Por Luciel

 

A recente decisão do Carrefour França de suspender a compra de carne brasileira sob alegações ambientais e sanitárias desencadeou uma série de reações no Brasil. Este episódio, que envolveu boicotes coordenados de frigoríficos e entidades empresariais contra o Carrefour no mercado interno, traz à tona reflexões sobre a importância da sustentabilidade e dos fatores ESG (ambiental, social e governança) para o setor agropecuário e outras indústrias. Mais do que um impasse comercial, a situação destaca desafios e oportunidades para empresas brasileiras que desejam se posicionar globalmente.

O contexto e as alegações ambientais

O CEO do Carrefour na França justificou a suspensão de compras como um gesto de solidariedade aos agricultores franceses contrários ao acordo entre Mercosul e União Europeia, alegando preocupações ambientais. Embora tais alegações sejam questionáveis, serviram como catalisador para um debate mais amplo sobre a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

A França, apesar de representar apenas 0,5% das exportações de carne do Brasil, busca influenciar a percepção de qualidade e práticas sustentáveis do país no mercado europeu.

A resposta brasileira foi contundente. Grandes frigoríficos como JBS e Marfrig interromperam vendas para o Carrefour no Brasil, enquanto associações e empresários destacaram as práticas sustentáveis e a legislação ambiental rigorosa do país. Apesar disso, o episódio revela uma necessidade crescente de aprimorar a comunicação e a visibilidade internacional das ações ESG realizadas pelo setor.

Sustentabilidade e certificações no agronegócio

A adoção de práticas sustentáveis é um fator essencial para a competitividade no mercado global. No caso brasileiro, iniciativas como o monitoramento por satélite para evitar desmatamento ilegal e a certificação de produtos, como o selo Rainforest Alliance e a ISO 14001, são exemplos de como o agronegócio busca alinhar-se a padrões internacionais.

Empresas como a JBS têm apostado em programas de rastreabilidade baseados em blockchain, permitindo ao consumidor acompanhar a origem da carne e garantir que sua produção não contribuiu para o desmatamento.

Essas práticas não apenas respondem a exigências ambientais, mas também oferecem diferenciação competitiva em mercados que valorizam produtos éticos e sustentáveis.

Implicações dos fatores ESG

  1. Ambiental (E): A pressão internacional por cadeias de suprimento mais limpas exige que o agronegócio invista continuamente em tecnologias para reduzir emissões, conservar recursos naturais e mitigar impactos ambientais. A implementação de sistemas de rastreabilidade, como os adotados pela Ambev em sua cadeia de fornecedores, pode ser replicada no setor de carnes.
  2. Social (S): O agronegócio brasileiro, enquanto empregador de milhões, tem impacto direto nas comunidades locais. O fortalecimento de políticas de inclusão social, educação ambiental e relações justas de trabalho pode ajudar a reforçar o impacto positivo do setor.
  3. Governança (G): Governança transparente é essencial para sustentar a confiança dos investidores e mercados externos. A adesão a padrões globais de governança, como o Global Reporting Initiative (GRI), e o monitoramento de metas claras de sustentabilidade são práticas que fortalecem a reputação internacional do Brasil.

Desafios e oportunidades

  1. Comunicação estratégica: A crise revelou que o Brasil precisa melhorar a narrativa sobre sua sustentabilidade. Empresas devem ser mais proativas na divulgação de suas iniciativas ESG, utilizando campanhas que valorizem os produtos brasileiros e respondam diretamente às críticas internacionais.
  2. Inovação tecnológica: Investir em tecnologias verdes, como sensores de IoT para monitoramento ambiental em tempo real e a digitalização de processos agroindustriais, pode elevar o padrão da produção nacional. Um exemplo é o uso de drones pela Natura para mapear áreas de cultivo sustentável na Amazônia, tecnologia que pode inspirar o setor de carnes.
  3. Acesso a novos mercados: A diversificação de mercados internacionais é fundamental. Países da Ásia e do Oriente Médio já reconhecem a qualidade da carne brasileira, e o fortalecimento de parcerias com essas regiões pode reduzir a dependência do mercado europeu.

Exemplos de sucesso

  • Natura: Reconhecida globalmente por seu modelo de negócios sustentável, a empresa incorpora práticas ESG em toda sua cadeia de suprimentos, desde o uso de matérias-primas renováveis até programas de impacto social para comunidades locais.
  • Ambev: Lidera iniciativas de eficiência hídrica, como o projeto “Cerveja pelo Planeta,” que reduziu o consumo de água em suas operações e inspirou práticas semelhantes em outras indústrias.
  • Marfrig: A gigante do setor de carnes desenvolveu um sistema para monitorar toda sua cadeia produtiva, assegurando que fornecedores não estejam ligados ao desmatamento ilegal, uma preocupação central no mercado europeu.

Reflexões e aplicações para o setor empresarial

  1. Administração e estratégia: Gestores devem integrar métricas ESG em suas estratégias de negócio, alinhando objetivos de sustentabilidade a metas financeiras. Programas de compliance e auditoria podem assegurar que práticas sejam implementadas de forma consistente.
  2. Consultoria e empreendedorismo: Consultores podem auxiliar empresas a identificar oportunidades de inovação sustentável, enquanto empreendedores encontram nichos de mercado em produtos certificados ou de origem rastreável.
  3. Educação e pesquisa: Professores e pesquisadores podem usar o caso como base para debates sobre globalização, sustentabilidade e competitividade, promovendo estudos que desenvolvam soluções locais para desafios globais.

Conclusão

O boicote ao Carrefour vai além de uma disputa comercial, representando um alerta para o agronegócio brasileiro e outras indústrias sobre a importância de práticas ESG.

Este caso destaca a necessidade de alinhar sustentabilidade com estratégias empresariais e de comunicar de forma clara os avanços realizados. Ao responder de forma proativa e inovadora, as empresas brasileiras podem não apenas superar crises, mas também reforçar sua posição no cenário global, mostrando que o Brasil é uma potência agrícola e sustentável.

As lições aprendidas podem servir como guia para setores que buscam integrar valores ambientais, sociais e de governança em suas operações, transformando desafios em oportunidades de crescimento e liderança.

Para refletir:

  1. Como as empresas brasileiras podem equilibrar a busca por sustentabilidade e a necessidade de responder rapidamente a críticas internacionais, garantindo competitividade e fortalecimento de sua reputação global?
  2. A adoção de tecnologias como blockchain e IoT na rastreabilidade e sustentabilidade da produção agropecuária pode se tornar um diferencial estratégico? Quais são os desafios para sua implementação em larga escala?
  3. Até que ponto as pressões externas, como as alegações do Carrefour, podem ser oportunidades para as empresas brasileiras reforçarem práticas ESG e liderarem mudanças no mercado global? O país está preparado para assumir essa posição de liderança?

Para saber mais:

  • DOS SANTOS, Juliana Pinheiro; RIBEIRO, Letícia Simões. SUSTENTABILIDADE NO AGRONEGÓCIO: REVISÃO SISTEMÁTICA DAS PRÁTICAS ESG. Revista Sistemática, v. 14, n. 6, p. 1366-1378, 2024.
  • Sustentabilidade no agronegócio brasileiro: cenários, desafios e oportunidades. Brasília: Embrapa, 2023. Disponível em: https://shorturl.at/e5i0F Acesso em: 25 nov. 2024.
  • PINHEIRO DOS SANTOS, Juliana; SIMÕES RIBEIRO, Letícia. Governança ESG no agronegócio: uma análise das tendências, práticas e lacunas. GeSec: Revista de Gestao e Secretariado, v. 15, n. 9, 2024.
  • Importância da agenda ESG no agronegócio. São Paulo: PwC Brasil, 2021. Disponível em: https://shorturl.at/PA2uX. Acesso em: 25 nov. 2024.
  • SILVA, José Carlos; OLIVEIRA, Ana Maria. ESG no agronegócio: práticas sustentáveis e competitividade global. Rio de Janeiro: Editora Sustentare, 2022.

 

Luciel H de Oliveira 1 - Sustentabilidade e fatores ESG: Lições do boicote ao Carrefour para o agronegócio brasileiro

Luciel Henrique de Oliveira é engenheiro Agrônomo e doutor em Administração (FGV), pós-doutorado em Inovação, dedicado à academia como professor e pesquisador desde 1990 (FACAMP; UNIFAE; PUC-MG). Com vasta experiência em Gestão de Operações e Logística, destacam-se seus estudos e pesquisas em temas como Inovação & IA, Agronegócios, Gestão de Serviços, Sustentabilidade/ESG, Economia Circular e Responsabilidade Social Empresarial. Comprometido com o impacto social, acredita no poder transformador da educação, na importância da colaboração em rede e no empreendedorismo para gerar mudanças positivas na sociedade mediante soluções inovadoras. Colunista EA “ESG & Vida Sustentável”.

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