco, Goleman dá o exemplo de um advogado cuja atenção está tão destruída que, só para ler um contrato, ele precisa tomar ritalina, uma droga para aguçar a atenção.
O estado original
Antes de entrar em mais detalhes, tenho que mencionar que a meditação taoísta visa recuperar um estado de
consciência que já está dentro do ser humano, que o taoísmo chama de estado original. Esse estado remonta à infância do ser humano, quando a criança não tinha as preocupações do adulto. A pessoa fica surpresa ao saber que ela já vivenciou esse estado na vida dela.
O que as práticas taoístas proporcionam para a vida pessoal e profissional?
Primeiramente, a pessoa diminui o estresse (economia de energia) e se sente com mais energia. Nesse caso, mais energia significa mais motivação e mais foco. Segundo Goleman, se você domina um assunto, mas não tem a motivação, seu foco se perde. Além disso, como seu corpo também é energia, ao colocar o foco no corpo (p. ex. nos exercícios de qi-kung) e desenvolver mais consciência corporal e mais energia física, seu cérebro descansa enquanto sua energia circula pelo corpo.
O equilíbrio diz respeito a menos estresse, menos desgaste do cérebro e mais tranquilidade.
Dessa forma, você pode desenvolver a resiliência emocional, a capacidade de seguir em frente, mesmo diante dos desafios mais difíceis.
Aprendendo a dirigir uma máquina potente
A partir dessas percepções, me dei conta de que a meditação, as artes e treinamentos de energia taoístas podem ajudar as pessoas e as empresas. A atenção pode ser treinada para ser utilizada de forma que economize e
recupere energia e aprenda a conduzir, com suavidade, o foco de suas emoções e pensamentos.
Pode parecer algo distante, mas se você, que está lendo, sabe dirigir, vai lembrar de quando não sabia dirigir e não conseguia fazer os movimentos de embreagem, freio, troca de marcha, olhar os retrovisores e ainda prestar atenção no trânsito. Você só conseguiu internalizar esses movimentos físicos e mentais após treinar e repetir algumas vezes. Depois o processo tornou-se natural e automático, foi assumido pelo cérebro ascendente, o cérebro que assume as tarefas automáticas, no dizer da neurociência.
Integração
Empresários, gestores e colaboradores lidam, diariamente, com altos níveis de estresse. Cobranças por resultados, eventuais picos emocionais advindos de um boato sobre demissão, dificuldades familiares,
geopolítica, concorrência, além do estresse normalizado dos grandes centros urbanos. Tudo isso faz todos perderem o sono; e sono perdido é igual a mais estresse.
Estresse continuado leva à exaustão e colapso mental (burnout). Como têm constatado as áreas de Recursos Humanos, isso resulta em mais absenteísmo e o resultado é que as empresas acabam tendo seu potencial diminuído quando perdem gestores e colaboradores por exaustão, ou quando trabalham aquém de suas capacidades.
Esse é um cenário real. Atualmente, o Brasil enfrenta uma crise de saúde mental no trabalho. Em 2024 mais de 472 mil pessoas solicitaram licença médica (e esse número inclui pessoas que solicitaram mais de uma vez).
As causas incluem o estresse no ambiente de trabalho, as dificuldades do mercado de trabalho, o estresse dos grandes centros urbanos, entre outros fatores. Em consequência, o governo ajustou a NR-1, Norma
Regulamentadora estabelecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ela regulamenta diretrizes de saúde e segurança do trabalho, para que os riscos psicossociais sejam incluídos no Programa de Gerenciamento de
Riscos.
A situação é grave, não somente pelo número de pessoas, mas porque há pessoas que não conseguem se “curar” do estresse – por isso, pedem licença mais de uma vez.
Essas pessoas afundam em uma situação desoladora, de síndrome do pânico, transtornos de ansiedade e de depressão.
Na busca de soluções para essa questão de emergência, existem diversas iniciativas bem-intencionadas, como por exemplo, técnicas diversas de meditação ou de respiração, terapias alternativas, massagens, etc. No entanto, a questão principal é que são iniciativas limitadas, que não conseguem abranger a totalidade do ser humano.
Fazer exercício físico é bom?
É. Fazer relaxamento é bom? É. Meditação de atenção plena é boa? É. Práticas de lazer são boas? São.
Porém, colocadas pontualmente não resolvem o problema do ser humano, que é um ser integral.
A falta de (auto)conhecimento desse ser (des)integral(do) é a causa-raiz desse sofrimento.
Porque se fala (algumas vezes fora de contexto) em terapias integrativas?
Porque o ser humano é um ser integral, mas está fragmentado. As práticas taoístas surgem então, penso, como um caminho para o início do autoconhecimento e da autogestão, que é base da saúde mental.
Autogestão
Em seu livro Foco, Daniel Goleman coloca uma equação: autodomínio(autogestão) = autoconsciência + autorregulação. Autoconsciência é você tomar consciência de seus mecanismos psicológicos, emoções e gatilhos mentais a partir dos quais você sente frustração, raiva, medo, etc.
Autorregulação é você moderar esses impulsos de forma saudável. Ênfase: não é reprimir, é moderar. Essas sutilezas você pode aprender nas aulas de meditação e com autoconsciência.
O resultado é a autogestão, o estado em que você tem consciência de suas limitações, modera suas reações e tem conhecimento das informações necessárias para tomar decisões de forma calma e assertiva.
Essa equação do Goleman descreve bem os benefícios das práticas taoístas e como descobrir e trilhar o caminho da autogestão e da saúde mental e emocional.
Fontes:
https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2021.716138/full https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2021.660650/full
https://www.frontiersin.org/journals/human-neuroscience/articles/10.3389/fnhum.2011.00183/full https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2012.00116/full
Marcelo de Freitas Ramos é instrutor das artes taoístas de energia (meditação taoísta, tai chi chuan e qi-gong, publicitário, artista plástico e servidor público. Na década de 90 conheceu o taoísmo, conhecido no ocidente pela acupuntura e o tai chi chuan. Treinou com o Mestre Liu Chih Ming, filho do Mestre Liu Pai Lin, e com o instrutor Luiz Henrique Santos. Pelo lado profissional desenvolveu uma dedicação autodidata à fotografia e à arte gráfica, enquanto se aprofundava no taoísmo, lendo os Clássicos Taoístas. A meditação taoísta, o tai chi chuan e o qi-kung o levaram a ampliar a consciência e o autoconhecimento. As artes taoístas o levaram ao aprimoramento de suas habilidades nas artes plásticas, conferiu-lhe um conhecimento estrutural e uma fonte de inspiração. Frequentou a Escola Panamericana de Arte e Design, mas foi no silêncio interior que Marcelo descobriu seu caminho de autoconhecimento, de criação artística e, por último, a inspiração para ensinar as artes do Tao, o Caminho.
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