Por Thais Freitas
A síndrome Burnout ou síndrome do esgotamento profissional tem sido amplamente discutida apenas como um adoecimento relacionado à sobrecarga no trabalho. Essa síndrome vai muito além da exaustão física e mental, ela é emocional e até existencial.
A Organização Mundial da Saúde reconheceu a síndrome Burnout como um fenômeno ocupacional em 2019, incluindo-a na décima primeira revisão da Classificação Internacional de Doenças CID – 11. Significa que as condições no trabalho têm um impacto decisivo no desenvolvimento da síndrome.
Neste artigo para a EA Magazine, vou explorar o Burnout sob uma perspectiva psicológica, com base nas pesquisas de Christina Maslach, PhD, referência no assunto[1]. Vamos juntos desvendar os seis fatores do ambiente de trabalho que desempenham um papel fundamental para um estado de exaustão e adoecimento, que pode levar ao colapso emocional, físico e existencial chamado Burnout.
1. Alta demanda e poucos recursos
Se você está com excesso de tarefas, responsabilidades, pressão por resultados, dupla função, muitas demandas e poucos recursos para a realização do trabalho tais como prazos curtos, informações insuficientes, falta de logística e recursos materiais, cuidado! Todos esses fatores geram altos níveis de estresse.
Aqui estamos falando de recursos tangíveis e intangíveis. Esse é apenas o primeiro passo que contribui para o desenvolvimento do Burnout.
2. Baixa valorização profissional
Saber que o seu trabalho tem valor é um dos fatores mais importantes para engajamento e satisfação profissional. Isso inclui práticas que demonstram genuíno reconhecimento pelo esforço e dedicação, como feedback construtivo, reconhecimento público, promoções baseadas em mérito, gratificações alinhadas ao desempenho e planos claros de ascensão de carreira. Aqui englobamos salário, benefícios e reconhecimento.
Quando essas recompensas são insuficientes ou inexistentes, mesmo os profissionais que amam o que fazem podem perder a motivação, sentir-se desvalorizados e questionar o significado da própria jornada profissional, impactando negativamente seu engajamento e bem-estar.
3. Falta de autonomia
Muitas responsabilidades com baixos níveis de autonomia geram um desgaste diário quase imperceptível, especialmente em posições de liderança. Isso acontece geralmente quando seus gestores são altamente controladores, fazem microgestão ou não te envolvem em decisões ________________________ pertinentes ao seu trabalho. A sensação de ser controlado em situações desnecessárias tem um impacto decisivo na insatisfação e queda de desempenho.
A autonomia na realização de algumas tarefas e decisões compatíveis com o cargo são importantes para expandir a autoeficácia e realização no trabalho.
4. Conflitos e falta de colaboração
Um ambiente de trabalho permeado por conflitos, abuso de poder, competitividade destrutiva, fofocas, bajulação, onde não há espírito de colaboração, apoio, confiança, comunicação clara, pode ser altamente tóxico e desgastante, concorda? Essas relações desgastantes geram um sentimento de exaustão à medida que as pessoas lutam para encontrar conexões positivas, validação, reconhecimento, senso de pertencimento.
Um ambiente de conflitos e falta de colaboração prejudica a conexão social, o senso de pertencimento, validação, trazendo uma sensação angustiante de falta de segurança, indiferença e de estar à deriva.
5. Tratamento injusto
O tratamento injusto pode acontecer de diversas formas: preconceito, discriminação, assédio, hostilidade interpessoal, favoritismo e oferecimento de oportunidades desiguais. Isso pode ser na relação com seu chefe direto ou de forma mais abrangente no ambiente de trabalho. Muitos profissionais também podem experimentar esse tratamento injusto no atendimento aos clientes, inclusive autônomos e empreendedores, enfrentando esse tipo de desgaste diariamente.
Esse sentimento de injustiça gera falta de confiança, indignação e impacta diretamente a sua relação com o trabalho desencadeando insatisfação e estresse emocional.
6. Incompatibilidade de valores
A percepção que os seus valores são incompatíveis com os valores da empresa ou do mercado que você atua gera dilemas internos que levam a altos níveis de estresse. Isso é válido também para autônomos e empreendedores. Se você se encontra trabalhando de maneiras que contradizem seus valores ou crenças fundamentais, isso pode levar a uma profunda sensação de desconforto e contribuir para uma exaustão que vai muito além de uma exaustão mental: trata-se de um esgotamento existencial.
O que pode desencadear uma crise de sentido e significado no trabalho, mesmo para aqueles que a princípio gostam da sua profissão.
Muito além da sobrecarga de trabalho, o Burnout bate à porta quando há falta de identidade e significado. A ausência de sentido é devastadora e pode fazer com que você experimente uma falta de rumo e conexão entre as coisas levando à tristeza, ansiedade, sensação de desamparo, vulnerabilidade, abandono e ao limite da exaustão em todos os níveis.
Um trabalho preenchido de significado traz uma sensação subjetiva de senso de direção, integração, conexão com as pessoas, senso de coerência à vida.
Um trabalho que reflete a sua identidade pessoal, que você possa expressar as suas forças, talentos, potencialidades contribui para elevar a autoestima, a realização profissional e pessoal.
As forças de assinatura são um dos conceitos mais pesquisados e praticados na psicologia positiva. Dr Martin Seligman[1] precursor da psicologia positiva e Dr Ryan Niemiec[2] são as maiores autoridades do mundo na ciência das forças de caráter. Eles e um grupo de pesquisadores categorizaram 24 forças ligadas a seis virtudes humanas: temperança, humanidade, sabedoria, coragem, justiça e transcendência.[3]
As pesquisas foram realizadas em diversas culturas ao redor do mundo, incluindo grupos étnicos do Kênia, povos indígenas que vivem no Canadá e no Alasca. Não se trata de um recorte ocidental e sim de uma pesquisa transcultural.
Essas pesquisas científicas revelam que baixos níveis de utilização das forças na vida diária geram desengajamento, desmotivação, perda do senso de identidade, declínio do bem estar geral, desempenho abaixo do potencial, maior vulnerabilidade e estresse.
As forças de caráter são essenciais para a compreensão de quem somos e para o desempenho comportamental. Empregar as suas forças mais altas nas atividades profissionais eleva as emoções positivas e os benefícios incluem: um senso de apropriação e identidade, entusiasmo e revigoramento ao invés de exaustão. Quando temos oportunidade de dar vazão às nossas forças experimentamos sentimentos de alegria, entusiasmo e até êxtase em algumas atividades.
O estresse crônico é diferente da síndrome Burnout e este é um aspecto decisivo para o tratamento.
Escrevi este artigo movida pela necessidade de trazer clareza, pois percebo uma grande glamourização e pouca informação relevante sobre o assunto. As pessoas precisam prevenir ou buscar tratamento. As empresas precisam repensar de forma urgente as práticas de gestão. O Burnout leva as pessoas a uma crise de sentido e identidade severa. Tenho clientes em posições de liderança, com alta reputação, salários expressivos que ainda assim sentem-se exauridos, infelizes e lidam com dilemas profundos relacionados ao trabalho.
Nas mentorias já escutei “parece que meu trabalho não tem valor, mesmo me dedicando ao máximo”. Este executivo, responsável por uma equipe de cem pessoas, apesar de ser premiado por seu desempenho, relatava trabalhar em um ambiente no qual a mensagem constante durante anos era que todos poderiam ser substituídos a qualquer momento.
Ouvi de outra cliente muito frustrada: “será que para ter mais ascensão eu preciso ficar bajulando meu chefe? Vejo isso acontecer na empresa há anos. Vai totalmente contra quem eu sou e que acredito.” Com um planejamento cuidadoso ela fez uma revisão de carreira, preparou-se para pedir demissão de uma multinacional e hoje atua como consultora, sente-se mais realizada e afirmou que ___________________ um dos fatores decisivos foi perceber que quase todos os seus colegas estavam adoecendo, estressados, medicados e esgotados.
[1] Christina Maslach é especialista e pioneira em pesquisa sobre esgotamento profissional. Ela é uma psicóloga social americana e professora emérita na UC-Berkeley, ela também é a criadora do Maslach Burnout Inventory (MBI).
[2] Martin Seligman Ph.D., conhecido mundialmente como fundador da psicologia positiva, professor da Universidade da Pensilvania. Já foi Presidente da APA – American Psychological Association (APA).
[3] Dr Ryan Niemiec psicólogo e um cientista comportamental com o título de Chief Science & Education Officer no renomado VIA Institute on Character, uma organização sem fins lucrativos em Cincinnati, Ohio, que lidera o avanço global da ciência das forças de caráter.
[4]As 24 forças são:
criatividade, curiosidade, discernimento, amor ao aprendizado, perspectiva, bravura, perseverança, honestidade, entusiasmo, amor, generosidade, inteligência social, trabalho em equipe, imparcialidade, liderança, perdão, humildade, prudência, autocontrole, apreciação da beleza e excelência, gratidão, esperança, humor, espiritualidade.
Outra história que me marcou foi de uma cliente que iniciou na mentoria e foi acompanhada por mim em psicoterapia. Ela tirou um período sabático de um ano para cuidar da sua saúde. Desabafou sobre sua chefe:
“Era horrível sentir que a pessoa está contra você, te ataca, desacredita no seu trabalho. Isso me afetou bastante, tenho medo de ter que lidar com isso novamente. Nem consigo cogitar por enquanto passar por uma entrevista de emprego. Tudo isso me adoeceu, por mais que eu quisesse mudar não era possível. Fiquei à mercê daquilo, refém, vulnerável.”
Realizamos um processo completo de acompanhamento psicológico e orientação de carreira, incluindo preparação para as entrevistas de emprego. Hoje trabalha em uma empresa na qual sente-se respeitada. Avalia que as práticas de gestão são mais compatíveis com os seus valores. Sente-se muito bem e a remuneração é superior.
Veja esse depoimento comovente de uma cliente com Burnout:
“Conheci Dra.Thaís através da indicação de uma amiga. Me encontrava em um momento pessoal e profissional delicado e desafiador. Decisões para serem tomadas e um diagnóstico de Burnout com sintomas muito presentes. Em um primeiro momento foi minha Mentora onde contribuiu de maneira significativa para o encerramento de um ciclo que durou mais de 31 anos. Após o processo de mentoria, iniciamos o processo terapêutico com o objetivo da busca pela saúde emocional. Profissional dedicada e que pratica o “Life Long Learning”, me trouxe vários insights que me ajudaram a enxergar e aceitar as minhas sombras e explorar melhor as minhas potencialidades. Ela foi um farol para um barco que estava à deriva e muito sem rumo. Obrigada por tanto. Obrigada por trazer conhecimento com alma para os processos de Mentoria e Psicoterapia. Que bom que a minha metamorfose foi com a sua orientação.”
Para evitar o Burnout é importante ter em mente um conjunto de fatores que trazem sentido para a sua jornada. Criar relacionamentos positivos e sentir que não está sozinho, é fundamental.
Constatar que seus valores são compatíveis com os valores dos líderes e colegas. Para autônomos e empreendedores pense nos parceiros, sócios e clientes. Exercer sua vocação e ter um trabalho que permite ativar todo o seu potencial profissional. Trabalhar em prol de uma causa e sentir que seu trabalho importa e tem relevância.
Este conjunto de fatores, além de preservar a sua saúde, eleva seus níveis de satisfação e engajamento.
Ser promovido, concluir um curso, expandir seus conhecimentos, ser reconhecido por um projeto que você lidera, trabalhar em equipe ou exercer a liderança são marcos importantes na carreira. No entanto, não devem ser apenas metas impostas pelas expectativas externas. Quanto mais as suas conquistas estiverem alinhadas aos seus próprios critérios de sucesso, maior será o seu senso de direção, significado e realização. A sua jornada precisa ter a sua marca pessoal e ser reflexo do que você valoriza.
Fontes:
KELLERMAN, Gabriela Rosen; SELIGMAN, Martin. A mente do amanhã: como alcançar sucesso no trabalho com resiliência, criatividade e conexão em um futuro incerto?. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2024.
MASLACH, Cristina. American Psychological Association. Why we’re burned out and what to do about it. Youtube, 28 de jul. de 2021. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=oQy1Zc37Bd0
NIEMIEC, Ryan M. Intervenções em forças de caráter: um guia de campo para praticantes. São Paulo: Hogrefe, 2019.
World Health Organization. Burnout an “occupational phenomenon”: International Classification of Diseases. 28 de maio 2019. Disponível em:
https://www.who.int/news/item/28-05-2019-burn-out-an-occupational-phenomenon-international-classification-of-diseases
Thais Freitas é consultora e mentora na área de Carreira e Liderança. Psicóloga com MBA pela Fundação Getúlio Vargas. Ajuda profissionais e líderes a serem protagonistas e líderes de si mesmos. Autora do livro “O frescobol da Liderança”. É autora EA desde 2022.
https://www.linkedin.com/in/thaisfreitaslideranca/
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