JORNADAS PROFISSIONAIS 5 | Hugo Baraúna

 

Tem uma pergunta boa que aprendi no curso do Khe Hy:

O que te trará paz e felicidade duradouras? Será aquela promoção no trabalho? Ou o relacionamento com as pessoas que você ama?

Um estudo científico de Harvard feito ao longo de 75 anos explorou esse tema.

A pergunta feita pelo estudo foi:

“O que nos mantém saudáveis e felizes ao longo da vida?”

No TED Talk sobre esse estudo, o professor começa falando:

Em uma pesquisa recente com a geração do millennials, perguntaram a eles quais eram seus objetivos de vida mais importantes. Mais de 80% disseram que um dos principais objetivos de sua vida era enriquecer. Outros 50% deles disseram que outro objetivo importante na vida era se tornar famoso.

Porém, depois de 75 anos de estudo, eles descobriram que a resposta não seria riqueza, fama ou trabalhar cada vez mais. O que eles concluíram foi:

O que nos mantém saudáveis e felizes ao longo da vida?

Bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis. Mais uma vez, quando a gente lê sobre isso, pode parecer óbvio e fazer sentido. Alguém pode dizer: “isso eu já sabia!”. Porém, lembra da diferença entre a pessoa intelectual e a pessoa sábia? Como o sabático é um período de calma, ele é uma condição mais favorável para que você possa deliberadamente buscar ser mais sábio, não só mais intelectual. Ou seja, alinhar suas atitudes com seu conhecimento, para entre outras coisas, ter paz e felicidade duradouras.

Quando o sabático deve acabar?

Essa foi uma pergunta que fiz pra mim: “quando devo terminar o meu sabático?”.

Uma das respostas mais diretas é quando acabar o dinheiro. Você se planejou e separou dinheiro para isso, mas uma hora ele acaba né. Você pode até fazer um pouco de “trabático” (trabalho + sabático), o que vai te ajudar a gerar um pouco de renda para estender o seu sabático. Isso pode aliviar um pouco a questão financeira, mas existem outros motivos também para terminar um sabático.

Lembra que  sabático é um misto de período de calma, tédio e oportunidade? Se no seu sabático você está tendo tédio demais e calma e oportunidade de menos, talvez seja hora terminá-lo. Porém, atenção, porque o tédio é natural durante o sabático. E é dele que pode nascer uma espécie de “ócio reflexivo e criativo” que vai te ajudar a se desenvolver como pessoa de um modo diferente que aconteceria em uma rotina padrão.

Lembre que nós não fomos treinados para lidar com o tédio, fomos treinados para lidar com a “vida correria”. Naturalmente nossa mente vai procurar coisas para se ocupar e direcionar sua atenção.

A ideia é conseguir identificar quando o sabático já não faz mais sentido para você, porque agora você desenvolveu novos sentidos. Mas se o sabático estiver desagradável porque está muito tedioso, não quer dizer que não faz mais sentido. Quer dizer apenas que você está com uma dificuldade natural de viver fora da sua zona de conforto.

E se a prática do sabático fosse um pouco mais próxima da regra do que da exceção?

Quantas pessoas você conhece que já fizeram um período sabático? Provavelmente nenhuma ou muito poucas. Apesar do sabático poder ser um período muito fértil em termos de desenvolvimento adulto, ele está mais para a exceção do que para a regra. Por que?

Claramente a questão financeira é um empecilho. É um grande e raro privilégio poder passar algumas semanas ou meses sem gerar renda e se sentir suficientemente seguro com isso.

Mas, pense nas pessoas que teriam condições financeiras de fazer um sabático… quantas fizeram? Eu arriscaria dizer que continuaria sendo nenhuma ou muito poucas. Partindo dessa premissa, a questão financeira não seria o fator determinante para uma baixa frequência de sabático.

Existe uma outra perspectiva para explicar isso: o sabático não faz parte do que entendemos como um curso de vida normal.

Porém o “normal” vem variando ao longo da história humana. Não estaria em tempo de variar mais um pouco o curso de vida “normal” da nossa sociedade?

Repensando o curso de vida

O relatório “Envelhecimento Ativo: Um Marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade” fala um pouco sobre essa questão de mudanças no curso de vida padrão. A versão original desse estudo foi publicada em 2002 pela OMS (Organização Mundial da Saúde) com o objetivo de pensar como podemos viver melhor, não somente viver mais.

O relatório começa mostrando este curso de vida:

  duradoura1 - Aprender de onde pode vir paz e felicidade duradouras

Curso de vida na era Bismarck
(fonte: Envelhecimento Ativo: Um Marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade)

Esse curso de vida teria começado no final do século XIX, a partir da construção do sistema previdenciário de Bismarck, em 1889. O curso de vida era dividido em três fases distintas: aprender (estudar) um pouco, seguido de trabalhar bastante, seguido de se aposentar e viver um pouquinho mais até morrer. Esse era um tipo de curso de vida normativo e padronizado cronologicamente. Uma característica importante do contexto onde ele começou era que a expectativa de vida do homem ainda estava abaixo dos 40 anos.

Porém ao longo do século XX tivemos o que o relatório chama de “revolução da longevidade”. Agora vivemos bem mais! No Brasil, vivemos 30 anos mais! A expectativa de vida no nosso país saiu de 45 anos em 1940, para 76 anos em 2019. Junto com outros fatores, esse aumento significativo de anos de vida levou a mudanças no curso de vida. Agora teríamos um curso de vida um pouco mais dinâmico, algo assim:

duradoura2 - Aprender de onde pode vir paz e felicidade duradouras
Curso de vida de homens, atualmente
(fonte: Envelhecimento Ativo: Um Marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade)

Ainda assim, dá para perceber dois grandes blocos relativamente uniformes nesse curso de vida, em amarelo e em azul. Trabalha, trabalha, trabalha. Se aposenta, se aposenta, se aposenta.

O relatório propõe que para o século XXI, devemos pensar em mudanças, em continuar evoluindo o curso de vida da nossa sociedade. Evoluir para algo mais dinâmico, mais variado e mais individualizado. Algo assim:

duradoura3 - Aprender de onde pode vir paz e felicidade duradouras
Curso de vida de homens, no futuro
(fonte: Envelhecimento Ativo: Um Marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade)

O relatório fala:

As pessoas irão aprender, cuidar, trabalhar e devotar tempo a atividades recreativas ao longo de toda a vida com muito menos atenção à idade cronológica. As instituições precisam se adaptar às transformações culturais inerentes à Revolução da Longevidade, mas também os indivíduos devem se preparar para esses anos adicionais de vida que irão requerer maior versatilidade.

A Revolução da Longevidade tem impactos retroativos ao longo do curso de vida – além do simples fato de enfrentar uma velhice mais longa. Se você olhar novamente a figura acima, vai perceber que tem um sabático nesse curso de vida, coisa que não tinha nos dois anteriores.

No TED talk do Alexandre Kalache, o médico e diretor por trás desse relatório, ele começa falando:

Vamos viver 30 anos a mais que nossos avós, e daí?

E daí que talvez seja o momento de repensar o curso de vida. Com uma vida bem mais longa que as gerações anteriores, é necessário repensar o modo como levamos a vida.

Ela não vai acabar mais em 45 anos, ela vai levar em média 76 anos. Provavelmente ainda mais que isso, dependendo do seu contexto e história de vida.

Ainda assim, vivemos com pressa, como se a vida fosse acabar rápido. Talvez seja uma memória inconsciente que herdamos de gerações passadas. Talvez seja a supervalorização da produção, em detrimento da contemplação, do ócio e do lazer.

Mas temos mais tempo! Podemos ter mais calma. Como ouvi o professor Alexandre Kalache dizer:

Quanto mais cedo melhor, nunca é tarde demais.

Não deveríamos precisar viver uma vida longa como essa no piloto automático. Cada um de nós sabe hoje bem mais do que sabia 10 anos atrás. Porém, às vezes não temos a oportunidade, ou não criamos a oportunidade de refletir sobre esse aprendizado. E sem uma pausa para reflexão, fica mais difícil de conseguir ir além de se tornar mais intelectual.

O sabático pode te ajudar a se tornar mais sábio. Mais saudável. Mais feliz. Mais autêntico. Mais humano.

Na essência, o sabático é um período de descanso, regeneração e transformação. Ele não tem regras. Não precisa levar meses, você não precisa viajar, você não precisa parar de trabalhar totalmente. Você faz dele o que é, afinal, somos “máquinas” de criar sentido para as coisas.

Mesmo que seja apenas um final de semana, ou duas semanas das suas férias, é possível fazer um sabático. Mas esteja aberto e curioso para a mistura de tédio e calma que vai te dar a oportunidade de se transformar. E quem sabe, viver uma vida mais sábia em direção aos novos sentidos que você descobrir.

FIM.

 

hugobarauna - Aprender de onde pode vir paz e felicidade duradouras

Hugo Baraúna é empreendedor há mais de 10 anos. Ele está em um sabático após vender sua empresa para a Nubank. Formado em engenharia de computação pela Poli-USP, tem um MBA executivo pelo Insper e está cursando uma especialização em psicologia positiva pela PUC-RS.
Também é marido, e mora em São Paulo com sua esposa e seus dois gatinhos.

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