Por Judá Nunes

A preocupante interseção, na comunidade transgênero, entre os vieses inconscientes e o acesso à educação e trabalho

No mundo em que vivemos, um fenômeno muitas vezes imperceptível, mas de impacto profundo, tem sido observado: a violação de direitos decorrente dos vieses inconscientes. Estes preconceitos sutis, enraizados em nossa cultura e experiências sociais, infiltram-se em todos os aspectos do sistema laboral: da seleção de candidatos à progressão de carreira. No entanto, é entre os profissionais transgênero que encontramos uma interseção particularmente preocupante entre vieses inconscientes e acesso à educação e trabalho.

Os estereótipos de gênero atuam como barreiras intransponíveis, limitando tanto o acesso à educação quanto a oportunidades de emprego para indivíduos transgêneros.

Os estereótipos de gênero são construções sociais que ditam comportamentos, papéis e características consideradas apropriadas para cada gênero.

Para as pessoas trans, eles representam barreiras significativas em diversos aspectos da vida.

Estigma e preconceito

Em primeiro lugar, eles moldam percepções sociais, o que pode resultar em discriminação, ostracismo e até violência. As pessoas trans muitas vezes enfrentam estigma e preconceito por não se conformarem com as expectativas tradicionais de gênero, o que pode levar a uma série de consequências negativas para sua saúde mental e bem-estar emocional.

Esses estereótipos têm um impacto direto nas oportunidades educacionais e profissionais disponíveis para as pessoas trans. Por exemplo, os preconceitos de gênero podem levar à exclusão social e à marginalização dentro do ambiente escolar, afetando negativamente o desempenho acadêmico e as perspectivas futuras de carreira. No dia a dia, o bullying e a discriminação são desafios significativos enfrentados por estudantes trans. Isso pode incluir comentários depreciativos, exclusão do ciclo social de convívio e até mesmo violência física, todos os quais podem interferir no acesso equitativo à educação.

Da mesma forma, no mercado de trabalho, as pessoas trans podem encontrar obstáculos na contratação, progressão na carreira e até mesmo no ambiente de trabalho – o que restringe suas oportunidades profissionais e econômicas.

Além disso, esses vieses podem associar as pessoas trans a características consideradas menos adequadas para assumir cargos de liderança, como falta de ambição ou competência.

Mercado corporativo não colabora

Uma pesquisa conduzida pela McKinsey & Co. aponta que a comunidade LGBTQ+ está sub-representada no ambiente corporativo, sobretudo em níveis de liderança e, como resultado, os que ocupam cargos em níveis seniores estão mais propensos a sofrer microagressões, a ouvir piadas sexistas, sentem medo de falar sobre a vida pessoal. Como resultado, esses profissionais podem se sentir incapazes de falar abertamente sobre si mesmos e sentem necessidade constante de corrigir suposições sobre si.

O levantamento aponta que 32% dos profissionais trans pensam em deixar o cargo.

Um exemplo do quão hostil o ambiente de trabalho pode ser para as pessoas trans é que, continuamos a discutir o direito de acesso ao banheiro conforme a identidade de gênero de cada pessoa. No entanto, quando essa questão é levantada, muitos expressam preocupações infundadas sobre assédio, sugerindo que pessoas trans estão buscando desculpas para comportamentos inadequados. Na realidade, elas apenas desejam utilizar o banheiro como qualquer outra pessoa, mas muitas vezes são barradas ou até mesmo sujeitas à violência.

Para a Cris Kerr, autora do livro “Vieses Inconscientes” (2021), os vieses inconscientes constituem uma barreira invisível e poderosa para a diversidade e inclusão nas organizações, afetando mesmo aqueles que estão comprometidos com esses objetivos, pois muitas vezes não estamos conscientes do seu impacto em nosso comportamento.

Esses moldam percepções e atitudes de maneira sutil e inadvertida, afetando interações interpessoais, tomadas de decisão e juízos de valor, podem manifestar-se na forma de preconceito ou desconforto em relação à diversidade.

Um olhar também para a nossa sociedade

À medida que avançamos, é crucial não apenas reconhecer os vieses inconscientes que permeiam a nossa sociedade, mas também agir de forma decisiva para desmantelar as estruturas que os perpetuam. Como por exemplo, implementar políticas de nome social para garantir o respeito à identidade de gênero. Essas políticas devem permitir que os funcionários usem o nome pelo qual se identificam no ambiente de trabalho, nos registros internos da empresa e em todas as formas de comunicação. Podem incluir também orientações claras sobre como atualizar documentos e registros internos para refletir o nome social escolhido pelos funcionários trans.

Em uma análise profunda, construir programas de inclusão ajuda a reduzir as desigualdades sociais dentro do país, e ter uma força de trabalho diversificada não apenas reflete a sociedade em que a empresa opera, mas também traz uma ampla gama de perspectivas e experiências, o que pode acelerar o processo de desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Em contraposição, a falta de apoio social e institucional adequado pode dificultar o acesso ao emprego formal.

E nos processos seletivos e programas de inclusão…

Muitas vezes, pessoas trans enfrentam barreiras em processos seletivos devido à falta de competência cultural e sensibilidade de gênero por parte dos profissionais de recrutamento e seleção – essa é uma tendência de uma gestão fadada ao fracasso.

Os programas de inclusão não apenas buscam estabelecer ambientes de trabalho mais equitativos, mas também contribuem para o desenvolvimento de uma força de trabalho diversificada, que por sua vez impulsiona o crescimento econômico tanto da organização quanto do país em que opera.

Esse é um verdadeiro cenário de “ganha-ganha-ganha”.

A empresa beneficia-se ao formar profissionais qualificados, capazes de contribuir com a sua experiência e perspectivas diversas para impulsionar a inovação e a produtividade. Ao mesmo tempo, as pessoas trans, por exemplo, ganham ao terem oportunidades de emprego que lhes proporcionam uma renda pessoal e a chance de realizarem seu potencial profissional.

Por fim, o país também ganha com esse movimento, já que a inclusão no mercado de trabalho fortalece a economia, aumenta a produtividade e contribui para a redução das desigualdades sociais, beneficiando a sociedade como um todo. Portanto, os programas de inclusão não são apenas uma questão de justiça social, mas também de impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável.

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capa e BIO - Vieses inconscientes: Como transformar estereótipos em oportunidades?

Judá Nunes é inovadora social, licenciada em Teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Educação para Inclusão da Diversidade, analista de ESG e reconhecida como LinkedIn Top Voices Orgulho. Tem atuado como educadora, gestora de projetos, comunicadora, escritora, palestrante e consultora; se destaca como mentora de um novo tempo, oferecendo insights sobre a dinâmica da diversidade no século XXI. Desde 2016, seus estudos em Gênero, Educação, Movimentos Sociais, Trabalho e Transformação Humana culminaram no desenvolvimento de uma metodologia exclusiva e crítico-analítica para a formação de executivos na educação corporativa e para a gestão de projetos de impacto social, com foco em DEI. Sua paixão pela promoção da inclusão reflete-se em sua missão de comunicar e impactar positivamente, eliminando barreiras e conscientizando sobre vieses. Colunista EA “Letramentos em Futuro”.

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