EA – “Te ajudo a conseguir um emprego que realmente combine com você”, essa sua frase é icônica.
Valeska Houve uma fase da minha carreira em que os domingos à noite eram de desânimo, enquanto pensava na segunda-feira. Queria muito encontrar um trabalho que me motivasse, mas não sabia por onde começar, pois tinha medo de trocar “seis por meia dúzia” e perder tempo com uma posição que também não me fizesse feliz.

Em 2018, como Recrutadora, conheci os bastidores dos processos seletivos e aprendi a avaliar qual profissional tinha o perfil adequado para cada cargo. Foi aí que entendi que quanto mais o perfil do cargo combina com o nosso próprio perfil, maiores são as chances de termos um bom desempenho (e também de sermos felizes) no trabalho. É por isso que digo que é possível encontrar felicidade no trabalho, se você souber como procurar.

EA – Você trabalhou em marcas players e veio para o mercado de consultoria, o que te tirou do emprego formal?
Valeska Em 2020, no auge da pandemia e de um cenário incerto, muitas empresas precisaram se reestruturar e a indústria onde eu trabalhava não foi diferente: como minha área teve muitos projetos pausados ou suspensos, fui demitida junto a outros profissionais. Era minha primeira vez passando por uma demissão e dediquei alguns meses a refletir sobre meus próximos passos.

Resgatei o que mais gostava em minhas experiências anteriores e entendi que queria me aprofundar no desenvolvimento de pessoas.

Como também desejava ter mais autonomia para criar, bem como flexibilidade geográfica e de horários, mergulhei no empreendedorismo. Inclusive, ensino muito do que vivi na pele nessa fase, ao orientar profissionais em tomadas de decisões.

EA – Como consultora, qual sua melhor contribuição para a carreira de profissionais?
Valeska Ajudo profissionais a conseguirem um emprego que se beneficie do perfil que eles já têm – é um exercício de olhar mais para o que temos, em vez de focar no que nos falta. Fazemos isso por meio da elaboração de um plano de carreira, bem como da preparação para que se posicionem adequadamente para o mercado, valorizando suas próprias histórias por meio da comunicação escrita e verbal (em processos seletivos e networking).

EA – A transição de carreira é condição para se manter empregável no futuro do trabalho?
Valeska Não é necessário passar por uma transição de carreira, mas é essencial ter habilidades (técnicas e comportamentais) que vão além da área de atuação. Profissionais que passam por transições ou possuem uma carreira-mosaico (com experiências em áreas diferentes) costumam se destacar. Mesmo os especialistas precisam transitar entre diversos níveis da organização e dialogar com pessoas com referências variadas, então recomendo ampliar seu repertório.

Por exemplo: um profissional da Engenharia em uma indústria, ao buscar aprender mais sobre o atendimento ao cliente com a equipe de Vendas, pode se tornar o especialista consultado pela equipe de Vendas para levar orientações mais precisas a seus clientes – e ele não precisa mudar de área para isso.

EA – A comunicação interpessoal sempre foi diferencial no mercado. Como avalia o contexto desta importante skill hoje?
Valeska Concordo, costumo brincar dizendo que “quando tudo era mato”, antes das redes sociais, as pessoas já socializavam. Nas empresas, os funcionários não são apenas um grupo que se reúne (física ou virtualmente) para executar tarefas, somos seres humanos e uma de nossas necessidades básicas é a de nos relacionarmos. Precisamos criar vínculos (ainda que estritamente profissionais) para termos aliados em nossos projetos (o que impacta inclusive em nossas entregas).

E a comunicação é o que nos propicia ter esses laços, algo especialmente relevante ao considerar aspectos da cultura brasileira.

EA – Mas basta se comunicar bem para ampliar a escala de promoção ou de empregabilidade?
Valeska Uma analogia válida é considerar a comunicação como o acabamento de uma casa (ou seja, aquilo que vemos, como o revestimento e a decoração), mas nada disso se sustenta sem um bom alicerce: na carreira, este alicerce é representado pelos nossos resultados. É necessário ter ambos: um trabalho bem realizado e fazer com que ele seja notado – ter apenas um deles não é sustentável.

EA – O que um profissional busca hoje para escolher e permanecer em uma marca empregadora?
Valeska Cada vez mais percebemos que o trabalho é apenas uma das muitas faces de nossas vidas, portanto, os profissionais não querem ser felizes apenas no fim de semana, querem se sentir assim no trabalho também. E não se trata de uma visão romantizada, pois todo trabalho tem suas dificuldades e frustrações, é sobre as organizações oferecerem qualidade de vida no trabalho: um ambiente saudável, uma remuneração justa, e a possibilidade de se desenvolverem. Um profissional que se sente desrespeitado, desvalorizado ou estagnado irá buscar essa felicidade em outro lugar.

EA – Ainda há no trabalho questões comportamentais antiquadas, como concorrência entre colegas, quais os quesitos de uma cultura mais contemporânea?
Valeska A cultura organizacional é muito menos sobre valores estampados em um quadro na parede, e mais sobre “o jeito que as coisas são feitas aqui”, ou seja, sobre o que é considerado normal naquele ambiente. Assim, por mais que as tendências apontem para um futuro do trabalho que valorize temáticas como ESG, saúde mental e autonomia, na prática essa mudança ainda é lenta, especialmente em empresas localizadas fora das capitais. São questões do dia a dia:

Enquanto se fala de relações de confiança, há a implantação de softwares de monitoramento para quem atua remotamente.

Enquanto se fala de criatividade e inovação, há retaliação contra quem pensa diferente.

Para mim, uma boa cultura organizacional deve focar em sair do discurso e partir para a prática, mesmo que seja um tópico por vez, pois essa postura nos trará avanços importantes (e reais), e nos aproximará do que vislumbramos para o futuro do trabalho.

EA – Os profissionais que atende estão preocupados mais com remuneração ou bem-estar?
Valeska O perfil de profissional que atendo costuma estar empregado, portanto, tem suas necessidades financeiras básicas atendidas. Naturalmente, buscam crescer também em remuneração, mas a prioridade é o bem-estar. Em alguns casos, preferem ganhar menos se isso significar trabalhar com mais leveza.

EA – Acredita ser possível administrar três perfis de emprego ao mesmo tempo?
Valeska É possível, mas recomendo que seja por tempo limitado. Especialmente em fases de transição, é comum que alguns profissionais optem por ter atuações paralelas. Por exemplo: no início da minha carreira, eu era estagiária no setor de Comunicação Interna em uma indústria e mantinha aulas particulares de inglês e espanhol como uma renda extra. Também tenho mentorados que continuam no emprego atual enquanto atuam como freelancers ou até voluntários para ganharem experiência em uma nova área e, no futuro, se candidatarem a uma vaga que demande essa prática.

Se esse “malabarismo” de administrar trabalhos paralelos fizer parte de uma estratégia de carreira com prazo definido, pode ser um bom movimento.

EA – Como os RHs estão lidando com este perfil profissional mais nômade, sem lealdade à marca, sem permanência longa em uma empresa?
Valeska Por um lado, acho importante deixar de idealizar que manter todos os funcionários seja o ideal para uma empresa, especialmente nos dias atuais, em que as mudanças se tornam cada vez mais rápidas. Inclusive, algum nível de turnover (rotatividade de pessoal) é até recomendado para que a organização seja oxigenada, tendo profissionais novos entrando e contribuindo com insights relevantes.

Nesse caso é importante observar dois pontos: se essa rotatividade não passa a ser alta demais, e se há uma boa gestão interna do conhecimento para que o aprendizado não vá embora com o funcionário que sair.

Por outro lado, o investimento em se tornar uma boa marca empregadora tem inúmeros benefícios: desde atrair candidatos qualificados até permitir um melhor retorno do investimento feito em treinamento e desenvolvimento de pessoas. Portanto, concordo que ainda vale muito a pena investir nisso.

EA – Empresas ainda são detentoras de decisões, em um tempo de marcas pessoais?
Valeska Por muito tempo, as relações de trabalho colocavam a empresa como detentora das decisões: ela quem escolhia o candidato e ela quem decidia até quando mantê-lo na equipe. Entretanto, cada vez mais profissionais (especialmente os que já estão empregados) têm sido protagonistas de suas escolhas: eles escolhem a empresa durante o processo seletivo e optam por seguir carreira internamente ou em outra organização.

Um profissional ficará em uma empresa se ela atender a critérios relevantes para ele, e destaco três deles:

  1. Ambiente de trabalho saudável: como está a avaliação deste item na pesquisa de clima? Há avanços em temas como respeito ao horário de trabalho, diversidade e comunicação não-violenta? Não dá para julgar um funcionário que pede demissão por escolher sair de um ambiente que afeta sua saúde mental.
  2. Remuneração: os salários e benefícios oferecidos são atrativos conforme o mercado e as qualificações do funcionário? Dinheiro pode até não ser o item número um na lista de prioridades de um profissional, mas certamente é um fator relevante.
  3. Desenvolvimento: tenho mentorados que estão há décadas na mesma empresa, e a justificativa mais comum é que “nenhum ano é igual ao outro”. Há aprendizados, desafios, reconhecimento e crescimento (inclusive de cargo). Quando o sentimento predominante é o oposto, de estagnação, o engajamento e a fidelidade à empresa não serão mantidos.

EA – O que é um perfil de talento para você?
Valeska Todo perfil é talentoso se estiver no cargo certo, ou seja, um cargo que se beneficie do que ele tem a oferecer. Por exemplo: um profissional comunicativo é talentoso em um cargo que precise de alguém assim, e da mesma forma um profissional reservado é talentoso em um cargo que precise da sua capacidade analítica e de observação.

EA – O futuro do trabalho precisará de empresas com quais características de gestão?
Valeska Colaborativas. Afinal, para ter longevidade, as empresas precisam inovar constantemente, e a inovação só floresce quando há abertura para novas ideias. Mesmo com a existência de níveis hierárquicos, uma gestão mais humanizada e aberta à colaboração trará mais prosperidade ao negócio.

EA – E hoje, se precisa somente do uso de tecnologias, de amplitude de digitalização dos processos?
Valeska As empresas de sucesso são aquelas que se adaptam considerando todos os aspectos do negócio, não apenas um deles. Por exemplo: se a inteligência artificial nos possibilita automatizar processos, faz sentido buscar caminhos para abraçar essa oportunidade, claro. Isso significa também atualizar o modelo de gestão de pessoas: com processos cada vez mais digitais.

“Qual o sentido de obrigar um funcionário a trabalhar presencialmente se suas atividades são todas realizadas diante de um computador?”

Sou a favor da flexibilidade e dar aos funcionários poder de escolha é uma forma de gestão mais colaborativa. É necessário ir além do “foco no cliente”, conceito tão comum em tantas empresas, e passar a ter “foco nas pessoas”, estejam elas do lado de fora ou dentro da organização.

Valeska Petek

Valeska Petek é mentora de Carreira e acredita que é possível encontrar felicidade no trabalho. Graduada em Relações Públicas, é especialista em Estratégias Competitivas: Comunicação, Inovação e Liderança (UNESP). Atuou em Recursos Humanos em multinacionais como Tilibra e Volvo, com foco em Recrutamento & Seleção e Treinamento & Desenvolvimento. É palestrante, produtora de conteúdo e integra o programa LinkedIn for Creators Brasil.

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