Mas esses não são tempos normais!

ED#2 ENSAIO | Yuval Noah Harari

É reconhecido como o pensador mais agudo da atualidade. Profético, apocalíptico, carrega uma infindável legião de seguidores e de não seguidores. Israelita, tem 44 anos, é professor, historiador, filósofo. Homossexual, é casado com Itzik Yahav, seu agente. Leciona no depto. de História da Universidade Hebraica de Jerusalém. Roda o mundo, em eventos, ampliando a condição do debate sobre os três grandes temas que alicerçam sua obra que trata das condições da vida no século 21: Felicidade, Divindade e Imortalidade.

PANDEMIA

“O futuro ainda não está escrito, mas depende das decisões que tomamos hoje, no Brasil, em Israel, em todo o mundo. Sabe, uma decisão muito importante, é se enfrentamos, se lidamos com esta crise através da solidariedade humana e cooperação globais. Ou se lidamos com ela através do isolacionismo nacionalista e competitividade. Existem escassos recursos médicos, kits de testes, respiradores, máscaras, luvas, que cada país luta contra o outro para obter esses recursos”.

COOPERAÇÃO

“Ou temos um tipo de cooperação global, primeiro para tornar a produção de insumos mais eficiente e, em segundo lugar, para distribuir qualquer equipamento médico que haja, de maneira justa, para que não seja monopolizado pelos países mais ricos. Após a crise, se escolhermos a cooperação global, teremos este bom legado de solidariedade humana”.

“Inteligência artificial e robótica irão mudar todas as profissões, trabalhos vão desaparecer. Alguns emergirão, mas não sabemos se serão suficientes”.

INDÚSTRIAS

“Precisamos de um espírito de cooperação e confiança. E também da plena disposição internacional de produzir e distribuir equipamentos médicos, como kits de teste e respiradores. Assim como os países internacionalizam suas principais indústrias durante uma guerra, o combate contra o coronavirus exige humanizar as indústrias comprometidas com o bem comum”.

CIÊNCIA

“Nos últimos anos, políticos irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na mídia. Agora, esses mesmos políticos irresponsáveis podem ficar tentados a seguir o caminho do autoritarismo, argumentando que você simplesmente não pode confiar na mídia ou na ciência para fazer a coisa certa. Normalmente, a confiança que foi corroída por anos não pode ser reconstruída da noite para o dia.”

TECNOLOGIA

“A fantasia tecnológica de alguns poucos pode se tornar o pesadelo de bilhões. Inteligência artificial e biotecnologia podem contribuir para nossa evolução, claro. Por exemplo, hoje 1,5 milhão de pessoas morrem de acidente de carro por ano, sendo que 90% por erro humano. Os veículos autônomos salvarão um milhão de pessoas”.

TRABALHO

“Com a revolução industrial, o século 19 criou a classe trabalhadora urbana. Ela corre o risco de se transformar em uma classe inútil no século 21. Não inútil do ponto de vista da família e das relações afetivas, mas pela perspectiva econômica e política”. Ninguém sabe como será o mercado de trabalho em 2050. Só se sabe que vai ser completamente diferente do que é hoje”.

CARREIRA

“Teremos revoluções sucessivas. As pessoas terão que se reinventar não uma vez na vida, mas talvez várias, a cada década praticamente. No passado, as pessoas lutavam contra a exploração; no século 21, a maior luta é contra ser irrelevante. Sendo que, quando você é explorado, é menos ruim, porque pelo menos você é necessário”.

DITADURA DIGITAL

“Mas o perigo maior está no nível político de ascensão das ditaduras digitais – governos e regimes totalitários controlando todos o tempo todo. A equação é muito simples: conhecimento biológico multiplicado por processamento de dados resulta em hackeamento de seres humanos. A fusão da biologia com a tecnologia pode resultar em dados suficientes para hackear milhões de pessoas”.

ALGORITMOS

“São algoritmos que vão te entender melhor do que você mesmo se entende. Com poder para manipular seus sentimentos e substituir completamente suas decisões. Eles não precisam te conhecer perfeitamente – para hackear, só é preciso conhecê-lo um pouco melhor, seus dados. O que já é razoável porque você mesmo não se conhece tão bem”.

NOVO EXÉRCITO

“Será preciso se prevenir e se proteger não apenas de seu próprio governo, mas de outros governos e instituições poderosas. Imagine você como seria a política brasileira quando alguém na China souber todo histórico médico e pessoal dos políticos, juízes e jornalistas, incluindo escapadas sexuais e doenças mentais. Não precisa enviar seu exército, é só coletar dados”.

HACKER

“O hacker pode impactar nossa liberdade cada vez mais, com a inteligência artificial tomando decisões por nós. Hoje, bilhões confiam nos algoritmos do Facebook ou do Google para nos dizer a verdade. A Netflix já nos diz o que assistir. No futuro, nos dirão onde trabalhar, com quem casar, ou se o Banco Central deve diminuir ou não a taxa de juros. E a resposta será sempre a mesma: ‘porque o algoritmo disse assim’”.

NOSSO CÉREBRO

“O cérebro humano é limitado. Não seremos capazes de entender o algoritmo e suas decisões, não teremos essa capacidade de processar dados. Hoje, digamos que 1% da humanidade entende do sistema financeiro. No futuro, talvez seja zero. Mas o que vai significar a vida humana quando decisões forem tomadas por um algoritmo? Não temos modelos filosóficos e existenciais para entender e interpretar uma vida como essa”.