Por Djairo Gonçalves

 

O conceito de verdade tem sido debatido ao longo da história por cientistas, filósofos, religiosos e psicólogos. Em diferentes momentos, acreditamos que a Terra era o centro do Universo, que o átomo era indivisível e que voar era impossível. Nossos antecessores desafiaram essas “verdades absolutas” e nos mostraram que a verdade é fluida e sujeita a revisões.

Curiosamente, apesar dessa constante evolução, ainda vivemos cercados de “verdades” muitas vezes inquestionáveis, reforçadas por ideologias, grupos e até por nós mesmos. Em alguns casos, cada indivíduo parece carregar sua própria versão da verdade, tornando difícil enxergar além dos próprios filtros.

Poderíamos chamar isso de viés, fusão ou simplesmente miopia.

A crença de que “a verdade está lá fora”, popularizada pelo “slogam” série Arquivo X, reflete essa busca externa por respostas. No entanto, esse conceito se opõe à proposta de autoconhecimento presente em diversas tradições filosóficas e espirituais. Jesus, os estóicos e Carl Jung ensinam que a verdade não está lá fora, mas sim dentro de nós.

A famosa frase de Jesus, registrada no Evangelho de João (8:32) — “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” — foi dita em meio a uma discussão com os fariseus no Templo de Jerusalém. A sociedade judaica vivia sob o domínio romano e esperava um Messias libertador político, mas Jesus propunha uma libertação diferente: não externa, mas interna. Ele desafiava a crença na necessidade de intermediários entre Deus e o homem (organizações que usavam a religião como meio de controle e poder econômico), pregando que a verdadeira liberdade vinha do despertar interior.

Essa ideia encontra eco nos evangelhos apócrifos. No Evangelho de Tomé, Jesus afirma:
“Se trouxeres à tona o que há dentro de ti, o que trouxeres te salvará. Se não trouxeres à tona o que há dentro de ti, o que não trouxeres te destruirá.”

O Evangelho de Maria Madalena reforça que a libertação não vem da prática de dogmas, mas sim do autoconhecimento.

Os filósofos estóicos, como Epicteto que viveu grande parte de sua vida como escravo, também defendiam essa ideia: “Só é verdadeiramente livre aquele que não se deixa escravizar por suas paixões e ilusões.” Já Jung, ao formular o conceito de individuação, mostrou que a liberdade surge quando integramos conscientemente nossos aspectos inconscientes — nossas sombras.

Mas há um ponto essencial em tudo isso e eu não poderia deixar de citar: a verdade só transforma quando é vivida.

Não basta conhecê-la; é preciso agir sobre ela. Encarar a verdade significa questionar crenças, comportamentos e nosso próprio papel no mundo. Esse é o convite de Jesus, de Jung e dos estóicos: olhar para dentro, reconhecer nossas limitações e nossos potenciais e transformar conhecimento em ação.

Quantas vezes ignoramos sinais evidentes em nossas relações pessoais ou profissionais porque enfrentar a verdade exigiria de nós mudanças difíceis? O medo da transformação, do desconhecido, os ganhos secundários e até nossa falta de visão nos mantém presos a padrões muitas vezes destrutivos nos levando a reprimir nossa essência, ao conformismo e até mesmo à ilusão de controle. Entretanto, fugir da verdade não a torna menos real — apenas posterga suas consequências e pode nos adoecer.

Nas empresas, essa reflexão não é menos relevante.

Se tratarmos a organização como um organismo vivo, podemos dizer que ela também possui seu “inconsciente coletivo” e, Muitas vezes, assim como nós, as organizações buscam soluções externas para o sucesso e negligenciam a necessidade de olhar para dentro de si mesmas.

A verdadeira mudança corporativa começa com a transformação interior dos líderes e colaboradores. Quando as empresas alinham suas práticas à verdade — interna e ética —, criam ambientes mais autênticos e produtivos, onde a transparência e a colaboração se tornam pilares do sucesso individual e coletivo.

Sim, a verdade liberta, mas apenas aqueles que escolhem viver e atuar nela!

Por fim, a verdade não está lá fora, mas dentro de nós. No campo espiritual, ela é o caminho do autoconhecimento e da conexão com algo maior. Na psicologia, é o processo de individuação.

No estoicismo, é a razão que nos liberta das ilusões. No mundo corporativo, é agir com integridade e clareza.

E no dia a dia, significa reconhecer padrões que nos aprisionam, enxergar a realidade de nossos relacionamentos e das escolhas que fazemos e encarar verdades que evitamos por medo, ganhos secundários, por falta de ferramentas psíquicas para lidar com elas ou ainda por conveniência.

A verdade tem o poder de transformar — mas apenas se tivermos coragem de vivê-la.

E você? O que faz com a sua verdade?

 

djairo e1726689094986 - “Conhecereis a verdade…” E depois?

Djairo Gonçalves é psicoterapeuta com orientação Junguiana, e hipnoterapeuta. Atua apoiando pessoas em suas questões pessoais e profissionais. Realiza treinamentos, palestras, encontros e retiros com foco no aprimoramento de habilidades comportamentais (soft skills). Pós-graduado em Psicologia Analítica com MBA na Westminster University, Salt Lake City, USA. Pós-graduado em Marketing (ESPM-SP) com graduação em Administração de Empresas (Universidade Metodista). Mais de 25 anos trabalhando no segmento Financeiro e em consultorias estratégicas e de Recursos Humanos. Colunista EA “Espaço Caleidoscópio”.

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