RANKING AUTORES EA | 4º LUGAR | JAN 2022

Cultura de startup na publicidade | José Eustachio  

 

EA – Depois de 41 anos de Talent, o que se propõe a entregar com sua empresa de consultoria?
Eustachio A proposta da Ocean é colaborar com empresas, nos mais diversos segmentos de negócios, para aumentar a sua capacidade competitiva em um ambiente que está em mutação permanente, fruto de um conjunto de fatores, até então, inéditos para todas as empresas indistintamente. Nesse contexto, todas as empresas estão sendo chamadas a rever o seu modelo de negócio, incluindo os conteúdos que suas marcas carregam, conceitos, posicionamentos e estratégias mercadológicas. Acredito que por meio da Ocean eu possa agregar para desenvolver marcas dominantes aderentes a esse novo cenário. 

EA – A Ocean nasce como negócio colaborativo. É seu entusiasmo com o modelo de startups?
Eustachio É voz corrente que a complexidade da realidade na qual vivemos hoje demanda respostas diferentes daquelas que funcionavam até um passado recente. Todos os estudos e dados, comprovam que a diversidade, talentos multidisciplinares, squads formados por competências internas e externas, processos ágeis e fluidos, a quebra de muros entre áreas, geram muito mais resultados. 

A cultura das empresas vencedoras é a das startups, que quebrou o paradigma das hierarquias monolíticas, e estabeleceu a inteligência colaborativa como acelerador do seu crescimento, sem preconceitos se essa inteligência está dentro de casa ou virá por meio de terceiros.            

“Esse é um modelo muito mais excitante para se estar, é altamente motivador, democratiza o senso de dever ao mesmo tempo em que socializa o sentimento de realização.” 

EA – Como foi essa sua jornada – De Talent para a Ocean?
Eustachio O lançamento da Ocean foi ato contínuo ao término da minha história na Talent, não aconteceu o famoso sabático. O meu processo de fim de ciclo com a Talent foi planejado e implementado de forma gradual, sem movimentos abruptos e rupturas. Em toda a minha vida sempre preservei relações que se baseiam na transparência, respeito entre as partes e busca dos interesses comuns. Felizmente esses também são princípios praticados pela Talent, então tudo aconteceu de maneira harmoniosa e tranquila. 

Coerente com o meu princípio de lealdade, somente comecei a formatar a Ocean após o término da relação com a Talent ter se efetivado totalmente. Porém, na medida em que dei início a concepção da Ocean, tudo se desenrolou de maneira natural, rápida e consistente. Desde a sua proposta de valor, texto manifesto, marca, presença nos canais digitais, e o seu lançamento oficial, transcorreram-se apenas 90 dias. 

“Penso que quando você acredita de forma autêntica em uma ideia, o espírito empreendedor se faz presente em todo o seu potencial para torná-la realidade.” 

EA – Você construiu reputação na publicidade, recebeu 3 prêmios Caboré. O que te desafia hoje no mercado?
Eustachio Na realidade minha área de interesse tem sido o estudo do comportamento humano, seus aspectos objetivos, mas principalmente os de ordem emocional, eles que acabam por determinar os mecanismos de decisões e escolhas. Não importa a natureza do negócio, no fim da linha tem uma pessoa com todas as suas ansiedades, carências, repertório pessoal, expectativas, portanto é fundamental gostar de gente e procurar entender de que maneira a sociedade está se movendo, e como isso acaba criando valores, crenças, motivações. 

EA A Comunicação de marca está sabendo dialogar com os consumidores?
Eustachio Quando a sociedade muda ela gera uma nova cultura, no sentido latu senso, e é essa nova cultura que empresas e marcas precisam entender, decodificar, para atuarem em consonância com o ambiente no qual estão inseridas, caso contrário não conseguirão dialogar com a sociedade e os diversos grupos que a constituem. Manter a sensibilidade como estudioso e observador do comportamento humano, sem carregar clichês e visões pré-concebidas é a primeira providência para que minhas contribuições sejam úteis e relevantes. 

Outro aspecto, tão importante quanto, é diagnosticar como a tecnologia e as possibilidades que traz consigo está impactando na maneira como as pessoas estão vivendo, como influencia nas dinâmicas dos relacionamentos e cria vínculos, engajamento e por consequência relações comerciais. Em uma síntese: people&tech, essa é a nova fronteira.  

EA – Dos reclames publicitários à era das redes sociais, como gerar relevância para uma agência de comunicação?
Eustachio Antes de qualquer outra coisa é fundamental não perder o senso de finalidade, ou seja, a comunicação em todos os formatos que pode ser praticada somente se justifica se estiver a favor das estratégias de negócios de empresas. Apesar do meu grande interesse pelo comportamento humano desenvolvi o gosto por ler sobre negócios, analisar números e relatórios de performance, estabelecer metas e objetivos mensuráveis.  

“Existe uma percepção equivocada que profissionais de comunicação estão alienados do business, eu defendo que não só é possível como essencial ter coração de artesão e cabeça de empreendedor.” 

EA – Você nos fala sobre a “síndrome de atenção”, qual a relevância disso no mercado de marcas?
Eustachio Sim. É um ponto extremamente sensível, o que eu chamo de “síndrome de atenção”. Explico, mais produtos e serviços morrem precocemente não por falta de qualidade, pertinência, ou por não praticarem uma política de preço acertada, mas porque aos olhos das pessoas simplesmente permanecem invisíveis. As empresas alocam tempo e energia em P&D, desenvolvem cadeia de fornecedores, investem em linhas de produção, sistemas, logística,  , embalagem, para ao final o produto ou serviço sequer ser percebido pelas pessoas. 

Hoje o nome do jogo é share de atenção, as pessoas já têm muito com o que se preocupar, interesses pessoais a serem atendidos, para dedicar tempo ao que as empresas estão falando. A comunicação sempre será necessária e valiosa, desde que seus players se habilitem para gerar atenção. De uma forma bastante direta, o nosso output é atenção. 

EA – Por décadas, você̂ vivenciou um mercado de muito glamour, a publicidade. Por que este modelo fez tanto sucesso?
Eustachio A atividade da publicidade sempre terá mágica, comunicação que não mexe com o imaginário das pessoas, que se limita ao funcional, tem caráter tático, pode até ter efeito pontual, mas não constrói vínculos emocionais. As marcas mais duradouras e que atuam no segmento de valor, são aquelas que encantam, seduzem, inteligentemente descobriram que entreter, provocar um sorriso, uma reflexão, compartilhar uma história, tem mais poder de atração do que a gélida exposição de atributos funcionais. Quando entendida dessa maneira, a atividade da publicidade adquire um certo magnetismo. 

EA – Uma aproximação conceitual entre a criação publicidade e arte em si.
Eustachio Sim. Há também que se considerar que até não muito distante, pela ausência de formação acadêmica formal na área, a publicidade buscava seus talentos entre artistas plásticos, escritores, jornalistas, cineastas, compositores, músicos, mix que resultou em um espírito, leve, ousado, criativo, um universo colorido e trendsetter. Essa publicidade criou, no Brasil e no mundo, campanhas memoráveis, jingles, personagens, slogans, marcas iconicas, que transcenderam a sua condição de propaganda para se tornar parte da cultura de gerações,    

Por tudo isso, é natural que em um momento no qual o mundo corporativo era mais cinza e sisudo, a publicidade ganhasse relevo. Como deve ser em toda atividade, a publicidade tem se transformado ao longo do tempo, em alguns aspectos muito evoluiu, em outros talvez devesse retomar um pouco da sua essência. 

EA Você é mentor em um ecossistema de inovação empreendedora, a Endeavor.                                O empreendedorismo brasileiro inova em quê?
Eustachio É fato, há 17 anos tenho tido o prazer de fazer parte do time de mentores da Endeavor, uma entidade que realiza de maneira admirável a missão de promover e apoiar o empreendedorismo. O Brasil tem se revelado uma boa surpresa como um dos países no mundo de maior potencial empreendedor.

São muitas as iniciativas reconhecidas globalmente como referência de visão inovadora, potencial de crescimento, impacto social positivo e capacidade de execução. O empreendedor brasileiro tem uma capacidade de adaptação impressionante, tem resiliência para ir modelando o business na medida em que as condições se alteram, oportunidades surgem.

Eles assumem risco na medida certa, não se assustam facilmente, e estão no modo aprendiz eternamente, se acomodar jamais. 

“Se tem um ponto que precisamos acelerar para corrigir é a baixa presença de mulheres como fundadoras e líderes de startups, mas tenho certeza que em alguns anos o quadro já será outro.” 

EA – Startups vão tirar da liderança de mercado, empresas players? Qual a contribuição do modelo para os negócios tradicionais?
Eustachio A maior ameaça para as empresas chamadas tradicionais, ou incumbentes, é a sua própria resistência ou incapacidade de transformar ou evoluir o seu modelo de negócio. Costumo dizer que a idade da pedra não acabou por falta de pedra. Muitas empresas irão deixar de existir não por falta de recursos, mas pela sua irrelevância e inconveniência.  

Certamente que a contraposição das startups, com modelos que se tornaram arcaicos, explicita ainda mais o estado de irrelevância e inconveniência de algumas empresas dominantes em seu segmento de atuação.  

No entanto, quero registrar que um grande número empresas chamadas tradicionais estão implementando com muito sucesso processos de transformação, de maneira equilibrada, preservando seus diferenciais que sempre terão valor para as pessoas ao mesmo tempo que trazem novas inteligências. Nesse sentido o advento das startups tem servido ao mundo corporativo de um lado como desafiantes, e de outro como fonte de pensamento inovador. 

EA – Empresas players estão sabendo utilizar as redes sociais?
Eustachio Não tenho formação para opinar tecnicamente a respeito, mas do ponto de vista conceitual creio que estamos hoje melhores do que ontem, mas ainda distantes de atuar com visão estratégica e consistência. Identifico que o senso de urgência em estar presente nas redes sociais, ou nas mídias digitais de maneira geral, precipita uma atuação pouco estruturada, em alguns casos confusa, fica difícil de se identificar exatamente o propósito.   

“Esse comportamento não se restringe ao que você denomina empresas players, mas também é perceptível entre as entrantes ou nativas digitais.” 

Considero como natural que assim seja, estamos em processo de aprendizado, novos recursos e possibilidades surgem com velocidade violenta, certamente a cada dia iremos evoluir e ganharemos maturidade no digital. 

EA – Uma vida ao lado de Júlio Ribeiro, um dos mais carismáticos publicitários brasileiros.
Nos conte como conheceu Júlio e como se conectou a ele.
Eustachio Conheci o Júlio por meio de um amigo comum que promoveu a nossa aproximação no ano em que a Talent foi fundada. O conceito que o Júlio havia criado para a Talent era extremamente inovador e ousado, antecipando o que seria hoje uma startup. Naquele momento eu trabalhava em uma das dez maiores agências do mercado e a Talent praticamente não tinha clientes, mas as ideias sempre me seduziram mais do que a o conforto do estabelecido, o espírito empreendedor falou mais alto e comprei de imediato e de forma incondicional o projeto Talent. 

“No início tivemos que nos ocupar em administrar, prospectar, planejar, criar, fazer o atendimento aos clientes e até mesmo a estratégia de mídia. A possibilidade de iniciar um negócio do zero, com recursos limitados, me proporcionou uma visão macro sobre o que é tocar uma empresa.” 

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Titãs da publicidade brasileira, Eustachio, Júlio Ribeiro e Washignton Olivetto (da esquerda para a direita)

Em todos os anos em que estivemos juntos passamos por alguns perrengues, como é natural em toda empresa, mas nunca negociamos os nossos princípios e valores, sempre superamos as fases difíceis sem perder o ânimo e, no computo geral, os momentos de comemoração prevaleceram. 

Tenho muito orgulho da minha história na Talent e grande gratidão ao Júlio, ter tido a oportunidade de conviver com ele foi um privilégio.

EA – O que fez você ficar décadas trabalhando em uma única empresa? Foi o Júlio?
Eustachio Um conjunto de fatores contribuiu para isso e a relação estimulante e coincidências de valores e propósitos que compartilhamos certamente teve um grande peso. Apesar desse longo tempo a minha trajetória foi muito dinâmica, evolutiva, nunca senti tédio, nunca senti que estava me acomodando ou repetindo fórmulas, então é como se a cada dia estivesse iniciando novamente, aprendendo.  

Apesar de não abrir mão da essência que deu origem a agência, ao longo dos anos, ela evoluiu, se renovou, um número enorme de talentos contribuiu para o seu sucesso, fazendo com que a Talent se mantivesse vibrante e competitiva, como ela é  no momento presente. Como disse anteriormente, eu comprei um projeto e não um emprego. De mais a mais, quando me tornei sócio a perspectiva mudou para perenizar o negócio criando condições propícias para a nova geração de lideranças. 

EA – Você̂ é um profissional 50+ e muito se fala hoje no potencial da economia prateada. As empresas estão prontas para contratar profissionais com mais de 50 anos?
Eustachio Os indicadores do mercado de trabalho não mostram isso. As consultorias de seleção e colocação de talentos tem sinalizado sobre a importância de valorizar e incluir profissionais acima dos 50 anos. Talvez em posições muito especificas, de alta gerência e C Level, existam mais posições. Outros grupos que representam importantes segmentos da sociedade também carecem de maior atenção e oportunidades, mas quero acreditar que é uma questão de tempo para que a diversidade seja praticada largamente e de forma genuína. 

EA – Quais as condições para que uma empresa possa ter relevância, reputação e autoridade no consumo de marca, com tudo canalizado hoje nas redes sociais?
Eustachio Existe uma frase que diz o seguinte: “gosto do que você faz, mas admiro como você pensa” para mim essa é uma boa síntese de como as pessoas estão começando a avaliar as marcas. Se em tempos recentes o que predominava era o aval da marca enquanto chancela de qualidade ou atribuição de significado extrínseco, a imagem de marca, hoje já podemos observar um movimento crescente e consistente no sentido de cobrar da marca corporativa ou das marcas de produtos, como elas pensam em relação a temas que são caros a sociedade. 

“Quanto as redes sociais, se bem administradas podem ter importante papel como espaço de interação entre marcas e pessoas, ou ser um fator de propagação de ruído e dissonância.” 

Esses temas são muitos, por essa razão vou resumir nas três letras ESG, que em nosso idioma abrange, meio ambiente, responsabilidade social e boas práticas de governança.

EA – As empresas estão fazendo a lição de casa nesse contexto da governança?
Eustachio A adoção do ESG como parte estrutural do negócio é um processo complexo, que demanda tempo, aprendizado, muita energia alocada, instalação de uma cultura que permeei, de forma autêntica, todo o negócio, mas o mundo está caminhando nessa direção. 

Merece atenção entretanto que, independente do tamanho da empresa e recursos disponíveis, é viável trabalhar reputação de marca. Muito do básico ainda há por fazer, em especial quando falamos de respeito e consideração pelas pessoas, políticas e atitudes de valorização das relações da marca e seus públicos. O básico realizado com convicção e consistência, gera valor percebido. 

EA – É exponencial o crescimento do marketplace no Brasil, por que este new varejo está dando tão certo?
Eustachio Volto aqui a questão das mudanças comportamentais, hábitos e atitudes. A natureza humana é programada para procurar por tudo o que gera gratificação, quando vivemos uma experiência prazerosa queremos repeti-la. Fazer uma compra em um marketplace representa acesso a centenas de milhares de marcas, milhões de produtos, sonhar, a possibilidade de comparar especificações entre produtos e preços, simular uma compra, por no carrinho e desistir sem ter que se justificar, não existe limite de dia ou horário, ganha bônus, cashback, pode fazer tudo isso sozinho ou se divertindo junto com outras pessoas, pelo celular, tablete, ou computador, de maneira conveniente e ainda receber na porta de casa e em muitos casos o frete é grátis.  

Agora é você quem está no poder, é gostoso ou não?Soma-se a isso a evolução da cultura digital das pessoas e o evento da pandemia que fechou lojas físicas e restringiu a circulação. É uma química explosiva” 

EA O que diria para um recém-formado de publicidade que deseja trabalhar em uma agência? Lembramos aqui do ritual de passagem de jovens criativos com portfolios, sendo recebidos pela área de criação nas agências. Talento ainda é tudo?
Eustachio O talento sempre fará a diferença, mas não é tudo. É preciso ter curiosidade pelas coisas, se encantar por buscar novos ângulos, a visão original em cada situação que estiver vivenciando, ter mais perguntas do que respostas e melhor ainda, saber fazer as perguntas certas. Não se deixar levar pelo pensamento da maioria, ou realizar o seu trabalho protocolarmente, escutar é um ato de sabedoria, aprender sempre, conhecimento nunca é demais, seja útil para alguém e você sempre será procurado. 

 

foto BIO - Cultura de startup na publicidade

José Eustachio é graduado em Propaganda e Marketing, especialista em gestão de marcas. Com uma trajetória de 4 décadas no negócio de propaganda. Foi sócio da Talent e atualmente fundador e CEO da Ocean. Desenvolveu projetos de comunicação para marcas como Brastemp, Ipiranga, Tigre, Claro, Net, entre outras. Por 3 edições vencedor do Prêmio Cabore como Profissional de Planejamento do ano. Faz parte do grupo de mentores da Endeavor há 17 anos e também atua como Board Member em empresas já estabelecidas e startups. 

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