Por Mauricio Munhoz

 

Às vezes, de repente, me pego soltando palavras que fazem as pessoas ao meu redor fazerem caretas.

Idiossincrasia foi uma delas, bem recentemente. Já falo que ela significa nada mais do que “particularidade”, “peculiaridade”, “comportamento”, “disposição”, enfim, como gosto de falar, “jeitão”.

Não me perguntem o motivo de eu fazer isso. Se eu procurasse possíveis motivos,

acredito que metade deles venha como sintoma da idade, outra metade pode vir do fato de eu gostar do nosso idioma (apesar da minha formação inicial ser em engenharia). E só para mostrar que mesmo sendo engenheiro não sou exato nas coisas, vou falar que a terceira metade dos motivos seja porque eu vivo a minha própria idiossincrasia!

Fiz toda essa abertura para compartilhar com vocês que me peguei soltando a seguinte expressão numa turma de líderes que eu estava provocando presencialmente: “Idiossincrasia Esquizofrênica Corporativa”.

Por si só, falar isso foi um senhor exercício de fonoaudiologia, confesso. Admito também que eu mesmo fiz uma enorme careta depois de soltar essa pérola, para somente depois procurar uma expressão mais normalzinha, como: “Jeitão desconexo de ser”.

Bom, para explicar de onde surgiu aquela conversa com os líderes, vou chamar duas pessoas aqui para ajudarem na minha defesa, que são Uri Gneezy e Patrick Lencioni.

Começo pelo mais conhecido, talvez, que é o Patrick Lencioni. Ele tem um modelo de estruturação de ambientes organizacionais saudáveis, lá no livro “The Advantage” (temos edição nacional: A Vantagem Decisiva).

Ele fala que uma organização é saudável na medida que consegue dar foco na seguinte sequência de coisas:

1. Ter coesão entre os integrantes da sua alta liderança, trabalhando questões de confiança, de busca por conflitos produtivos, pelo comprometimento às decisões tomadas, pela responsabilização coletiva, e pelo olhar do resultado como um todo (e não apenas de cada área).

2. Que esta alta liderança tenha clareza sobre o propósito da empresa, onde estão, aonde querem chegar, o que precisa ser feito e quando, e qual o papel e as reponsabilidades de cada um deles nessa caminhada.

3. Com esses dois primeiros passos, o próximo é o de passar essa clareza toda para todas as suas equipes, de modo consistente, através de palavras e ações, sabendo que o óbvio não existe.

4. Ao final, e durante todo o percurso, que a empresa adote políticas e processos condizentes/ congruentes com a estratégia desenhada, com a jornada planejada.

Nesse quarto passo, ao olharmos especificamente para a Área de Pessoas, ou RH como preferirem, os seus processos de Comunicação Interna, de Recrutamento e Seleção, de Desenvolvimento de Pessoas, de Avaliação de Desempenho, de Reconhecimento, de Remuneração, de Desligamento, eles precisam estar alinhados com a estratégia da empresa.

Caso contrário, pode parecer papo de maluco.

E é exatamente nisso que entra o nosso querido Uri Gneezy, com o seu “Mixed Signals –  How Incentives Really Work”, onde ele nos mostra como os incentivos podem (devem) ser usados de maneira eficaz para moldar comportamentos e melhorar o desempenho organizacional.

De modo rapidinho, trago para vocês que ele passeia sobre alguns princípios-chave, como:

1. Clareza e coerência nos incentivos: Os incentivos devem ser claros e alinhados com os objetivos estratégicos da organização. Ou seja, incentivos mal projetados podem enviar sinais mistos aos funcionários, resultando em comportamentos não desejados.

2. Transparência: Quando os funcionários entendem como os sistemas de recompensa funcionam e veem que eles são aplicados de maneira justa, isso promove um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo.

3. Foco no longo prazo: Os incentivos devem incentivar comportamentos que beneficiem a organização a longo prazo. Incentivos que promovem ganhos rápidos podem levar a práticas prejudiciais a longo prazo.

4. Reconhecimento e valorização: Essa parte, eu amo de paixão, pois mostra a importância do reconhecimento e da valorização dos funcionários. Incentivos não monetários, como elogios públicos, oportunidades de desenvolvimento e um ambiente de trabalho positivo, podem ser tão ou mais eficazes do que recompensas financeiras.

5. Flexibilidade e adaptação: Outra paixão minha, a tal Adaptabilidade, onde a cultura organizacional precisa ser flexível o suficiente para se adaptar a mudanças e feedback.

6. Equilíbrio entre competição e colaboração: Ou seja, cuidado com o excesso de competitividade, que pode criar um ambiente tóxico. Uma cultura desejada deve equilibrar competição saudável com colaboração, incentivando os funcionários a trabalhar juntos para alcançar objetivos comuns.

7. Alinhamento com os valores organizacionais: Meio como fechamento de tudo, onde os incentivos precisam estar alinhados com os valores centrais da organização. Isso garante que os comportamentos incentivados estejam em sintonia com a missão e visão da empresa, promovendo uma cultura organizacional coesa e direcionada.

Sensacional!

O que adianta falarmos sobre a importância de atuarmos coletivamente, se nosso sistema de avaliação e reconhecimento de desempenho se baseia apenas em metas individuais?

Qual a real mensagem a gente passa se falamos que buscamos um ambiente de inovação se em nossas reuniões somos craques em buscar culpados por erros e falhas cometidas?

Qual o resultado prático de temos discursos a respeito da importância da qualidade dos nossos produtos e serviços, se estamos a todo instante colocando pressa para entregarmos mais e mais?

É fácil perceber que seguramente dá nó na cabeça das pessoas, quando atuamos de modo não coerente.

E acreditem:

As pessoas agem de acordo com os incentivos percebidos, e não de acordo com os discursos adotados.

Foi nesse contexto que eu trouxe o termo “Idiossincrasia esquizofrênica organizacional”.

A gente só alcança esse estágio por não praticarmos coerência entre discurso e prática.

Especificamente para nossos colegas que atuam na Área de Pessoas (RH), deixo aqui o convite para refletirem: você contribui para um ambiente corporativo esquizofrênico, entra como um agente neutro, ou atua de modo a minimizar essa maluquice toda?

Não adianta sugerirmos saúde organizacional para as demais áreas, se dentro da nossa própria casa atuamos de modo não coerente e integrado.

Para aqueles que escolhem ser parte da solução, compartilho aqui rapidamente um rápido exercício que fiz sobre ações dentro das áreas de Pessoas (RH) como desafios:

  • Ser uma área integrada: ara as empresas que possuem estrutura mais complexa de RH, que as células de R&S, de T&D, de Cultura, de Operações etc atuem de modo coordenado entre si. Que seus líderes troquem ideias, informações, experiências, compartilhando metas e desafios, atuando todos de forma produtiva/ construtiva com objetivos compartilhados, procurando olhar para seus processos e políticas de forma integrada, um apoiando o outro.
  • Se comunicar com seu público interno: construir e manter uma comunicação clara e consistente com as pessoas da organização sobre como e por que os incentivos são estruturados da maneira que são.
  • Feedback contínuo: Estruturar canais que possibilitem os colaboradores a darem feedback sobre os sistemas de incentivo.
  • Avaliação de desempenho justa: Implementar sistemas de avaliação de desempenho que sejam justos, transparentes e alinhados com os objetivos da empresa.

Apenas fiz um exercício, aqui.

Tenho absoluta certeza de que, atuando de modo integrado e coerente, vocês encontrarão outras tantas possibilidades maravilhosas, dentro dos seus contextos, para minimizarem possíveis esquizofrenias corporativas.

Bora olharmos para nossas maluquices como Área de Pessoas, antes de propormos medicamento para a organização como um todo.

Bora adiante.

 

MAuricio MUNHOZ - Cultura Organizacional: Evitando uma idiossincrasia esquizofrênica corporativa

Maurício Munhoz é sócio-proprietário da Human Connection Desenvolvimento Humano. Consultor Sênior com atuação em projetos e ações de Treinamento & Desenvolvimento, Transformação Cultural e Gestão de Mudanças Organizacionais. Se diz um curioso sobre coisas da vida. É adepto de uma vida simples, de viagens e de conhecimentos, sendo que como diz, seu maior patrimônio reside na sua relação com a sua esposa e a família. Tem como grande motivação deixar o mundo (pelo menos um pouquinho) melhor. É colunista EA “Cultura: E o RH com isso?”

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