ED#5 Geração 50+ | Marcia Monteiro

 

“Mas a diversidade etária, com raras exceções, não costuma aparecer em programas D&I. A pandemia deu um empurrão nesse tema. É uma “onda prateada” que só cresce. Muitas das falas ainda são dirigidas somente ao público 50+, 60+. Mas esse é um debate que precisa incluir todas as gerações, numa linguagem plural e inclusiva. Vamos “implodir” essas caixinhas onde fomos colocados.”

EA – O que te atraiu para temáticas contemporâneas como longevidade geracional?
Marcia Primeiro, eu já sentia na pele, literalmente. Tenho 54 anos e essas eram questões que estavam em ebulição natural na minha cabeça. Segundo, tenho uma curiosidade grande por tudo que está por vir no mundo, principalmente na área comportamental. Lia muitos artigos sobre possibilidades de futuro, e a longevidade maior aparecia como uma macro tendência em todos os estudos. Daí, para juntar meu interesse pessoal numa proposta de um Globo Repórter sobre o Futuro do Trabalho foi um pulo.

Para elaborar essa pauta, em 2018, procurei Laboratórios de Tendências, como o da Casa Firjan, no Rio de Janeiro, e programas como o Profuturo, da FEA-USP. Mergulhei de cabeça no assunto, com todas as suas nuances: capacitações tecnológicas, habilidades socioemocionais, o provável fim do emprego, mas não do trabalho, novos modelos de ensino/aprendizado e de prestação de serviço, o lifelong learning, o home office, as diversas mudanças de carreira ao longo da vida. Cruzando todas essas informações, percebi que não tinham a ver com idades específicas e eram intergeracionais. Comecei a buscar estudos, ainda escassos no Brasil, e me despertou a vontade de produzir conteúdo sobre a questão. O fator idade é o único transversal a todas as diversidades.

EA – Como melhor se preparar para empreender?
Marcia Um levantamento do SEBRAE este ano mostrou que os empreendedores acima de 65 anos são os que mais empregam e pagam melhor no país, embora ainda representem pouco (7,3%) no universo nacional. Pesquisas internacionais também apontam maiores taxas de sucesso para empresas iniciadas por pessoas na casa dos 50 anos. Só faço um alerta sempre que trato desse aspecto: o empreendedorismo não é um caminho fácil e tranquilo. Tem vários riscos, é preciso se preparar, buscar conhecimento e apoio de instituições ou coletivos de suporte. Não dá pra sair por aí achando que vai virar dono de negócio e que vai dar tudo certo sem planejamento.

 “A tranquilidade, o conhecimento, experiência e segurança para se fazer o que se sabe e o que se gosta dão vigor aos sêniores”.

EA – Cargos de CEOs são ocupados em sua maioria por homens acima de 50 anos, mulheres são minorias. Como equacionar isso?
Marcia Essa é uma realidade mundial. Mesmo no caso dos empreendedores, que falávamos acima, a maioria absoluta entre os idosos é de homens (73%) e brancos (59%). E não só entre os idosos, diga-se. Quando cruzamos com os dados de gênero e raça, a diferença é ainda mais gritante. Um relatório da consultoria Mckinsey, feito aqui nas Américas, revelou que se um em cada cinco líderes C-Level é mulher, menos de um em cada 30 é mulher negra!

EA – Este cenário de imensa desigualdade (e preconceito) está mudando?
Marcia Temos visto iniciativas para incentivar a ascensão feminina a postos de comando. Grandes empresas estão estabelecendo metas para o preenchimento de cargos de liderança em curto e médio prazos. Vamos levar muito tempo ainda para equacionar a questão. Os passos são lentos, mas agora me parecem mais firmes e sem volta. Algumas dessas políticas para equidade de gênero passam pela capacitação, inclusão em cursos de desenvolvimento para os quais homens são mais recrutados; revisão nos processos de seleção e concessão de promoções baseadas em competência e resultados (e não em supostas características femininas/masculinas); ambiente inclusivo que gere reconhecimento entre os pares e superiores (geralmente homens); e até pela flexibilização dos horários de trabalho.

 “No Brasil, o percentual de mulheres em cargos gerenciais é de apenas 38%, segundo o IBGE. Já em posições de alta liderança, o número despenca para menos de 20%. No âmbito internacional, vamos encontrar menos de 5% de CEOs mulheres no planeta.”

EA – Mulheres têm um jeito diferente de liderar?
Marcia Acho que sim. Embora seja impossível generalizar e um perigo reforçar estereótipos. Cada pessoa tem sua trajetória pessoal, histórico profissional e personalidade. Mas, até por conta da experiência nos papéis estabelecidos tradicionalmente nas relações familiares, as mulheres são boas em resolver problemas complexos, têm mais capacidade de conciliação, de colaboração, de engajar equipes e, em geral, são mais empáticas. Focam nas pessoas, sem perder a mira nas metas do negócio.  Não gosto da separação de características mais racionais para homens e mais emocionais para mulheres. Esse é um argumento usado para fragilizar as decisões femininas. A firmeza e a objetividade não são qualidades de homens ou de jovens, como muitos ainda pensam. Pesquisas das Universidades de Liverpool e Reading mostraram que, durante a pandemia, países com  lideranças femininas contiveram melhor  o avanço do coronavírus e os problemas econômicos causados por ele. No campo das empresas, as que têm mais mulheres em cargos executivos apresentam desempenho financeiro até 20% maior.

 “Diversidade gera felicidade, tanto para os negócios quanto para as pessoas.”

EA – Programas de carreiras interpretam a força do trabalho em escala média, aos 30 anos, mas o tempo de vida se ampliou e há uma geração sênior muito apta ao mercado.
Marcia Eu sempre digo: vamos abrir os olhos e os ouvidos. Ainda há um véu espesso atrapalhando a visão e escuta dessa questão no mundo corporativo. O primeiro passo é levar esse tema para dentro das organizações, através de palestras, workshops, formação de grupos de afinidade, etc. O conceito de empresas “age-ready” (prontas para o envelhecimento) já é realidade na Europa e vai crescer aqui. Nele estão desde questões de mobiliário ergômico, planos de carreira que não excluem veteranos, até atividades conjuntas de conscientização e combate ao idadismo. Mas não basta ficarmos falando, é preciso investir em atualizações.

EAComo criar cultura de empregabilidade que favoreça os 50+?
Marcia Por que considerar um profissional com conhecimento acumulado e experiência, obsoleto? Às vezes, basta apenas o treinamento em novas ferramentas. Muitos estão no auge da sua atividade e trazem habilidades que levam tempo para serem construídas, como inteligência emocional, adaptabilidade, resiliência. Todas muito perseguidas pelas empresas hoje. Processos de seleção – tanto para entrada na corporação, quanto para promoção – têm que ser revistos. O chamado “recrutamento às cegas” prova que capacidades e valores não têm a ver com a data de nascimento, raça, gênero ou orientação sexual. Linhas de corte aos 40 anos (às vezes menos) deixam de fora candidatos às vagas com potenciais riquíssimos.

“Não importa gênero, raça, orientação sexual, religião, PCDs, todos vamos envelhecer.”

EA – Isso impulsiona novas modelos para as contratações.
Marcia Sim. É interessante que se ofereçam novos modelos de contrato, sejam por “job”, prazos determinados e horários flexíveis. É saudável e lucrativo promover mentorias entre jovens e maduros. E só para finalizar, profissionais mais velhos faltam menos ao trabalho e têm mais comprometimento com a empresa, segundo dados de plataformas como Labora e Maturi, especializadas no desenvolvimento e recolocação dos 50+. Organizações que se queixam de grande rotatividade na mão de obra devem pensar nisso.

EA – A pandemia descortinou tantas questões neste contexto, não?
Marcia A pandemia evidenciou um preconceito que já existia. A maior taxa percentual de demissões no primeiro semestre de 2020 foi de trabalhadores 65+. Houve um aumento de 25% na dispensa desses empregados. Por outro lado, e também por conta disso, a gente observou o crescimento de plataformas de apoio à carreira desse público. Infelizmente, a realidade maior é que existe ainda uma “linha de corte” nos processos de seleção, que parece cada vez mais precoce. Tenho visto no LinkedIn queixas de homens e mulheres com 45, 40 e até 33 anos sobre suposta inadequação ao perfil da vaga. São considerados velhos!

EA – Que atributos são esperados de um profissional 50+ para ele se manter competitivo?
Marcia O primeiro atributo é a atualização, mas não só para os maduros. Profissionais de qualquer idade têm que se atualizar permanentemente, estar por dentro das novidades da sua área, estudar sempre. É importante ter uma busca ativa por novos conhecimentos, frequentar cursos e palestras, trocar com outras pessoas, pesquisar no Google, ler! O lifelong learning, ou aprendizado pra vida toda, é um lema para todos. Ele leva ao segundo atributo que é o poder de adaptação. Nós aprendemos e usamos pra tudo hoje: nos comunicar, pagar contas, fazer compras. E, claro, para trabalhar. O mercado atual valoriza muito as chamadas soft skills e os maduros são em quem elas aparecem mais fortes. Habilidades socioemocionais como resiliência, empatia, inteligência emocional não são exclusividade dos maduros, mas levam um tempo para se desenvolver.

 “O profissional mais velho tem mais experiências, mais erros em que se basear, mais repertório para reconhecer crises e sair delas. Ele tem que se valer desse “patrimônio” para propor soluções de problemas e não deve nunca se fechar ao novo. Aí incluído o letramento digital, sim. Quer brincar tem que descer pro play! Não dá para ficar fugindo. O conhecimento de ferramentas de tecnologia é necessário e não tem motivo para causar medo.”

EA – Jovens estão preparados para trabalhar com colegas de terceira idade?
Marcia Não sei se podemos chamar de “preparados”. A maioria não pensa nisso. Aliás, nem nós os 50+ estamos prestando atenção. Ou não estávamos. Nunca na história houve cinco gerações ao mesmo tempo no mercado de trabalho. Gente de 18 a mais de 70 anos está convivendo nas organizações. Essa superposição de perfis tão diferentes pode trazer alguns atritos, mas também muitas oportunidades de troca. Só que para aproveitá-las é preciso romper nossas próprias “bolhas”. Se a garotada é multitarefas e tem domínio tecnológico, os mais velhos têm mais resiliência e, frequentemente, inteligência emocional mais apurada. Olha que mistura potente de saberes e habilidades! É o que eu chamo de Inteligência Intergeracional.

 “Não tem essa de que o jovem não tem nada a ensinar e o maduro nada mais a aprender. Não existe o “sabe-tudo”, em nenhuma idade. É importante fomentar projetos de mentoria e mentoria reversa.”    

EA – Programas de D&I alcançam essa pauta?  
Marcia Eles estão se fortalecendo e começando a se multiplicar, mas os pilares de diversidade ainda se concentram em raça, gênero, LGBTQIA+ e PCDs. O pilar etário é muito incipiente. A boa notícia é que equipes intergeracionais têm se mostrado mais inovadoras e com melhor performance do que as sem a boa mistura de idades.

EA – O futuro do trabalho terá a geração 50+ na ativa?
Marcia Aposto muito nisso. Todas as projeções afirmam que até 2040 mais de 50% da força de trabalho no Brasil será composta por pessoas acima de 50 anos. Nossa pirâmide etária já não é uma “pirâmide” há algum tempo. Estamos virando um “jarro”. No Rio de Janeiro, a população maior de 60 já ultrapassou o número de crianças e adolescentes até os 14 anos. Teremos mais de uma, duas, três carreiras ao longo da vida. O negócio é se preparar para isso, investindo na saúde, no conhecimento sempre e nas redes sociais – não as do mundo digital, mas as de apoio, networking e amizade mesmo. Estudos apontam que mais de 60% das profissões de 2030 (logo ali) ainda não foram inventadas. Quem sabe eu não me candidato a “Gestora de Relações Intergeracionais”, agora em 2024?

EA – A pandemia impactou de que forma sua vida?
Marcia O impacto foi bem grande, pessoal e profissionalmente. Tive um câncer de mama em janeiro de 2020 e em março estava em plena radioterapia, quando veio a pandemia e o primeiro fechamento de quase tudo. Assim como os maiores de 60 anos, tive que experimentar o trabalho remoto. Assim, de um dia pro outro. Claro que tudo motivado por um grande cuidado em preservar nossa saúde, mas caímos de paraquedas no desconhecido mundo do Zoom, Google Meeting, Teams e da adaptação tecnológica para conseguirmos acesso, de casa, aos materiais de reportagem e edição. Isso tudo afastada do convívio prático e caloroso da Redação. Ao mesmo tempo, o home office me permitiu abrir o leque de conhecimentos.

Fiz dezenas de cursos on line, entrei numa pós-graduação em Influência Digital, aprofundei minhas pesquisas, comecei forte atuação na produção de artigos e conteúdos sobre a nova Longevidade, a Diversidade Geracional e fundei minha empresa a Geração Ilimitada® Estudos e Palestras. Várias portas se abriram e, mais do que nunca, botei em prática tudo que falei até agora nessa entrevista. Não parei de aprender, me adaptei, tive resiliência para aguentar as dificuldades, fortaleci minhas conexões e descobri outras, compartilhei. Ajudei e fui ajudada. Mantive o espírito curioso e otimista.

Olho ao redor, cuido de mim e também do outro. Estou aberta ao novo, ele não me assusta porque não estou sozinha.

 

Marcia Monteiro 21643 cor BeatrizSalgado - Geração 50+

Marcia Monteiro é entusiasta e praticante do lifelong learning, da pluralidade de pensamento e da busca pela diversidade de gênero, raça, orientação sexual e idade no mundo corporativo. Acredita na riqueza da troca de saberes entre gerações e fez disso sua causa e objeto de estudo. É integrante da turma de Estudos de Futuro da Casa Firjan. Jornalista carioca, atua a mais de 30 anos no mercado de comunicação, ingressou na Rede Globo em 1992, trabalhou nos principais telejornais da emissora,  hoje é chefe de redação do Globo Repórter.

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