Por Djairo Gonçalves
Quando pensamos em liderança, é comum imaginarmos hierarquias, estratégias, metas, métricas, prazos, projetos, produtividade e tantos outros aspectos técnicos ou, ainda, um vasto espectro que pode despertar em nós certas emoções e comparações.
Meu convite a você, leitor, é caminhar por um território diferente, pouco explorado em nosso cotidiano acelerado e muitas vezes estressante. Um convite para nos afastarmos momentaneamente do mundo pragmático e explorarmos os territórios invisíveis da nossa psique. E depois, quem sabe, retornarmos ao exterior mais preparados, mais conscientes e, sem dúvida, mais produtivos.
Arquétipos são figuras antigas, referências presentes em todas as culturas ao longo da história da humanidade.
Na visão de Jung, os arquétipos são forças estruturantes da alma que moldam nossos comportamentos, decisões e relações. Muitas vezes, de forma inconsciente. Entre eles, o arquétipo do Pai ocupa um lugar singular, carregando ordem, proteção, autoridade, orientação e, ao mesmo tempo, podendo gerar desarmonias profundas quando não está devidamente integrado em nossa psique.
No mundo corporativo, a figura do “Pai” não se manifesta em trajes mitológicos ou em contos de fadas. Ele se revela nas ações do líder – formal ou não, e que define limites, dá direção e sustenta sua equipe com segurança e confiança.
O “Pai” é aquele silêncio interno que nos chama à responsabilidade, à ética e à necessidade de manter nossa estrutura e o nosso entorno de forma justa, consciente e consistente.
O arquétipo paterno não se impõe apenas pela força; ele é uma energia psíquica que inspira, protege, orienta e organiza nossas relações.
O arquétipo do Pai para Jung
Para Jung, o Pai é uma figura simbólica que representa o princípio organizador, a lei interior e a capacidade de moldar o mundo à luz da consciência. Integrar o Pai significa interiorizar a autoridade de forma equilibrada: saber quando proteger, orientar, permitir o erro e estabelecer limites saudáveis.
É importante ressaltar que o arquétipo do Pai não se restringe ao pai biológico, nem ao gênero masculino.
Ele pode se manifestar por meio de qualquer figura de referência que ofereça força, proteção, orientação e limites claros: uma mãe com animus marcante, um irmão mais velho, um parente de confiança ou com afinidade, um professor ou mentor.
As mulheres, assim como os homens, também carregam o Pai Interior; uma presença essencial para liderar e criar ambientes organizacionais seguros e íntegros.
A energia paterna regula a ordem e cria estruturas psíquicas e organizacionais que ajudam o indivíduo a desenvolver autonomia, discernimento, visão estratégica e tomada de decisões; qualidades fundamentais para qualquer liderança. É essa força que permite ao líder sustentar o crescimento de seus liderados, dizer “não” quando necessário e oferecer segurança e estabilidade diante das incertezas e dos desafios.
Benefícios do Pai Integrado
Um líder que, ao longo de suas vivências, integra o arquétipo paterno tem mais chances de equilibrar firmeza e cuidado, criando ambientes claros e estruturados, onde expectativas são definidas, limites respeitados e confiança cultivada. Esse equilíbrio promove decisões assertivas, percepção de justiça e senso de pertencimento saudável nas organizações.
O Pai Interior auxilia na gestão de crises, pois sustenta estabilidade e serenidade diante de situações complexas. Ele inspira respeito pelo exemplo e pela coerência, nunca pelo medo. Integrar esse arquétipo favorece a autorresponsabilidade, amplia a escuta, promove escolhas conscientes e estimula a motivação genuína.
A Desarmonia Paterna
Quando em desarmonia, o Pai Interior pode gerar efeitos que podem ser em níveis sutis ou devastadores. O excesso de Pai manifesta-se como rigidez, autoritarismo, microgerenciamento e medo de perder o controle, criando ambientes de trabalho tensos, inseguros e inflexíveis.
A ausência do Pai Interior pode resultar em desorientação, insegurança, falta de planejamento e dificuldades na tomada de decisões.
Equipes sem limites claros se sentem perdidas, e líderes que negligenciam o princípio paterno tendem a sobrecarregar-se. A falta de autoridade simbólica também gera conflitos, favoritismos e decisões inconsistentes.
Em ambos os extremos, a desarmonia paterna impacta líderes e equipes, gerando esgotamento, ansiedade e desconexão com o propósito individual e organizacional.
No Mundo Corporativo
Somos formados por nossas vivências, nossas experiências conscientes e inconscientes. Reconhecer o Pai Interior é um convite à autorreflexão e a nos fazermos algumas perguntas provocativas:
- Estou assumindo minha autoridade de forma justa ou impondo controle?
- Atuo com empatia verdadeira ou com manipulação?
- Consigo delegar e proteger minha equipe sem sufocá-la?
- Como minhas decisões refletem limites claros e sustentam a confiança?
- Quais feridas paternas ainda carrego comigo e como elas afetam minha liderança?
Responder é um exercício de maturidade psíquica.
Líderes que equilibram suas desarmonias paternas criam culturas saudáveis, resolvem conflitos de forma construtiva e inspiram crescimento genuíno; seu e de seus liderados.
Um Pequeno Convite à Integração
O arquétipo do Pai é um mapa interno, uma força que deve ser reconhecida, integrada e refletida. Ao cultivar o Pai Interior equilibrando firmeza, proteção e ética, líderes transformam não apenas suas equipes, mas a si mesmos e a própria experiência de liderar.
Em última análise, liderança consciente é um ato de autoliderança. Quanto mais o Pai Interior se harmoniza, mais inspira confiança, estabelece ordem e nutre o potencial em nós e nos outros.
Dois últimos questionamentos para encerrarmos esta provocação:
Qual é o estado do meu Pai Interior hoje?
Como esse estado influencia minha liderança e a organização à minha volta?
Referências
- Jung, C. G. A Psicologia do Inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes, 2012
- Jung, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Rio de Janeiro: Vozes, 2013
- Hillman, J. O Código do Ser. São Paulo: Cultrix, 2006

Djairo Gonçalves é psicoterapeuta com orientação Junguiana, e hipnoterapeuta. Atua apoiando pessoas em suas questões pessoais e profissionais. Realiza treinamentos, palestras, encontros e retiros com foco no aprimoramento de habilidades comportamentais (soft skills). Pós-graduado em Psicologia Analítica com MBA na Westminster University, Salt Lake City, USA. Pós-graduado em Marketing (ESPM-SP) com graduação em Administração de Empresas (Universidade Metodista). Mais de 25 anos trabalhando no segmento Financeiro e em consultorias estratégicas e de Recursos Humanos. Colunista EA “Espaço Caleidoscópio”.
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