Por Irina Kaleda

 

Estreio este relato “Jornadas Profissionais” compartilhando com você, leitor da EA Magazine, a minha história de migração para o Brasil. E começo com uma pergunta que sempre me fazem: “- Você não é brasileira?” Quando conheço uma nova pessoa esta pergunta sempre acontece depois de uns dez minutos de conversa. Moro no Brasil desde os 22 anos e, apesar de falar português com fluência, o meu sotaque em alguns fonemas ainda me entrega. Apesar disso, poucas pessoas conseguem adivinhar a minha origem – sou russa, de uma cidade muito pouco conhecida. E vou contar para você sobre ela.  

É interessante, mas, de um país tão grande quanto o meu, apenas duas cidades são amplamente conhecidas, Moscou, a capital e maior cidade e São Petersburgo. A minha cidade natal se chama Kaliningrado e fica no oeste da Rússia, às margens do mar Báltico, Ela tem uma característica bastante peculiar, é um enclave que não possui fronteira terrestre com a “Rússia grande”. 

Originalmente alemã, quando era chamada de Königsberg, ela foi cedida para a Rússia como parte do acordo de Potsdam depois da Segunda Guerra Mundial.  

Região natal do filósofo Kant e maior produtora de âmbar do mundo, ela possui quase um milhão de habitantes que vieram originalmente de todas as regiões da Rússia, criando um interessante mosaico de culturas para o cidadão típico. 

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Minha cidade Natal, Kaliningrado

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e suas praias do Báltico

A arquitetura de minha cidade é caracterizada pela mistura de construções históricas alemãs e o planejamento urbanístico soviético, possuindo ainda diversos fortes e castelos históricos, além de atrações tradicionais, como o zoológico, o jardim botânico e diversos parques, muitos de origem alemã.  

Recentemente a cidade se tornou um destino doméstico bastante procurado, atraindo visitantes durante o ano inteiro. As suas praias no Báltico são especialmente populares, como por exemplo o Istmo da Curlândia, uma reserva natural com florestas espetaculares e dunas autênticas. 

Por ser muito próxima dos países do Oeste Europeu e possuir unidades industriais estrangeiras, a cidade é mais cosmopolita do que outras do mesmo tamanho na Rússia, e isso contribuiu para que eu me adaptasse à vida de expatriada, inicialmente nos Estados Unidos, e finalmente no Brasil. 

A característica mais universal dos expatriados é a busca de comunidades de conterrâneos para criar uma rede de suporte e reduzir o estresse relacionado às mudanças.   

Embora extremamente confortáveis, essas comunidades acabam atrasando ou até impedindo a plena integração ao novo país. Por sorte ou por azar a cidade que eu vim morar inicialmente não contava com muitos russos naquela época, e isso me obrigou a interagir mais com brasileiros e, consequentemente, me aprofundar na cultura brasileira. 

Isso não significa que a transição ocorreu sem desafios. O maior deles, no primeiro momento, era relacionado com o meu emprego.  

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Praça Vermelha deserta na pandemia

Sou economista de formação, e na Rússia trabalhava no sistema financeiro, porém em um sistema completamente diferente e sem falar o idioma português, tive que procurar outro mercado para me recolocar, recomeçando minha carreira do zero. 

Enquanto aprendia o idioma, eu lecionava inglês para brasileiros, até o momento no qual me senti segura para começar uma pós-graduação em Marketing – que acabou sendo um pequeno choque cultural para mim.  

O jeito de ensino é muito diferente do que eu estava acostumada, menos formal e muito descontraído.  

Enquanto na Rússia o professor possui uma posição hierárquica em relação aos alunos, percebi que no Brasil os alunos se sentem em igualdade, frequentemente interrompendo para perguntas a qualquer momento, sem esperar o final da aula.  

Essa atmosfera tão característica das interações brasileiras me impressionou.  

Hoje, sou praticamente uma embaixadora dessa abordagem, explicando para empresas estrangeiras que querem entrar no mercado brasileiro as suas peculiaridades culturais e profissionais. Essa vivência me ensinou que adaptação vai muito além de aprender o idioma ou conhecer regras. 

É sobre observar, se conectar e aprender com o cotidiano de um novo país. 

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São Paulo, a maior metrópole do Brasil

Com este estágio para trás, tive uma feliz experiência como proprietária de um pequeno varejo de moda infantil. Esta foi a escola mais profunda que tive na cultura empresarial e pessoal brasileira, entendendo como interagir com fornecedores, o sistema de impostos e, principalmente com clientes. Embora muito gratificante, tive que interromper o meu negócio durante a pandemia, que praticamente sufocou o varejo de rua. Tudo parou, no Brasil, no mundo, na Rússia. 

Em um discurso emblemático para formandos da Universidade de Stanford normalmente referido como “Conectando os Pontos”, Steve Jobs menciona como as diversas experiências que ele teve na vida, mesmo sem um objetivo pré-definido, acabaram montando o seu caráter e levando a criação do seu produto e de sua empresa. 

Esse pensamento não poderia ser mais verdadeiro para mim. Hoje trabalho em uma empresa global de produtos de tecnologia, na área de marketing, e consigo compreender o quanto cada uma das minhas experiências de vida contribuiu para formar o meu perfil e ajudar no meu trabalho.  

Vou continuar esse meu relato para você leitor, contando em breve, como hoje sou essa “conexão de pontos” entre os dois países que abracei como meus: Rússia e Brasil.  

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Irina Kaleda atua há mais de 10 anos no mercado brasileiro conectando empresas russas a novas oportunidades, ajustando estratégias e culturas organizacionais. Com formação em Economia e Marketing, sua experiência profissional mescla jornadas empreendedoras com consultoria de go-to-market e integração intercultural. Atualmente, é responsável pela introdução no mercado brasileiro de projetos de tecnologia e serviços. Colunista EA “Mundo Expat”. 

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