Por Luciel Henrique de Oliveira
As organizações, assim como os corpos físicos, estão em constante movimento, ou paralisia. A depender das forças que agem sobre elas, podem acelerar a inovação ou mergulhar na inércia. Curiosamente, as mesmas leis físicas que regem os objetos no universo podem ser usadas como analogia poderosa para pensar estratégias de gestão de pessoas e governança corporativa. As Leis de Newton, formuladas no século XVII, continuam valendo para empresas do século XXI, com desdobramentos práticos e atuais.
Este texto propõe refletir, de forma pragmática, sobre como essas três leis ajudam a entender dinâmicas humanas e organizacionais, facilitando decisões estratégicas e inspirando transformações sustentáveis no contexto empresarial.
- A Primeira Lei: a inércia e o desafio da mudança organizacional
A Primeira Lei de Newton afirma que “um corpo tende a manter seu estado de repouso ou de movimento uniforme, a menos que uma força atue sobre ele”. No ambiente corporativo, essa “inércia” aparece em comportamentos arraigados, processos burocráticos e resistências a mudanças.
Empresas como a Kodak ignoraram a necessidade de adaptação por inércia cultural e gerencial, perdendo relevância diante da revolução digital. De forma semelhante, a BlackBerry, outrora dominante no mercado de smartphones, não respondeu com agilidade às mudanças de comportamento dos consumidores e à inovação da concorrência, como a Apple. Já o Magazine Luiza, ao investir desde cedo em digitalização, omnicanalidade e cultura ágil, rompeu com a inércia tradicional do varejo físico e protagonizou uma das transformações mais notáveis do setor no Brasil. Outros exemplos positivos incluem a Renner, que vem modernizando sua cadeia logística com foco em eficiência e sustentabilidade, e a WEG, referência brasileira em tecnologia industrial, que investe continuamente em inovação e práticas ESG.
O ponto-chave é: lideranças conscientes e governança proativa funcionam como forças que rompem padrões ineficientes e criam vantagem competitiva real.
Organizações que desejam se alinhar a práticas ESG devem reconhecer seus pontos de estagnação. Isso pode envolver:
- Revisar o papel das lideranças médias
- Estabelecer metas claras de diversidade e inclusão
- Criar políticas de engajamento com stakeholders internos
- A Segunda Lei: força e direção para resultados
A Segunda Lei de Newton diz que “a força resultante sobre um corpo é igual ao produto da sua massa pela aceleração” (F = m × a). Traduzindo para a realidade empresarial: quanto maior a estrutura (massa), mais esforço é necessário para mudar sua direção ou acelerar seu desempenho.
Empresas globais como a Unilever perceberam isso ao implementar suas metas de sustentabilidade. Para transformar grandes operações em cadeias de valor sustentáveis, investiram em capacitação, métricas de impacto e redesenho de produtos (como as linhas concentradas que economizam água e energia).
No Brasil, o Banco Santander adotou diretrizes de governança sustentável que exigiram revisões em processos e indicadores. Isso incluiu novas práticas em crédito rural sustentável e metas de financiamento verde. O sucesso não veio de promessas, mas de força aplicada com foco estratégico, constante e coordenado.
Reflexão: pequenas empresas também podem aplicar essa lógica. A “força” aqui está no foco: onde investir recursos limitados para gerar maior “aceleração” (resultado). Pode ser em treinamento de equipe, digitalização de processos ou reposicionamento de marca.
- A Terceira Lei: toda ação gera uma reação
Na Terceira Lei, Newton afirma: “a toda ação corresponde uma reação de mesma intensidade e em sentido contrário”. O mesmo ocorre em empresas: decisões gerenciais sempre provocam respostas — da equipe, do mercado ou da sociedade.
A Natura, por exemplo, ao adotar práticas transparentes e sustentáveis, colheu como reação a fidelização de clientes conscientes, reconhecimento internacional e maior reputação institucional. A empresa passou a integrar índices de sustentabilidade como o Dow Jones Sustainability Index e consolidou-se como referência global em ESG. De forma semelhante, a Patagonia, no setor de vestuário, tem como posicionamento central a responsabilidade socioambiental, o que fortalece o vínculo com consumidores e gera valor de marca.
Em contraste, empresas envolvidas em escândalos de governança, como o caso da Americanas, sofreram reações intensas do mercado, incluindo perda de valor de mercado, desconfiança generalizada e questionamentos sobre a qualidade dos controles internos. Casos semelhantes ocorreram com a Odebrecht, que enfrentou consequências severas após denúncias de corrupção, e a Vale, que, após os desastres de Mariana e Brumadinho, passou a ser pressionada por investidores e pela sociedade para reformular sua governança e adotar critérios mais rigorosos de gestão de risco.
Essas reações não são apenas simbólicas: impactam diretamente o acesso a crédito, a atratividade para talentos e o valor percebido da marca no mercado. Governança, nesse contexto, deixou de ser um diferencial para se tornar um requisito mínimo de sobrevivência empresarial.
Esse princípio é fundamental para a governança corporativa moderna, que não se restringe a evitar fraudes, mas se antecipa às reações do ecossistema. O Comitê ESG, quando presente, precisa analisar impactos cruzados: uma ação ambiental pode gerar reação positiva da opinião pública, mas também pode exigir adaptação operacional que afete custos.
Aplicações práticas e transposições
A analogia com as Leis de Newton pode parecer conceitual, mas tem aplicações práticas no cotidiano empresarial:
- Diagnóstico organizacional: identifique pontos de inércia (Primeira Lei), calcule os recursos necessários para transformações (Segunda Lei) e avalie os impactos potenciais de decisões (Terceira Lei).
- Gestão de mudanças: a resistência natural da equipe pode ser enfrentada com forças internas, comunicação clara, incentivo, formação e liderança exemplar.
- Cultura de inovação: entender que toda ação, como mudar um processo, lançar um novo produto ou adotar um sistema, exigirá ajustes e enfrentará reações. Antecipar essas reações é papel da governança.
- Planejamento estratégico com foco ESG: incorporar métricas de impacto e indicadores de materialidade, considerando que cada decisão (como trocar fornecedores ou rever cadeia logística) provocará reações em múltiplos stakeholders.
Conclusão: dinamismo sustentável
As organizações do século XXI não podem ser corpos estáticos. Elas precisam de movimento — mas com direção. A leitura das Leis de Newton como metáfora de gestão oferece um modelo simples e poderoso para pensar a transformação organizacional com base em ciência, estratégia e sensibilidade humana.
A transposição do saber científico para a prática empresarial está na capacidade de gestores, líderes e empreendedores de entender onde está a inércia, quanta força aplicar e que reações esperar.
Com isso, a gestão de pessoas e a governança deixam de ser “departamentos” e passam a ser motores inteligentes do desenvolvimento sustentável.
Mais do que compreender as leis do movimento, o desafio está em aplicá-las com consciência e responsabilidade no cotidiano das organizações. O tempo da neutralidade acabou: toda omissão estratégica é também uma forma de ação, e será cobrada pelo mercado, pela sociedade e pelas futuras gerações.
Se a sua empresa parou no tempo, talvez o problema não esteja no mercado, mas na ausência de forças internas que a façam evoluir.
Resta a pergunta: qual será o próximo movimento que você, enquanto gestor ou conselheiro, está disposto a provocar? A transformação começa quando alguém decide não permanecer parado.
Questões para refletir:
- Quais forças estão atuando hoje sobre a cultura da sua organização — e quais mudanças você, como líder, está disposto a provocar?
- Sua empresa está em movimento consciente rumo à sustentabilidade ou apenas seguindo a inércia do mercado?
- Como suas decisões gerenciais — ou a ausência delas — estão gerando reações nas equipes, clientes e na sociedade?
Para saber mais:
IBGC – INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das melhores práticas de governança corporativa. 6. ed. São Paulo: IBGC, 2023.
MINTZBERG, Henry. Managing: desvendando os mistérios da administração. São Paulo: Bookman, 2010.
NEWTON, Isaac. Os princípios matemáticos da filosofia natural. Tradução de Ivo Assad Ibri. São Paulo: Edipro, 2022.
PACTO GLOBAL. Relatório de sustentabilidade corporativa. São Paulo: Rede Brasil do Pacto Global, 2022. Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br. Acesso em: 5 jun. 2025.
UNILEVER. Sustentabilidade. Disponível em: https://www.unilever.com/sustainable-living Acesso em: 5 jun. 2025.
NATURA &CO. Relatório anual e de sustentabilidade. Disponível em: https://www.naturaeco.com/sustentabilidade Acesso em: 5 jun. 2025.
Luciel Henrique de Oliveira é engenheiro Agrônomo e doutor em Administração (FGV), pós-doutorado em Inovação, dedicado à academia como professor e pesquisador desde 1990 (FACAMP; UNIFAE; PUC-MG). Com vasta experiência em Gestão de Operações e Logística, destacam-se seus estudos e pesquisas em temas como Inovação & IA, Agronegócios, Gestão de Serviços, Sustentabilidade/ESG, Economia Circular e Responsabilidade Social Empresarial. Comprometido com o impacto social, acredita no poder transformador da educação, na importância da colaboração em rede e no empreendedorismo para gerar mudanças positivas na sociedade mediante soluções inovadoras. Colunista EA “ESG & Vida Sustentável”.
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