Por Djairo Gonçalves

 

Há uma força silenciosa que habita o inconsciente de cada ser humano — a presença simbólica do Pai. Ele é aquele que estrutura, impõe limites e orienta o caminho em direção à consciência e à autonomia. Mas, quando essa força se desequilibra, quando se transforma em sombra ou em ausência, dá origem ao que Jung chamou de complexo paterno — um conjunto de emoções, imagens e reações automáticas em torno da figura da autoridade. 

Na superfície, o complexo paterno pode parecer apenas uma questão familiar ou psicológica. Mas, em verdade, ele se manifesta em dimensões muito mais amplas: na política, nas instituições, nas empresas e até na forma como reagimos às nossas lideranças. O Pai interior que não foi integrado continua buscando fora de nós aquilo que ainda não encontramos dentro. 

A autoridade e suas sombras 

O complexo paterno positivo se revela quando o indivíduo consegue internalizar a autoridade de forma equilibrada — quando o princípio paterno se torna uma base sólida de discernimento, ética e responsabilidade. É essa presença interior que sustenta líderes capazes de proteger sem dominar, orientar sem controlar, decidir com firmeza e, ainda assim, manter o diálogo. 

Mas quando essa energia se distorce, dá lugar ou “constelam” os aspectos negativos do complexo. A figura do Pai, então, se torna símbolo de medo, obediência cega ou dependência emocional. Nesse estado, a autoridade é projetada em figuras externas — líderes, chefes, instituições — que passam a ocupar o lugar do Pai interior. O resultado é uma fusão simbólica: seguimos o “Pai” sem questionar, defendemos suas falhas, justificamos suas mentiras, acreditamos que ele sabe o que é melhor para nós e, ainda, nos tornamos agressivos com os que discordam de nós. 

Essa dinâmica é observável não apenas na esfera política, mas também dentro das organizações, onde líderes carismáticos ou autoritários se tornam depositários dessas projeções. O culto à figura do chefe, a submissão a hierarquias inflexíveis e a dificuldade de questionar ou se posicionar contra ordens e comportamentos injustos são sintomas de um Pai interior que ainda não amadureceu. 

O complexo paterno nas organizações 

Nas empresas, o complexo paterno negativo pode se manifestar de duas formas extremas. Em uma ponta, temos o líder dominador, que confunde autoridade com poder e sufoca o crescimento da equipe. Na outra, o líder ausente, incapaz de oferecer direção, limites e segurança. Ambos os polos revelam a mesma ferida simbólica: a desarmonia com o princípio paterno interior. 

Equipes que vivem sob o peso dessa desarmonia oscilam entre o medo e a confusão, entre a obediência cega e a falta de direção. Em ambientes assim, a criatividade se retrai, o senso de pertencimento se fragiliza e a confiança se dissolve. A sombra paterna, quando projetada sobre o ambiente organizacional, corrói a vitalidade da cultura e impede o amadurecimento individual e coletivo. 

Caminhos de integração 

Integrar o arquétipo do Pai interior é aprender a reconhecer nossas próprias projeções e reconstruir uma relação saudável com figuras de autoridade internas e externas. É compreender que nenhum líder, instituição ou ideologia pode ocupar o lugar do Pai simbólico dentro de nós. 

Esse processo começa com o autoconhecimento — perceber quando reagimos com obediência automática ou com resistência impulsiva à autoridade, e buscar o ponto de equilíbrio entre ambos. No campo da liderança, significa abandonar o papel do pai punitivo ou do pai ausente e assumir o papel do pai consciente: aquele que sustenta, protege, corrige, orienta e guia com presença e sabedoria. 

Podemos nos perguntar: 

  • Tenho projetado minha autoridade interior em figuras externas? 
  • Sinto medo ou ressentimento diante de quem ocupa posições de poder? 
  • Exerço minha liderança com firmeza e justiça, ou reproduzo padrões autoritários? 
  • Busco aprovação de um Pai simbólico ou atuo a partir da minha própria consciência? 

Essas perguntas não têm respostas fáceis, mas são portas para a integração. O Pai interior amadurecido não precisa ser idolatrado nem temido — ele precisa ser reconhecido e integrado. 

A reconciliação com o Pai 

Reconciliar-se com o Pai é reconciliar-se com a própria autoridade interna. Quando deixamos de projetar o poder e dependência consciente ou inconsciente em figuras externas, recuperamos nossa autonomia e nossa capacidade de discernir. No campo corporativo, essa reconciliação dá origem a líderes mais humanos, organizações mais conscientes e conectadas e relações pessoais e profissionais mais autênticas e saudáveis. 

Um dos desafios do nosso tempo talvez seja esse: redefinir a nossa relação com a autoridade, para que ela não seja mais sinônimo de poder, opressão ou ausência, mas sim de uma presença consciente. Quando o Pai interior se harmoniza, a liderança se torna mais madura, a sociedade mais lúcida e o indivíduo mais inteiro e integrado a si mesmo e aos ambientes pelos quais transita. 

Referências: 

  • Jung, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. 
  • Jung, C. G. Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 2011. 
  • Hillman, James. O Código do Ser. São Paulo: Cultrix, 2006. 
  • Moore, Robert & Gillette, Douglas. O Rei, o Guerreiro, o Mago e o Amante. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 

djairo e1726689094986 - O complexo paterno: sombras da autoridade e seus reflexos nas organizações

Djairo Gonçalves é psicoterapeuta com orientação Junguiana, e hipnoterapeuta. Atua apoiando pessoas em suas questões pessoais e profissionais. Realiza treinamentos, palestras, encontros e retiros com foco no aprimoramento de habilidades comportamentais (soft skills). Pós-graduado em Psicologia Analítica com MBA na Westminster University, Salt Lake City, USA. Pós-graduado em Marketing (ESPM-SP) com graduação em Administração de Empresas (Universidade Metodista). Mais de 25 anos trabalhando no segmento Financeiro e em consultorias estratégicas e de Recursos Humanos. Colunista EA “Espaço Caleidoscópio”.  

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