Por Sueli Yngaunis
A primeira vez que conheci esse termo foi com o professor Romeu Sassaki, pioneiro na área da educação inclusiva que iniciou seu trabalho em 1962, quando ainda nem se falava sobre inclusão.
Adaptações razoáveis, segundo o texto da Lei nº 13.146, a LBI, a Lei Brasileira da Inclusão aprovada em 2015, são modificações e ajustes necessários e adequados que tem o objetivo de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais, como por exemplo o direito à educação e trabalho, por exemplo.
No entanto, essas adaptações não dispensam a adoção das normas de acessibilidade previstas em Lei ou nas normas técnicas da NBR-ABNT 9050, porém podem e devem ser aplicadas individualmente conforme a necessidade de cada pessoa.
Professor Romeu fez a tradução do guia prático: Promovendo a Diversidade e a Inclusão mediante adaptações no local do trabalho, uma publicação de autoria da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, com o objetivo de orientar os empregadores a promoverem a inclusão para os empregados que encontram desafios no trabalho.
A primeira edição desse guia foi lançada pela Santa Causa Boas Ideias e Projetos.
Segundo esse guia, todos os trabalhadores necessitarão de adaptações razoáveis em algum momento de sua vida profissional, por exemplo adaptações devido a responsabilidades por filhos, pais e outros dependentes, por questões religiosas, por uma deficiência temporária ou permanente, por um acidente, doenças crônicas, entre outras causas.
A ideia não é o de gerar um ônus ao empregador ou conceder um benefício ou vantagem a um empregado.
Mas sim proporcionar, por meio de uma ou mais modificações necessárias às características individuais de cada trabalhador, condições para que ele possa usufruir dos mesmos direitos que os demais trabalhadores.
O guia contempla as adaptações para quatro grupo de trabalhadores:
(1) Trabalhadores com deficiência
(2) Trabalhadores que tem HIV ou AIDS ou estão afetados por eles
(3) Trabalhadoras grávidas ou com responsabilidades familiares
(4) Os que professam determinada religião ou crença
Para este artigo, focarei nas adaptações razoáveis para os trabalhadores cm deficiência.
Importante compreendermos a deficiência como resultante da interação entre os impedimentos da pessoa, que podem ser física, visual, auditiva, intelectual entre outros, e as barreiras presentes no entorno e nas atitudes das pessoas.
Algumas barreiras não são visíveis, como por exemplo a adoção de parâmetros de produtividade.
E elas que não considerem as especificidades da pessoa com deficiência, que a depender da sua limitação pode requerer mais tempo para executar um a tarefa. Pois possui um ritmo diferente, outra barreira invisível são as formas como os gestores lidam com seus subordinados com diagnóstico de TDAH ou com autismo, que contribui ao desenvolvimento de ansiedade devido às pressões do ambiente de trabalho.
Já vi casos de gestores que demitiram seus colaboradores com transtorno de espectro autista, por desconhecer as características comportamentais desses trabalhadores, e interpretar a forma como eles agem no trabalho como lentidão, preguiça ou desatenção.
Nada que um programa de treinamento e que explica as características comportamentais desses trabalhadores não pudesse esclarecer.
Tudo começa com identificar as barreiras que podem obstruir um trabalhador de conseguir um emprego ou desempenhar suas funções, e depois pensar em soluções e adaptações necessárias para remoção dessas barreiras.
Mudar a forma de fazer as coisas, substituir um degrau por uma rampa, mudar a altura de uma mesa para que uma cadeira de rodas possa encaixar sob o tampo, instalar um software de voz no computador do trabalhador cego, flexibilizar a jornada de trabalho, são alguns exemplos de adaptações razoáveis.
A ideia é que as adaptações razoáveis, ou seja, as modificações ou ajustes que se façam necessárias, não gerem um ônus desproporcional ao empregador.
Fatores do ônus
Dentre os fatores que podem ser avaliados para aferir se o ônus é desproporcional são: o custo da adaptação, o porte e rotatividade econômica da empresa, se as modificações irão beneficiar mais de uma pessoa, verificar se existe algum tipo de financiamento público que possa ser solicitado pela empresa, os requisitos de segurança e saúde no trabalho, a duração prevista da relação trabalhista.
O guia cita exemplos de várias empresas no mundo que adotaram uma política de adaptações, dentre os benefícios obtidos por essas medidas, podemos citar a redução do absenteísmo, significativa melhora da produtividade, melhora do moral dos trabalhadores, aumento da probabilidade de permanência no emprego e redução do estresse no trabalho.
Sem contar que essas medidas auxiliam a criar um ambiente laboral inclusivo, pode facilitar um retorno antecipado ao trabalho após um período de afastamento, as adaptações e modificações feitas para atender a solicitação de um trabalhador. Isso pode beneficiar algum cliente que tenha o mesmo tipo de deficiência, pode evitar litígios, pagamentos de indenização, pode ajudar a empresa que estão enquadradas na Lei de Cotas a cumprirem a cota, pois uma adaptação pode viabilizar a contratação e a permanência de trabalhadores com deficiência.
As adaptações não substituem o conceito de acessibilidade que deve estar no rol do planejamento estratégico da empresa, e deve acontecer de maneira contínua.
Acessibilidade é “garantir que os produtos, ambientes, programas e serviços sejam utilizáveis por todas as pessoas, na maior extensão possível, sem a necessidade de adaptações ou de projetos especializados.”
Embora possamos adotar medidas efetivas e realizar modificações e adaptações razoáveis, essas providências não dispensam a filosofia da ACESSIBILIDADE.
Ela que deve estar presente em todas as tomadas de decisões, se é algo novo já incorpora o conceito de acessibilidade, para não ter o retrabalho para ter que adaptar algo que não é acessível, porque esqueceram desse pequeno, mas grande detalhe.
Para quem quiser, acesse o Guia na íntegra aqui: OIT-StaCausa-AdaptacoesRazoaveis-1.pdf
Sueli Yngaunis é professora doutora em Ciências, pelo programa de pós-graduação Humanidades, Direitos e outras Legitimidades (Diversitas/FFLCH-USP). Especialista em Propaganda e Marketing (Cásper Líbero) e em docência no ensino superior (UNICID) e bacharel em Relações Públicas (FAAP). Atuou como professora universitária por mais de 20 anos, sendo coordenadora universitária do Núcleo de Acessibilidade onde desenvolveu atividades para inclusão de alunos com deficiência (UNICID). Atualmente dedica-se ao estudo e divulgação de conteúdos relacionados à temática inclusão de pessoas com deficiência. É colunista EA “Patchwork inclusivo”.
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