FALTA DE CONSCIÊNCIA | Por Alex Bretas

 

Por muito tempo, eu pensei que o inimigo nº 1 do aprendizado e do trabalho consistentes era a procrastinação. Faz algum sentido: eu não consigo ter consistência/disciplina ao longo do tempo porque em muitos momentos eu fico adiando as ações mais importantes, por menores que elas sejam e por menos ameaçadoras que elas sejam.

Depois, ao refletir mais sobre o ato de procrastinar, entendi que o “buraco era mais embaixo”. Afinal, por que as pessoas procrastinam? Há três caminhos para se pensar aqui: perfeccionismo, autossabotagem e hábitos.

Se eu não consigo tolerar a ideia de que minha ação seja imperfeita – e ela sempre será, porque a perfeição é uma fantasia criada pela mente –, então eu tendo a postergá-la por medo de revelar minhas rachaduras para o outro.

“Em um número surpreendente de áreas, você conseguirá chegar ao sucesso se você simplesmente estiver disposto a fazer a coisa razoável por mais tempo do que a maioria das pessoas”

Caso eu consiga ser consistente durante certo tempo, então começo a correr o risco de as coisas “darem certo”, o que talvez seja demais pra mim. Como vou lidar com uma versão de mim mesmo que “deu certo”? Como vou suportar viver sem a minha teimosa e agridoce mania de autoflagelação?

Se eu até consigo ser consistente em alguns momentos, mas em muitos outros não, o motivo pode ter a ver com os hábitos não estarem na mesma direção daquilo que se deseja. Hábitos alteram nosso padrão de pensamento de forma que o normal “não fazer” se torna um “fazer”.

Ter ideias demais

Ainda assim, perfeccionismo, autossabotagem e hábitos não conseguem explicar totalmente nossa falta de consistência crônica. E eu nem vou entrar aqui na questão referente ao quanto os sistemas de educação e trabalho tradicionais nos atrapalham a construir autodisciplina (o ebook “A Autodisciplina na Aprendizagem” aborda essa questão).

Além dos três fatores acima, existe uma tendência comum em várias pessoas que apoio em mentorias e comunidades de aprendizagem: ter ideias demais. E o problema, é claro, não está no excesso de imaginação, mas na falta de priorização.

Não é só que elas têm ideias demais: elas buscam conteúdos demais, fazem cursos demais, marcam reuniões demais – muitas delas completamente inúteis –, e aí não sobra tempo nem energia para decidir e se comprometer com os 20% que garantiriam 80% do resultado (conforme nos ensina o princípio de Pareto).

Ser simples

E não para por aí. Mesmo que consigam eleger uma única ideia/caminho e priorizá-lo de verdade, essas pessoas com frequência caem na tentação de torná-lo extremamente complicado, perdendo de vista as noções de que “feito é melhor que perfeito” e de que “a genialidade está no simples”.

Por não conseguirem domar sua mente, elas andam em círculos. Por quererem fazer demais, acabam fazendo muito pouco. Se identificou?

Essas pessoas sofrem do que eu chamo provocativamente de “Transtorno de Déficit de Priorização com Hiperansiedade” ou TDPH. E, ainda que as causas dessa “condição” tenham profundas raízes sistêmicas e contextuais, existem alguns caminhos concretos para trabalhá-la no nível individual.

Três ações simples que eu utilizo na minha rotina são:

  1. Tenha um commonplace book e construa o hábito de utilizá-lo sempre

Um commonplace book é um repositório central de anotações, aprendizados, ideias, sabedorias e reflexões que você coleta ou gera ao longo do tempo. Existem várias formas de se fazer um commonplace book, mas o mais importante é criar o hábito de utilizá-lo. Por isso, quanto mais simples e fácil for o seu uso, melhor.

>> Por que é importante?

Com um commonplace book, você tem onde “desaguar” suas ideias e pensamentos toda vez que se depara com eles e, sempre que faz isso, é como se seu cérebro “liberasse espaço” para continuar perseguindo suas prioridades.

  1. Abra espaço na sua agenda cortando o excesso de cursos, reuniões e consumo de conteúdo

Quase todos nós somos capazes de “enxugar” nossa rotina de cursos e reuniões se fizermos um esforço deliberado para isso. Além disso, a busca incessante por conteúdos que não contribuem para abastecer aquilo que é prioritário também pesa na balança.

>> Por que é importante?

Quando estamos desenvolvendo um novo hábito – algo fundamental para sermos consistentes em basicamente qualquer coisa na vida –, isso requer não apenas tempo, como também energia vital para acontecer. Experimente, por exemplo, tentar resistir a um bolo de chocolate na geladeira depois de um dia exaustivo. É pouco provável que você consiga porque sua energia/atenção está baixa, de modo que você tenderá a seguir os velhos hábitos de sempre.

  1. Seja qual for a sua prioridade, transforme-a em uma rotina simples e frequente

Quer criar uma comunidade? Comece criando um encontro por semana. Quer escrever um livro? Comece escrevendo 20 minutos todos os dias. Quer se tornar especialista em um assunto novo? Comece entrevistando semanalmente uma pessoa diferente que conhece muito sobre o tema.

>> Por que é importante?

Quanto menor e mais frequente for a ação que você conseguir “recortar” a partir da sua prioridade, mais chances você tem de ser consistente ao longo do tempo. Por mais que um ou outro conteúdo que se tornou viral ouse lhe dizer o contrário, o sucesso ainda é fruto de pequenas ações sendo sustentadas continuamente no tempo. Como aprendi com meu amigo André Camargo, “leva 10 anos pra fazer sucesso da noite pro dia”.

A vida hoje nos faz sucessivos convites que nos levam à distração e à falta de consistência. E é justamente por isso que a frase de James Clear faz tanto sentido: em muitos casos, o principal caminho para ser bem-sucedido é persistir fazendo a “coisa razoável” por tempo suficiente

Em tempos de atenção despedaçada, quem tem consistência é rei.

alex - O motivo oculto da falta de consciência 

Alex Bretas é escritor, palestrante e uma das principais referências em aprendizagem autodirigida.    É coautor do livro Core Skills: 10 habilidades essenciais para um mundo em transformação e um dos criadores do Learning Sprint, método de aprendizado autodirigido para grupos em empresas. Depois de completar um “doutorado informal” sobre novas formas de aprendizagem e publicar diversos livros na área, Alex tem se dedicado a criar comunidades digitais e palestras em eventos, TEDx, ITA, Museu da Amanhã e outros. É fundador do Masters of Learning (MoL), a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil.

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