Por Luciel Henrique de Oliveira
O mundo assistiu à entrada formal dos Estados Unidos na guerra entre Israel e Irã, no dia 21 de junho deste ano, marcando o retorno de um conflito de alta intensidade em uma das regiões mais geoestrategicamente sensíveis do planeta. A ofensiva norte-americana — justificada como resposta preventiva a ameaças nucleares e ataques de grupos aliados ao Irã — reacendeu não só tensões militares, mas também uma crise energética e diplomática de grandes proporções.
A ação, liderada por um governo alinhado ao ex-presidente Donald Trump, teve efeitos imediatos: volatilidade nos mercados, bloqueios em rotas estratégicas, elevação do preço do petróleo e aprofundamento das divisões políticas globais. No entanto, por trás da retórica de “defesa da paz”, emerge um paradoxo: a guerra está sendo conduzida por quem, em seu discurso político, afirmava querer encerrar as “guerras eternas”.
O cessar-fogo aconteceu e há uma trégua frágil em vigor. Mas vamos aos fatos deste acontecimento e os impactos dele no ESG.
Donald Trump, que voltou ao centro do poder por meio de uma coalizão conservadora, construiu parte de sua popularidade sobre a crítica à presença prolongada dos EUA no Oriente Médio. Em 2020, afirmou: “Gastamos US$ 8 trilhões no Oriente Médio… não temos nada, nada além de morte e destruição.” No entanto, durante seu primeiro mandato, ordenou o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani e impôs sanções econômicas asfixiantes ao Irã. Embora tenha prometido retirar tropas do Afeganistão e Síria, também autorizou o aumento dos gastos militares (US$ 2,5 trilhões em 2020) e ampliou o uso de drones em zonas de conflito como Somália e Iêmen. Essa postura ambivalente — crítica à guerra, mas praticante da “diplomacia pela força” — ressurgiu com força em 2025, aprofundando as contradições entre discurso e prática.
O novo mapa de riscos globais: muito além das armas
Essa nova fase do conflito inaugura uma reconfiguração do mapa de riscos globais, que transcende o campo bélico. A guerra entre Israel, EUA e Irã revela a fragilidade da governança internacional e expõe vulnerabilidades econômicas, ambientais e políticas que atingem empresas, governos e consumidores — inclusive no Brasil. Uma guerra não se trava apenas com mísseis e drones: ela afeta o petróleo que abastece caminhões, o custo do alimento no supermercado e a credibilidade de metas ambientais assumidas em fóruns internacionais.
O petróleo como arma e obstáculo ao futuro sustentável
O Irã ameaça o bloqueio do Estreito de Ormuz, rota por onde passa 20% do petróleo mundial. Em resposta, o preço do barril Brent já ultrapassou os US$ 90. O Brasil, mesmo com matriz elétrica majoritariamente renovável, continua dependente de combustíveis fósseis para o transporte de cargas e pessoas. Empresas brasileiras como JBS, Ambev, Magazine Luiza e Raízen, enfrentam aumento de custos logísticos e operacionais, o que impacta preços, margens e cronogramas de investimento.
O cenário também compromete a viabilidade da transição energética.
Empresas como a Petrobras e a Shell redirecionam temporariamente suas prioridades para a segurança da produção e do caixa, retardando projetos verdes. Frotas militares e deslocamentos massivos em zonas de guerra agravam emissões de gases de efeito estufa, dificultando o cumprimento das metas do Acordo de Paris e minando avanços em sustentabilidade corporativa e governamental.
Fatores ESG para empresas e governos: discurso em xeque?
A crise atual coloca em xeque a coerência do discurso ESG. Como manter a narrativa de sustentabilidade em meio a uma guerra que força o aumento do uso de combustíveis fósseis, desloca recursos de inovação para defesa e compromete cadeias globais de suprimento? Empresas com forte exposição internacional — como Apple, Volkswagen e Maersk — já enfrentam dificuldades para manter seus compromissos ESG diante dos riscos operacionais e energéticos.
No Brasil, companhias listadas na B3 também serão pressionadas a demonstrar transparência e adaptabilidade. Assim, a governança (o “G” do ESG) ganha novo peso. Não basta publicar metas de carbono zero: é preciso mostrar como decisões reais são tomadas em ambientes adversos. Investidores e consumidores saberão identificar incongruências entre propaganda e prática. Essa pressão se refleti em setores estratégicos.
Empresas do setor de energia, como a Petrobras, enfrentam o dilema entre manter lucros diante da alta do petróleo ou acelerar a transição para fontes renováveis, mesmo em um ambiente incerto. No varejo e na indústria de alimentos, grupos como Ambev e BRF precisam justificar reajustes de preços sem perder a coerência com compromissos sociais e ambientais firmados em seus relatórios. O que está em jogo não é só reputação, mas a capacidade de sustentar o valor de mercado e a confiança dos stakeholders em tempos de crise.
Impactos diretos para o Brasil: empresas, cidadãos e consumidores
As empresas brasileiras devem revisar seus planos estratégicos. Aquelas mais expostas a variações cambiais e custos logísticos sentirão os efeitos mais rapidamente. Além disso, exportadoras — como Embraer, BRF e Suzano — precisam considerar impactos indiretos sobre o comércio exterior, tarifas, e gargalos em insumos industriais e tecnológicos.
Nós, cidadãos já enfrentamos a inflação indireta provocada pela alta dos combustíveis.
O diesel mais caro encarece o transporte público, os alimentos e toda a cadeia de abastecimento. A classe média e os mais pobres sentirão primeiro os impactos dessa instabilidade.
Os consumidores conscientes também serão afetados. Produtos sustentáveis, como veículos elétricos ou painéis solares, podem sofrer atrasos, encarecimento ou limitação de oferta. A guerra, portanto, compromete não só o presente, mas também a viabilidade econômica de alternativas ecológicas no curto prazo.
Caminhos de ação para empresas responsáveis
- Revisar sua matriz ESG com critérios de risco geopolítico: Incluir variáveis de instabilidade internacional, segurança energética e clima em suas decisões estratégicas e relatórios de sustentabilidade.
- Fortalecer a resiliência logística e energética: Investir em energia renovável, parcerias regionais e fontes alternativas. A WEG, por exemplo, tem ampliado sua produção nacional de equipamentos para energia solar, reduzindo dependência de componentes asiáticos.
- Transparência e coerência na comunicação com stakeholders: Reforçar a confiança com investidores, clientes e colaboradores por meio de posicionamentos claros e ações concretas diante da crise.
Conclusão: ESG sob fogo cruzado
O conflito entre Israel / EUA e Irã evidenciou que o ESG não pode ser tratado como acessório de marketing. Em um cenário global instável, ele precisa ser entendido como ferramenta estratégica de resiliência e coerência. A governança ambiental, social e corporativa será testada nos momentos de crise, e será cobrada com ainda mais rigor por mercados, governos e pela sociedade.
No Brasil, a lição é clara: não podemos depender de um mundo estável para agir com responsabilidade. Precisamos estruturar nossas cadeias produtivas, políticas públicas e decisões empresariais com base em um realismo sustentável.
Uma guerra, paradoxalmente, pode acelerar essa maturidade, se não formos cúmplices de sua negligência.
Questões para refletir:
- Sua empresa ainda divulga compromissos com neutralidade de carbono e responsabilidade climática, mesmo sabendo que seus fornecedores dependem de petróleo barato vindo de zonas de guerra? Como justifica essa incoerência ao conselho e ao consumidor?
- Diante do aumento da instabilidade global, sua estratégia ESG é um plano de verdade, com capacidade de resistir a choques geopolíticos, ou apenas um PDF bonito para investidores desatentos?
- Você estaria disposto a reduzir seus bônus ou lucros de curto prazo para manter investimentos em sustentabilidade e inovação verde, mesmo em um cenário de guerra e petróleo caro? Ou o discurso ESG só vale quando não dói no bolso?
Para saber mais:
- CONTROL RISKS. US targets vulnerable to retaliation after strikes on Iran. Control Risks, 2025. Disponível em: https://www.controlrisks.com/our-thinking/insights/us-targets-vulnerable-to-retaliation-after-strikes-on-iran. Acesso em: 23 jun. 2025.
- THE BUSINESS TIMES. Strikes on Iran mark Trump’s biggest and riskiest foreign policy gamble. The Business Times, 21 jun. 2025. Disponível em: https://www.businesstimes.com.sg/international/analysis-strikes-iran-mark-trumps-biggest-and-riskiest-foreign-policy-gamble. Acesso em: 23 jun. 2025.
- BBC BRASIL. O que está por trás da nova ofensiva entre Israel, Irã e EUA. BBC News Brasil, 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3r9qgjwevdo. Acesso em: 23 jun. 2025.
- JAPAN TIMES. Why MAGA’s global coalition won’t survive a war with Iran. The Japan Times, 19 jun. 2025. Disponível em: https://www.japantimes.co.jp/commentary/2025/06/19/world/maga-coalition-wont-survive-iran. Acesso em: 23 jun. 2025.
- UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). Annual Reports on Conflicts and Carbon Emissions. Nairobi: UNEP, 2023. Disponível em: https://www.unep.org. Acesso em: 23 jun. 2025.
- APPLE INC. Environmental Progress Report 2024. Cupertino: Apple, 2024. Disponível em: https://www.apple.com/environment/pdf/Apple_Environmental_Progress_Report_2024.pdf. Acesso em: 23 jun. 2025.
- SHELL PLC. Sustainability Report 2024. Londres: Shell, 2024. Disponível em: https://www.shell.com/sustainability. Acesso em: 23 jun. 2025.
- MAERSK. Sustainability Report 2024. Copenhague: Maersk, 2024. Disponível em: https://www.maersk.com/about/sustainability. Acesso em: 23 jun. 2025.
- PETROBRAS. Relatório de Sustentabilidade 2023. Rio de Janeiro: Petrobras, 2024. Disponível em: https://www.investidorpetrobras.com.br/pt/sustentabilidade/relatorio-anual/. Acesso em: 23 jun. 2025.
- WEG. Relatório de Sustentabilidade 2023. Jaraguá do Sul: WEG, 2024. Disponível em: https://www.weg.net/institutional/BR/pt/sustentabilidade. Acesso em: 23 jun. 2025.
- B3. Guia ESG para companhias abertas e companhias de capital fechado. São Paulo: B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão, 2023. Disponível em: https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/sustentabilidade/esg/guia-esg Acesso em: 23 jun. 2025.
Luciel Henrique de Oliveira é engenheiro Agrônomo e doutor em Administração (FGV), pós-doutorado em Inovação, dedicado à academia como professor e pesquisador desde 1990 (FACAMP; UNIFAE; PUC-MG). Com vasta experiência em Gestão de Operações e Logística, destacam-se seus estudos e pesquisas em temas como Inovação & IA, Agronegócios, Gestão de Serviços, Sustentabilidade/ESG, Economia Circular e Responsabilidade Social Empresarial. Comprometido com o impacto social, acredita no poder transformador da educação, na importância da colaboração em rede e no empreendedorismo para gerar mudanças positivas na sociedade mediante soluções inovadoras. Colunista EA “ESG & Vida Sustentável”.
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