Por Luciel Henrique de Oliveira
A morte do Papa Francisco, em 21 de abril de 2025, marcou o fim de um pontificado profundamente influente não só no contexto religioso, mas também nas questões socioeconômicas e ambientais globais. Durante seus quase 12 anos como líder da Igreja Católica, Francisco foi muito além da esfera espiritual e religiosa, tornando-se uma referência essencial para organizações que buscam genuinamente integrar práticas Ambientais, Sociais e de Governança (ESG) de maneira ética, autêntica e transformadora.
Um dos pilares fundamentais do legado deixado por Francisco é a sua encíclica “Laudato Si” (2015), documento que revolucionou a abordagem à sustentabilidade.
Nele, Francisco apresentou o conceito de “ecologia integral”, interligando meio ambiente, justiça social e economia. Para o pontífice, proteger a “casa comum” é uma obrigação ética, criticando veementemente o consumismo desenfreado e o descarte irresponsável de recursos naturais. Essa perspectiva incentivou empresas como Natura, que investe pesadamente em modelos regenerativos e sustentáveis, e a Patagonia, que adotou uma postura clara de ativismo ambiental, comprometendo-se a utilizar materiais reciclados e processos produtivos éticos, inclusive direcionando lucros para projetos socioambientais.
Outro ponto relevante de sua atuação foi o estímulo à justiça social e inclusão, elementos que fortalecem o componente “S” do ESG. Em sua encíclica Fratelli Tutti (2020), Francisco advogou pela fraternidade universal e uma economia que priorize a dignidade humana sobre o lucro. Esta visão inspira negócios como o Magazine Luiza, que se destacou por seu programa de trainees exclusivamente para negros, enfrentando diretamente o racismo estrutural no Brasil, e o Banco Santander, com programas de microcrédito e inclusão financeira que proporcionam autonomia econômica para populações vulneráveis.
A governança ética e transparente também foi um legado marcante do pontificado de Francisco.
Seu esforço para reformar as estruturas administrativas e financeiras do Vaticano, promovendo transparência e combatendo a corrupção, serve como exemplo prático para empresas em diversos setores. Este enfoque tem incentivado organizações a adotarem práticas rigorosas de compliance, integridade e diversidade em seus conselhos administrativos, como visto em companhias como a Natura &Co, que sistematicamente trabalha para reforçar transparência em suas operações globais e governança corporativa.
O movimento conhecido como “Economia de Francisco” é outro marco deixado pelo Papa.
Este projeto, voltado especialmente para jovens economistas e empreendedores, busca remodelar o sistema econômico global, enfatizando o bem-estar comum e a sustentabilidade como fundamentos essenciais. Empresas certificadas pelo movimento B Corp, como a Danone e a Fazenda da Toca, traduzem esta visão ao demonstrar que é possível conciliar impacto positivo e rentabilidade econômica, transformando práticas ESG em oportunidades concretas e sustentáveis.
Além disso, o Papa destacou frequentemente a importância de uma educação voltada para a formação ética e sustentável.
Para ele, uma mudança real e duradoura precisa de transformação cultural e mentalidade crítica. Nesse sentido, companhias como a Unilever já investem fortemente na capacitação contínua de colaboradores, incorporando valores sustentáveis e éticos na cultura organizacional.
Programas educacionais internos, que vão além da simples conscientização ambiental e alcançam temas como inclusão e ética, são exemplos práticos dessa abordagem.
A influência de Francisco estende-se ainda mais amplamente ao incentivar o diálogo intersetorial, envolvendo governos, terceiro setor e iniciativa privada. Empresas como IKEA têm adotado políticas ambiciosas de economia circular e redução significativa de emissões, inspiradas nas diretrizes éticas e sustentáveis defendidas pelo Papa Francisco.
Em paralelo, empresas brasileiras como a Ambev vêm estabelecendo metas rigorosas de redução de água e neutralização de carbono em suas operações, ações claramente alinhadas aos princípios defendidos pelo pontífice em suas encíclicas.
O legado de Francisco ultrapassa limites religiosos e inspira mudanças concretas em diversos contextos organizacionais.
Seu pontificado lembra aos administradores, empreendedores e consultores que ESG não é apenas um conjunto de diretrizes corporativas, mas uma oportunidade para transformação autêntica e profunda das organizações. Integrar esses princípios com propósito real e genuíno é essencial para garantir um futuro sustentável e ético.
Francisco deixa um legado poderoso e inspirador. Mais do que métricas e relatórios, ele nos convida a uma verdadeira conversão ética e cultural.
A mensagem é clara: empresas devem agir não só com responsabilidade, mas com real compromisso ético e social, promovendo o desenvolvimento que respeita o meio ambiente, valoriza as pessoas e pratica governança justa e transparente. Transformar esses princípios em realidade não é apenas possível, mas uma necessidade estratégica para a construção de organizações resilientes e preparadas para enfrentar os desafios do século XXI.
Questões para refletir:
- O Papa Francisco defendia que a “ecologia integral” exige interligar justiça social, meio ambiente e economia, indo além de métricas isoladas. Como sua organização está garantindo que as práticas ESG não se limitem a relatórios técnicos ou certificações, mas promovam uma transformação cultural interna que questione modelos de consumo, distribuição de recursos e impactos socioambientais de forma integrada?
- Sua organização está pronta para ir além das métricas ESG tradicionais, promovendo uma “conversão ética” real em sua cultura e práticas cotidianas, mesmo que isso exija sacrificar lucros imediatos?
- Como os princípios da “ecologia integral”, defendidos por Francisco, poderiam ser aplicados concretamente em suas políticas de compras, produção e relacionamento com fornecedores para assegurar um impacto positivo duradouro?
- Programas como o de trainees para negros do Magazine Luiza, desafiam o racismo estrutural. Sua organização está disposta a adotar medidas que confrontem diretamente desigualdades sistêmicas (como racismo, machismo ou exclusão de minorias), mesmo que isso gere conflitos internos ou externos, ou ainda afete lucratividade no curto prazo? Como equilibrar propósito ético e pressões por resultados?
- Diante da urgência ética proposta pelo legado de Francisco, que ações efetivas sua organização está adotando para garantir inclusão verdadeira e governança transparente, transformando discursos em resultados palpáveis para todos os stakeholders?
Para saber mais:
POLITICO. Pope Francis’ death will leave behind a complex legacy for the Catholic Church. Disponível em: https://www.politico.eu/article/pope-francis-death-complex-legacy-catholic-church-vatican-city-state/. Acesso em: 21 abr. 2025.
FRANCISCO, Papa. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 4 mar. 2025.
FRANCISCO. Fratelli tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em: 21 abr. 2025.
NODARI, Paulo César. Casa Comum ou Globalização da Indiferença?: Ensaios sobre Ecologia Integral, fraternidade, Política e Paz. Paulus Editora, 2022.
TAVARES, Sinivaldo Silva. Ecologia Integral: um novo paradigma. Ecologia integral: abordagens (im) pertinentes. São Paulo: Casa Leiria, p. 23-36, 2020.
Luciel Henrique de Oliveira é engenheiro Agrônomo e doutor em Administração (FGV), pós-doutorado em Inovação, dedicado à academia como professor e pesquisador desde 1990 (FACAMP; UNIFAE; PUC-MG). Com vasta experiência em Gestão de Operações e Logística, destacam-se seus estudos e pesquisas em temas como Inovação & IA, Agronegócios, Gestão de Serviços, Sustentabilidade/ESG, Economia Circular e Responsabilidade Social Empresarial. Comprometido com o impacto social, acredita no poder transformador da educação, na importância da colaboração em rede e no empreendedorismo para gerar mudanças positivas na sociedade mediante soluções inovadoras. Colunista EA “ESG & Vida Sustentável”.
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