Por Luciel Henrique de Oliveira
Nos últimos anos, a crescente conscientização ambiental tem pressionado empresas a adotarem práticas sustentáveis e a comunicarem suas iniciativas ao público. Contudo, o temor de serem acusadas de “greenwashing” — a prática de promover uma imagem enganosa de responsabilidade ambiental — levou algumas organizações a adotarem uma postura oposta: o “greenhushing“. Este termo, derivado da junção das palavras “green” (verde) e “hushing” (silenciamento), refere-se à decisão deliberada de empresas em ocultar ou minimizar a divulgação de suas ações ambientais, mesmo quando legítimas.
A prática do greenhushing pode ser motivada por diversos fatores. Algumas empresas temem que, ao divulgar suas iniciativas sustentáveis, possam atrair críticas por não serem suficientemente ambiciosas ou por eventuais inconsistências em suas operações. Além disso, o ambiente político polarizado, especialmente em países como os Estados Unidos, onde políticas ambientais são frequentemente debatidas, contribui para que organizações optem pelo silêncio para evitar controvérsias. Por exemplo, estados como o Texas proibiram entidades locais de negociarem com empresas financeiras que adotam políticas ambientais, sociais e de governança (ESG), pressionando corporações a reduzirem a visibilidade de suas práticas sustentáveis.
O fenômeno do greenhushing e seu contexto político
O retorno de Donald Trump à cena política, juntamente com o fortalecimento de movimentos anti-ESG, tem impulsionado uma mudança de postura entre grandes corporações. Instituições financeiras como JPMorgan, Goldman Sachs e BlackRock, anteriormente ativas na promoção da sustentabilidade, começaram a reduzir sua participação em alianças globais voltadas para a redução de emissões de carbono. Esse movimento demonstra uma tentativa de evitar represálias políticas e econômicas, sobretudo nos Estados Unidos, onde setores conservadores veem a agenda ESG como uma imposição ideológica.
Empresas que adotam o greenhushing deixam de divulgar suas ações sustentáveis por medo de retaliação ou pressão do mercado. Isso, porém, pode gerar impactos negativos tanto para a reputação corporativa quanto para a transparência das práticas empresariais.
Placa faz trocadilho com o slogan “Make America Great Again”
(Fonte: diplomatique.org.br e Christian Lue/ Unsplash)
Consequências para as empresas e o mercado
Um estudo conduzido pela consultoria climática South Pole revelou que quase um quarto das 1.200 empresas focadas em sustentabilidade não divulgam suas realizações além do mínimo necessário. Essa tendência é preocupante, pois a comunicação transparente sobre ações ambientais pode inspirar outras organizações, influenciar políticas públicas e promover colaborações em prol da sustentabilidade.
O silenciamento das práticas ESG pode ter efeitos profundos no mundo dos negócios:
- Perda de confiança dos investidores: Investidores sustentáveis buscam cada vez mais empresas com políticas claras de sustentabilidade. A falta de transparência pode afastá-los, reduzindo o acesso a capital verde.
- Impacto na reputação e na marca: Consumidores estão cada vez mais atentos às práticas ambientais das empresas. A falta de comunicação pode ser vista como omissão ou mesmo como um indício de greenwashing (falsa sustentabilidade).
- Dificuldade na atração e retenção de talentos: Profissionais das novas gerações valorizam empresas alinhadas com princípios ESG. Empresas que não comunicam claramente suas políticas ambientais podem enfrentar dificuldades para atrair e manter talentos.
- Riscos regulatórios: Em um cenário de regulações ambientais cada vez mais exigentes, a falta de transparência pode gerar riscos legais e sanções governamentais.
A ausência de comunicação sobre práticas sustentáveis pode gerar desconfiança entre consumidores e investidores. Em um mercado onde a transparência é cada vez mais valorizada, o silêncio pode ser interpretado como falta de compromisso ou, pior, como tentativa de ocultar práticas prejudiciais ao meio ambiente. Além disso, ao não compartilharem suas iniciativas, as empresas perdem a oportunidade de liderar pelo exemplo, influenciando positivamente o setor em que atuam.
É compreensível que organizações temam repercussões negativas ao divulgarem suas ações ambientais. Casos de processos judiciais contra empresas que exageraram ou falsificaram informações sobre sustentabilidade, servem de alerta para os riscos associados ao greenwashing. No Brasil, algumas empresas também enfrentaram repercussões devido a alegações de greenwashing, reforçando o temor de companhias em divulgar suas práticas ambientais. Recentemente três casos foram divulgados:
JBS (2021) – A gigante do setor de carnes foi acusada de greenwashing ao anunciar metas de desmatamento zero, enquanto investigações indicavam que sua cadeia de fornecimento ainda estava ligada à compra indireta de gado de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia. Organizações ambientais e investidores criticaram a falta de transparência e ações concretas para cumprir as promessas sustentáveis.
Heineken (2022) – A empresa foi obrigada a alterar sua comunicação após ser acusada de publicidade enganosa em uma campanha que promovia suas operações como 100% sustentáveis. A contestação veio porque a empresa ainda dependia de fontes de energia não renováveis, e sua pegada ambiental não correspondia às alegações da campanha.
Braskem (2023) – A petroquímica foi acusada de promover uma imagem de sustentabilidade enquanto enfrentava sérios impactos ambientais em Alagoas, onde suas atividades de mineração resultaram em afundamentos de bairros inteiros em Maceió. Apesar de suas alegações de compromisso ambiental, a empresa enfrentou críticas por não comunicar de forma transparente os riscos de suas operações.
Esses casos demonstram que a falta de alinhamento entre discurso e prática pode resultar em danos reputacionais e até sanções jurídicas, reforçando o dilema das empresas entre comunicar suas iniciativas ESG e evitar o risco de serem acusadas de exagero ou falsidade.
Alternativas ao Greenhushing: transparência e inovação
Empresas que desejam evitar os riscos do greenhushing devem adotar estratégias proativas:
- Comunicação estratégica: Em vez de silenciar suas iniciativas ESG, empresas podem desenvolver narrativas que expliquem os benefícios econômicos e competitivos de suas ações sustentáveis.
- Engajamento com stakeholders: Dialogar abertamente com investidores, clientes e colaboradores sobre as práticas de sustentabilidade, reforçando compromissos de longo prazo.
- Transparência nos relatórios: A divulgação de relatórios anuais de sustentabilidade e a adesão a padrões internacionais, como os do Global Reporting Initiative (GRI), ajudam a fortalecer a credibilidade.
- Parcerias estratégicas: Empresas podem se aliar a organizações ambientais reconhecidas para reforçar sua posição e demonstrar compromisso real com a sustentabilidade.
Exemplos de empresas que seguem esse caminho incluem a Apple, que reforça seu compromisso com a diversidade e a sustentabilidade, e a Patagonia, conhecida por suas iniciativas ambientais e pela transparência na comunicação.
O futuro do ESG e as implicações para o Brasil
No Brasil, o debate sobre ESG também está em expansão. Empresas como Natura, Ambev e Suzano têm liderado iniciativas sustentáveis, destacando-se por políticas de descarbonização, redução de impacto ambiental e compromisso com a economia circular. Com o avanço das pressões globais e regulações mais rigorosas, espera-se que empresas brasileiras fortaleçam suas ações de sustentabilidade, tornando-se referências em ESG na América Latina.
O equilíbrio entre transparência e precaução é fundamental. Empresas podem adotar estratégias para comunicar suas práticas sustentáveis de maneira autêntica e eficaz. Isso inclui a definição de metas claras, a medição rigorosa de resultados e a comunicação honesta sobre os desafios enfrentados.
Ao fazê-lo, não apenas fortalecem sua reputação, mas também contribuem para um ambiente de negócios mais sustentável e colaborativo.
Enquanto o greenwashing representa o exagero ou falsificação de práticas ambientais, o greenhushing caracteriza-se pelo silêncio sobre elas. Ambas as abordagens podem ser prejudiciais, seja pela desinformação ou pela falta dela. A transparência, aliada a ações concretas e comunicadas de forma responsável, é o caminho para empresas que desejam alinhar-se às expectativas de um mercado cada vez mais consciente e exigente.
Considerações finais
O silêncio verde não é apenas um reflexo do temor empresarial diante da polarização política e da vigilância do mercado; é um retrocesso estratégico que compromete a evolução da agenda ESG e a credibilidade corporativa. Em um mundo onde consumidores, investidores e reguladores exigem transparência e compromisso real com a sustentabilidade, esconder boas práticas equivale a negar o próprio papel da empresa na construção de um futuro sustentável.
O desafio não está em evitar críticas, mas em estruturar uma comunicação autêntica, baseada em dados verificáveis e ações concretas, que permita às empresas liderarem pelo exemplo sem cair em armadilhas discursivas.
A hesitação em divulgar iniciativas ambientais legítimas enfraquece a competitividade das empresas, e desacelera o progresso coletivo rumo a uma economia mais verde e resiliente.
Diante disso, é necessário que as organizações abandonem o greenhushing e adotem uma postura de transparência responsável, assegurando que seu compromisso com a sustentabilidade não fique perdido no ruído do silêncio.
Para refletir:
- Como sua empresa equilibra a necessidade de transparência com o receio de críticas em relação às práticas sustentáveis?
- Quais são as consequências a longo prazo do greenhushing para a reputação corporativa e para o avanço da sustentabilidade no setor empresarial?
- De que maneira a comunicação transparente sobre iniciativas ambientais pode influenciar positivamente outras empresas e o mercado como um todo?
Para saber mais:
- CARINGE, Camila. Trump voltou: o que podemos esperar das práticas corporativas ESG? Le Monde Diplomatique Brasil, 22 jan. 2025. Disponível em: https://diplomatique.org.br/trump-voltou-o-que-podemos-esperar-das-praticas-corporativas-esg/. Acesso em: 10 fev. 2024.
- COP27: ONU exige repressão à ‘lavagem verde’ de governos e empresas sobre compromisso de zerar emissões. MediaTalks em UOL, 2024.
- FONT, Xavier. Greenhushing: why companies choose to stay silent about their sustainability practices. FastCompany, 2017.
- GATTI, Lucia et al. Greenhushing: A Systematic Literature Review. In: MIC 2024: Next Generation Challenges: Innovation, Regeneration and Inclusion, Proceedings of the Joint International Conference, Trento, Italy, 5–8 June 2024. Koper, Slovenia: University of Primorska Press, 2024.
- Greenhushing: entenda os riscos da agenda ‘anti-ESG’ de Trump. MediaTalks em UOL, 10 de janeiro de 2025.
- HAIGH, Robert; LISZKA, Sofia. Greenwashing and greenhushing: Risks and opportunities from the gap between brand sustainability perceptions and performance. Journal of Brand Strategy, v. 13, n. 3, p. 229-240, 2024.
- La ley del silencio verde: el avance ultraconservador extiende el miedo en las empresas a vincularse con la lucha climática. El País, 19 de janeiro de 2025.
- SOUTH POLE. Net Zero and Beyond: A Deep Dive on Climate Leaders and What’s Driving Them. Relatório, jan 2024.
Luciel Henrique de Oliveira é engenheiro Agrônomo e doutor em Administração (FGV), pós-doutorado em Inovação, dedicado à academia como professor e pesquisador desde 1990 (FACAMP; UNIFAE; PUC-MG). Com vasta experiência em Gestão de Operações e Logística, destacam-se seus estudos e pesquisas em temas como Inovação & IA, Agronegócios, Gestão de Serviços, Sustentabilidade/ESG, Economia Circular e Responsabilidade Social Empresarial. Comprometido com o impacto social, acredita no poder transformador da educação, na importância da colaboração em rede e no empreendedorismo para gerar mudanças positivas na sociedade mediante soluções inovadoras. Colunista EA “ESG & Vida Sustentável”.
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