Por José Gonçales Junior
Este artigo é o primeiro da série “Para além do ESG, ética para um movimento que regenera a sociedade e o meio ambiente”.
Para compreendermos os motivos nas quais são propostos um estado de” ética e compaixão” pela natureza, é preciso tornar claro por que tal proposta se faz necessária e urgente.
Chegamos ao século XXI com um quadro socioambiental mundial que demanda intensa atenção e ação: para além do aquecimento global, estamos diante de enormes desafios sociais e ambientais que se tornaram sistêmicos e emergentes nas últimas décadas. A maioria deles pede ações enérgicas e imediatas como a crise da água em escala planetária, a acelerada perda de biodiversidade, que já atinge mais de 30% das espécies de seres vivos do planeta, e a crise social agravada por uma concentração de renda sem precedentes na história da humanidade.
O modelo socioeconômico em que vivemos quebrou relações que são vitais para a manutenção da vida em todo o planeta. Tais quebras se dão nas esferas:
- Da relação de integração total entre seres humanos e os ecossistemas integrantes da Terra.
- Da relação entre a atividade humana e a ausência de preocupação quanto à necessidade vital de perpetuação dos ciclos ecossistêmicos que governam o planeta.
- Da relação complexa entre milhares de seres vivos e seus ciclos e sistemas de manutenção do equilíbrio necessário à sua vida.
- Das relações na comunicação e relação transcendental entre natureza e o Homem, onde a humanidade passa a construir seu próprio ecossistema artificial, construindo novos símbolos e écrans para sua vida, expressas nas grandes cidades e no mundo do consumo frenético dos símbolos de status do universo artificial urbano.
- Da necessidade de que é preciso planejar, criar e desenvolver produtos observando o impacto que eles causam sobre os ecossistemas terrestres, e que tal impacto é na maioria das vezes destrutivo e deletério aos mesmos. Nisso entra nossa crise ética atual: ela demonstra a cegueira de um sistema produtivo que se importa eminentemente por lucro infinito, algo abstrato e descolado da realidade da biosfera terrestre.
Essa quebra de relações e de compreensão se torna altamente perigosa, pois não somente criamos uma dicotomia, uma separação brutal entre humanos e natureza. Como também se constrói todo um sistema econômico que se torna incapaz de compreender minimamente que a economia e o mundo das finanças são áreas do conhecimento que devem estar abaixo do conhecimento da ecologia e da física.
É impossível a defesa a respeito do crescimento do PIB e da renda per capita infinita em um planeta com recursos finitos!
Não há qualquer possibilidade de todo ser humano se tornar um cidadão de classe média alta norte americano, europeu ou asiático, sem que o próprio planeta entre em absoluto colapso devido ao fornecimento caótico e abusivo de recursos naturais para os processos produtivos!
Dessa incompreensão e não aceitação, por parte dos grandes agentes do sistema econômico, a respeito da finitude dos recursos extraídos do planeta, é que chegamos ao preocupante fato de que o dia em que esgotamos o uso desses recursos ocorreu na data de 24 de junho de 2025, o chamado Earth Overshoot Day, ou o Dia da Sobrecarga da Terra.
Nessa data toda a humanidade havia esgotado a sua cota de consumo em plena metade do ano de 2025, e passou a utilizar a cota do ano seguinte.
Esse perigoso modo de viver e consumir, onde produção e consumo se manifestam de tal forma a não respeitar leis básicas de manutenção da vida e dos ciclos do planeta. Contexto que se transformou em um modo de vida que quebrou brutalmente qualquer sentimento de ética, não somente pela vida e biodiversidade planetária, como pelo direito a um planeta que possibilite uma vida saudável às futuras gerações.
Nosso futuro roubado
Outra maneira de quebrarmos qualquer ética e compaixão pela vida futura pode ser representado naquilo que se denominou em quase toda a comunidade científica por “nosso futuro roubado”.
Que é a percepção de que estamos antecipando graves lesões a toda forma de vida no planeta em um breve futuro, devido ao uso indiscriminado de agrotóxicos e outros agentes químicos que estão sendo lançados, onde não temos sequer a mínima noção dos efeitos sobre a saúde e toda a biosfera terrestre.
Relatos recentes nas principais revistas médicas e reportagens mundo afora apontam para os efeitos das alterações hormonais provocadas por agentes químicos por sobre a fertilidade humana, e sobre a saúde de nossos filhos.
Sim. Há uma variedade infinita de agentes químicos sintéticos sendo lançados, que alteram delicados sistemas hormonais.
Sistemas tais que têm um papel fundamental na manutenção da vida, desde o desenvolvimento sexual humano, até na formação do comportamento, ou o funcionamento do sistema imunológico.
Estudos com animais e seres humanos relacionam os agentes químicos a inúmeros problemas, como infertilidade e deformações genitais; cânceres desencadeados por hormônios, como o câncer de mama e de próstata; desordens neurológicas nas crianças, como hiperatividade e déficit de atenção (TDAH); e problemas de desenvolvimento e reprodução em animais silvestres.
Por décadas, milhões de seres humanos e a natureza, absorveram químicos como os PCBs, o glifosato (mata mato), paraquate e atrazina, e outras milhares de substâncias contaminantes, sendo várias delas de longa duração no meio ambiente e no ser humano.
Desse fato surge uma pergunta: por que tais químicos permaneceram por décadas sendo usados massivamente na agricultura e na indústria e não foram interrompidos?
Desconhecimento por parte de seus produtores?
Por parte da opinião pública?
Governos?
Ou literalmente negligência e falta de ética ante o imenso lucro obtido pelos supostos benefícios na produtividade agrícola e nos lucros?
José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade (EAESP-FGV), pós-graduado em Neurociência Comportamental (PUC-RS), consultor em ESG e Bem-estar no mercado corporativo. Lecionou 15 anos em cursos de pós-graduação (SENAC, INPG, Faculdades Metropolitanas de Campinas, Ibmec Campinas), palestrante, mentor de mudança de carreira e implantação de parâmetros de bem-estar, estudioso apaixonado pelos temas Neurociência, Mudanças de Comportamento e Futuro do Trabalho. Mora com a família em um silencioso sítio em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, onde dedica-se a família, a mentorias, consultorias, pesquisas e a escrever. Colunista EA “Carreira e Bem-estar”.
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