Abraços libertam corações masculinos | Marcos Piangers
EA – Marcos, o que você diria para mães apreensivas no educar neste nosso mundo?
Piangers Olá pessoal da EA Magazine, prazer tá falando com vocês! Sou filho da dona Heloísa, pai da Anita que tem 17 anos e da Aurora, com 9 anos. O que eu mais gostaria de dizer para as mães, claro pra minha mãe, é obrigado. Minha mãe é um das 11 milhões de mães solteiras no Brasil, país que tem uma cultura de abandono masculino, a maioria dos partos realizadas no SUS são de mães solos, sem o pai da criança ao lado.
“Você começa a ver os números de mães solos e cai para trás, no Rio de Janeiro este índice chega a 60%, em Manaus em 70%.”
Como o Brasil naturaliza o abandono e isso é terrível para mulher, é terrível para o garoto que não vai ter uma referência masculina, é terrível para as medidas, temos estatísticas que elas engravidam mais cedo, ou seja, se relacionam de forma carente com namorados, perpetuando um ciclo de abandono e de dificuldades.
EA – Mesmo com este cenário, mulheres se culpam em não ser uma boa mãe.
Marcos Sim… então digo assim, não é sua culpa se você foi abandonada, a culpa é de quem abandona e não de quem fica. A gente vive num sistema que é muito, muito complicado para as mães. Talvez seu super poder seja essa imperfeição. Toda vez que minha mãe demonstrou suas vulnerabilidades, ela estava me ensinando também que a experiência humana é uma experiência de imperfeição, abraçar os erros, melhorar todos os dias. Sinto que em geral a mãe é uma entidade muita carregada de culpa. Você sendo imperfeita está ensinando seu filho a ser resiliente.
EA – Precisamos reinventar a paternidade?
Piangers Nos últimos anos, venho viajado o Brasil e o mundo, falando sobre a importância da paternidade atenta, carinhosa, transformadora, participativa, a paternidade de verdade.Porque aquela paternidade irresponsável, distante, agressiva, comprovadamente é prejudicial à criança, para os relacionamentos, para os casamentos, para a família e para o próprio homem. Este mesmo homem poderia assumir esse seu papel, melhorar a vida da mulher, das crianças e melhorar a vida dele mesmo, se ele participa da paternidade ele fica mais equilibrado, mais feliz, disposto, mais criativo, mais produtivo.
EA – Aliás, qual o papel de um pai?
Piangers Todo pai que participa ele melhora a sua própria vida. Mais pleno, mais orgulhoso, muitos homens não participam porque não se percebem como cuidadores. Um pai que cuida da criança, ele vive mais, bebe menos, dirige de forma cuidadoso, se torna uma pessoa mais gentil, mais humana, para dar exemplo ao filho. Se você não vai fazer isso pela sua esposa, pelos filhos, faça por você mesmo. Assumir a presença, mas uma presença atenta sem celular no meio, ele conhece o filho, aceita o filho como é e celebra o filho como é. O papel do pai não é punir, agredir, castigar, isso so gera mais trauma, mais violências. O caminho é do amor e não da agressão.
“Eu ajudo empresas a terem pessoas mais felizes e tento inspirar o melhor pai que existe dentro da gente.”
Um influenciador de afetos do nosso tempo
EA – O que temos de mais humano que precisamos praticar mais?
Piangers A nossa humanidade está sendo desafiada pela automação, pelos algoritmos, pela robótica, olhar ao redor e ver cada vez mais tecnologias, telas frias, são geladas, né? Não tem o tom de voz, o toque. Faz parecer um futuro mais frio, mais distante, mais polarizado. E aí o nosso grande diferencial humano vai ser essa conexão com a gente mesmo. Lá em casa o cultivo dessas habilidades humanas a gente chama de 5 Cs, começa no autoconhecimento, comunicação, criatividade, colaboração e pela consciência coletiva. Lidar com nossas emoções. Sentimentos, inteligência emocional e por essas emoções pra fora. Quando a gente cuida e protege a natureza, a gente tá dizendo proteja o ser humano, evitar a nossa autoextinção.
EA – Como exercitar uma família de afetos?
Piangers O autoconhecimento é o primeiro passo para gente conseguir viver bem. Entender, saber lidar e responder de uma forma madura, entendendo, interpretando as seis emoções básicas. Depois vem a comunicação, que é algo muito sofisticado, falar de um jeito que o outro vai entender. A criatividade, que é a chama humana da criação, a capacidade humana de dizer que se é um ser transformador no mundo. Colaborar, precisamos aprender muito a colaborar com as crianças.
O Fórum Econômico Mundial, a PWC, as maiores consultorias do mundo avaliam que as habilidades mais importantes no futuro, são as habilidades humanas e não as habilidades técnicas que vão estar em transformação e vamos ter que estudar a vida toda para aprendê-las.
Mas a capacidade de olhar, sorrir, sentir, dizer obrigado, ser paciente e atencioso, essas são habilidades que muitas vezes não se desenvolvem, não tem no adulto, e essas sim, são habilidades de diferencial competitivo.
EA – Criançasde lares desestruturados tem saídas para se tornar adultos sadios?
Piangers Sim. A gente está cansado de ver a capacidade humana de desenvolver ferramentas de sobrevivência e de superação de dificuldades emocionais e conseguir se transformar em um adulto sadio. Mas muitas vezes crescemos adultos traumatizados que vai precisar de terapia, de conversa, voltar lá pra atrás, para entender porque eu explodo num momento de raiva, porque sou guiado pelo medo, porque sou impulsivo na minha busca por prazer, todas essas questões relacionadas a infância, a traumas do passado.
“É muito importante, muito importante olhar para esses traumas e superar. Costumo dizer que esses traumas familiares em geral são passados de pais para filho de forma inconsciente.”
E é como se fosse um incêndio queimando essas famílias, uma atrás da outra, de geração a geração.
Até que alguém decide parar e enfrentar essas chamas, e no momento que essa pessoa faz isso, aí então, ela traz paz para todos os seus antepassados ecomeça o ciclo virtuoso de valor para todos os seus descendentes.
A paternidade em busca de mais abraços, de mais afetos, de menos medos
EA – Por que pais se concentram mais no educar do que no dar afetos aos filhos?
Piangers Muitas famílias são condicionadas culturalmente pelos costumes nocivos de épocas passadas. Muitos especialistas no tema “criação de filhos” do passado diziam, por exemplo, para deixar o filho chorar até dormir no berço e castigar fisicamente os filhos para endireitá-los. Falavam que o abraço e o beijo são prejudiciais. Além disso, comentavam que quando um casal dorme numa mesma cama com os filhos, isso “estraga” as crianças.
Atualmente, com os conhecimentos sobre biologia, neurociência afetiva, as teorias dos afetos e a teoria do apego, de John Bowlby, é possível compreender melhor como o distanciamento e modelos de educação mais rígidos criam traumas e esfarela relacionamentos familiares.
EA – Como superar?
Piangers Há formas mais harmoniosas de buscar conexões com os filhos já validados por ciência. Castigo, palmada e agressão não ensinam! Uma educação verdadeira acontece pelo exemplo e pela inspiração. Um aluno, por exemplo, só aprende se quiser aprender e com professores inspiradores. Pais e mães precisam ser inspiradores! O filho só aprende a respeitar dessa forma. Sócrates dizia que a mãe dela era parteira e nunca conseguiu tirar um bebê da barriga de uma mulher que não estivesse grávida.
“O ato de aprender só acontece quando existe motivação para isso.”
EA – Mães se sentem sempre culpadas em relação a educar filhos, como lidar com isso?
Piangers Exercitando a autocompaixão! A culpa é do sentimento de insegurança e de desconforto com alguma atitude que pode evoluir para uma vergonha. Pais e mães chegam a ter vergonha daquilo que são! A busca por uma autoestima genuína abraça uma experiência humana repleta de erros. Isso ensina a resiliência, a celebração do erro e o aprendizado a partir da falha.
“Filhos que buscam a perfeição escondem os erros! Assim, eles não assumem falhas e jogam a culpa nas outras pessoas. Superar a culpa é aceitar uma maternidade imperfeita.”
EA – Essa tua frase “Não tem nada mais poderoso do que dizer eu te amo”…
Piangers Eu falo isso numa perspectiva e da percepção de que muitos pais nunca disseram “eu te amo” para os próprios filhos. Minha própria mãe tinha dificuldades em dizer eu te amo, assim como meu sogro. Minhas filhas me ensinaram a falar “eu te amo”.
Quando eu sou carinho e cuidado com elas, minhas filhas respondem com “eu te amo”.
É uma conexão, uma proximidade. O homem redescobre o amor a partir da experiência paterna! E a tristeza é que muitos homens não conseguem falar isso. Os próprios filhos sentem dificuldades em dizer essa frase. Dizer “eu te amo” sem sentir é um problema.
“Cada “eu te amo” precisa ser dito com verdade. É preferível banalizar do que nunca dizer!”
EA – Essa dureza toda do não saber lidar, expressar afetos, se vê apenas no universo masculino?
Piangers Parece que existe um incentivo social para a mulher conversar e dialogar mais. É expressão dos sentimentos. Como a masculinidade tóxica é uma oposição aos sentimentos e ao universo feminino, homens conversam menos com amigos, por exemplo. Eles fazem menos terapia.
A consequência brutal disso é que a taxa de suicídio de homens é 4 vezes maior do que a das mulheres. Homens vivem 10 vezes menos e são a maioria do sistema penitenciário. Como não trabalham direito as emoções, explodem de raiva e são mais agressivos. Existem exceções. Até porque uma mulher também pode crescer com todas essas emoções abafadas e um homem pode crescer num lar muito bem estruturado.
Logo, são duas prisões emocionais: a mulher precisa cuidar de todas as coisas relacionadas ao contexto familiar e o homem abafa as emoções e precisa sempre incorporar o papel de provedor. Por outro lado, famílias podem ser muito mais felizes se a mulher puder se realizar profissionalmente e o homem puder expressar seus sentimentos.
EA – Mulheres cada vez mais chefiando famílias, ex-maridos, ex-companheiros, na maioria, somem ou trazem problemas. O que aconteceu com o arquétipo masculino?
Piangers Não há processos para facilitar ou simbolizar a passagem da vida de menino para a vida de homem como nas tribos do passado. Só poucos meninos conversam com os pais sobre o que é ser homem. Logo, a consequência disso é uma masculinidade tóxica e irresponsável.
Assim, meninos que antes eram cuidados viram homens que não sabem cuidar ou acolher. São papéis sociais que se confundem: por isso, muitos adultos se comportam como crianças. Nosso patriarcado é constituído por homens agressivos, dominadores, controladores e infantilizados.
A solução para isso seria uma paternidade mais presente, mais atenta e que conversasse mais com os meninos. Com isso, espera-se que meninos virem homens que saibam lidar com a própria masculinidade, paternidade e responsabilidades.
EA – Harmonia, bem-viver, colaboração, como significar essas palavras, em antítese contra violências de toda ordem que nutrem de relações amorosas a divórcios?
Piangers Há uma educação formal que prioriza o intelecto e uma alopatia que medicaliza a cura, lidando com as doenças a partir de remédios. Ou seja: conhecemos as questões técnicas e esquecemos do foco no interior e na nossa inteligência emocional. Não respeitamos nossa saúde mental!
“Nossa sociedade não sabe lidar com as próprias imperfeições, erros e medos. Essa é a raiz dos relacionamentos destrutivos.”
EA –Como se modela uma paternidade responsável?
Piangers O primeiro passo do homem é se perceber como um cuidador. Até porque o afeto é mais importante do que a educação formal passada de pai para filho. Humanidade é acolher. Antropólogos, por exemplo, diziam que indícios de civilizações antigas eram fêmures cicatrizados. No caso, eram civilizações que já cuidavam de pessoas que quebraram a perna até a ferida sarar.
O segundo passo de uma paternidade responsável é saber conhecer o próprio filho: entender personalidade e traços de comportamentos adquiridos pela genética e pelo ambiente. É importante, também, aceitar o filho: é saber lidar com as expectativas sobre ele. Celebrar as peculiaridades e os atributos positivos da criança é outro papel de uma paternidade emocionalmente madura. O amor, o afeto e a paciência educam mais do que a agressão. A conexão emocional vem antes da correção e direção.
EA –Qual o poder da família hoje?
Piangers Ela é um núcleo menor e com maior poder de transformação social. Com uma família estruturada, fica mais fácil passar valores para as futuras gerações. É assim que se multiplicam os afetos nas demais relações sociais. Para tanto, é imprescindível que a família usufrua de um tempo de qualidade juntos e tempo de qualidade separados. Toda mãe, por exemplo, precisa de um tempo só para entender melhor as próprias emoções. A evolução da família vai possibilitar a superação das crises modernas envolvendo a solidão, estresse, ansiedade e Burnout.
Marcos Piangers é especialista em novas tecnologias, criatividade e inovação e uma das referências sobre a paternidade no Brasil. Jornalista, apresentador, colunista, repórter e escritor, é autor do best seller “O Papai é Pop”, um livro que nos conta com sensibilidade e humor os erros e sucessos dos pais modernos.
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