Por Davi Bufalo

 

“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” Albert Einstein

Sejam bem-vindos e bem-vindas à coluna Cultura Digital. Com um tema tão amplo, acredito que seja importante oferecer uma breve explicação sobre o foco e o propósito desta coluna. Nosso objetivo é debater temas conectados à cultura digital e seus impactos no futuro do trabalho, com ênfase em Gestão de Talentos, Diversidade e Inclusão, e Recursos Humanos. Contudo, não nos limitaremos a esses aspectos, pois o pensamento não-linear e criativo é fundamental para entender as interconexões e os temas relacionados à cultura digital.

Sendo assim, como exploradores destes temas, convido você a refletir comigo sobre como a digitalização está redefinindo as dinâmicas organizacionais e a relação das pessoas com o mundo do trabalho.

Vamos abordar desde a atração e retenção de talentos até a criação de ambientes de trabalho mais inclusivos e inovadores, passando por novas formas de pensar e trabalhar em um contexto corporativo em constante transformação.

Nada melhor para começarmos esta coluna do que falarmos sobre a importância dos profissionais de Recursos Humanos (mas não somente restrito à esta área) participarem de eventos, trocas e estudos não somente relacionado à área de RH.

Muito se fala sobre o ‘RH Estratégico’, uma expressão que me causa certa estranheza quando volta a ser pauta no mercado. Afinal, se as pessoas são o foco do negócio, o RH nunca deveria ter deixado de ser uma questão estratégica para as Organizações.

Mas o que é ser estratégico?

Existem inúmeras definições sobre o que significa ser estratégico, e prometo que não vou recorrer a uma frase de efeito para justificar minha visão através de um nome famoso. Em vez disso, com base na minha experiência, prefiro adotar a visão de que estratégia significa, essencialmente, a capacidade de ler cenários, entender suas variáveis e interdependências, e, ao conectar essa leitura com seu conhecimento, propor soluções viáveis e alinhadas às necessidades do negócio.

E o que isso tem a ver com o tem a ver com o título deste artigo?

Note que, na definição de estratégia que aqui adotamos (destaco, entre centenas de outras definições possíveis) falamos sobre “leitura de cenários” e “entender suas variáveis e interdependências e, conectando a leitura de cenário com seu conhecimento”. É aqui que chegamos ao ponto central de minha proposta.

Para entender os cenários e suas variáveis, cabe às pessoas que trabalham com Recursos Humanos, e principalmente as lideranças desta área, se envolverem e conhecerem sobre temas não somente relacionados à sua área, mas também à:

  • Conhecer sobre negócios: Conhecer sobre negócios: Falar a mesma linguagem, entender e propor soluções em parceria com as demais áreas, e não apenas vê-las como ‘clientes internos’ que geram demandas, colocando o RH na posição de mero provedor de serviços — a eterna ‘pastelaria’.
  • Conhecer sobre cultura digital: É fundamental que os profissionais de RH compreendam a influência da cultura digital nas dinâmicas de trabalho. O conhecimento sobre ferramentas, plataformas digitais e a mentalidade ágil são fundamentais para adaptar e antecipar as necessidades organizacionais em um mundo em constante evolução.
  • Conhecer sobre pessoas: Claro, nosso foco principal é conectar todos os pontos acima com o desenvolvimento das pessoas. Devemos sempre nos perguntar: Como eu promovo cada vez mais um ambiente de autonomia, aprendizado e evolução?

A frase parece simples, mas pode envolver questões extremamente complexas (que abordaremos em artigos futuros) tais como o próprio questionamento da estrutura organizacional, suas relações de poder, seu “propósito” e o tal do fit cultural.

Para conectar todos esses elementos, é importante desenvolver um pensamento não-linear, que se caracteriza por abordar problemas de maneira multidimensional, identificando padrões e interconexões que podem não ser imediatamente óbvios. Esse tipo de pensamento permite uma maior criatividade e adaptação às mudanças e, como decorrência, isso te ajudará a conectar os pontos e desenvolver inclusive a criatividade ao ver sinais em questões do dia a dia, aprimorando seu lifelong learning.

Uma experiência recente no Hacktown 2024, em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais, seguida por um evento Sandbox promovido pela HSM e pela IBM no Learning Village, ambos com propostas bastante distintas, me fez refletir sobre a importância de ampliarmos nossos horizontes. Temas que permeiam nossa realidade atual estavam presentes de formas diferentes nos dois eventos, mas com elementos de conexão bastante instigantes.

Vou tomar aqui como exemplo três deles:

  1. IA: No Hacktown 2024 este tema foi explorado de forma ainda mais profunda do que a edição de 2023, mas agora com cases mais sólidos e de aplicação, até com o debate de possíveis consequências para alguns setores e segmentos. No Sandbox este foi o tema principal e, como se tratava de um evento “técnico”, voltado para profissionais que atuam na área, eles foram ainda mais a fundo no debate sobre o estado da IA e suas aplicações.

O que os dois eventos tiveram em comum? O papel da Cultura na aplicação da IA no ambiente de trabalho.

Muito curioso estar em um evento bastante técnico e ouvir de um CEO que, sem um primeiro (destaque para o primeiro) movimento cultural nas organizações, a adoção de IA como modelo de inovação tende a, no mínimo, ser uma boa iniciativa, mas que dificilmente trará algum efeito prático no negócio.

Cultura é o catalisador das mudanças organizacionais na adoção efetiva do trabalho de IA.

E aqui faço duas provocações para pensarmos juntos: Quem deveria ser o principal agente (ou pelo menos o primeiro) a impulsionar a cultura organizacional para este movimento?

Em sua organização, o RH é chamado para participar deste movimento desde o início ou, se falarmos em atuação estratégica, é a mola propulsora para iniciar este movimento?

  1. Liderança: Mais uma vez, em ambos os eventos, a liderança foi colocada no centro dos processos de transformação, desta vez o papel da liderança, curiosamente, não foi tão centrado na questão de “orientar” ou “mostrar o caminho” ou mesmo de “deixar claro o propósito”, mas sim em como a pessoa líder estimula o debate, promove o ambiente de confiança e testes e antecipa as tendências (olha o pensamento não-linear aí) para aguçar a curiosidade e a experimentação nos times.

Anderson Gonzaga (agilista e professor), em um painel super interessante no Hacktown, falou que o líder deve focar o desenvolvimento de sua habilidade de pensamento complexo (umas das skills mais importantes, me exclusivamente humanas) para ser capaz de gerar o que ele chama de Liderança Antecipatória, ou seja, o líder deve desenvolver sua visão de mundo em diversos aspectos.

Aplicar esta visão, para ser capaz de fazer sinapses cada mais amplas e, desta forma, saber ler cenários e entender não o problema que está na sua frente, mas um problema potencial, ou potencial oportunidade e, desta forma, agir antes que o fato se transforme em um problemão ou, melhor ainda, antes que a concorrência identifique em primeira mão, a oportunidade abocanhe uma fatia que seria sua.

Agir antes que a mudança se imponha.

Ao invés de somente usarmos os dados, com visão de retrovisor, por que não combinamos estes dados com um exercício de foresight para nos perguntarmos “e se”?

O resumo dele foi: com uma visão mecanicista e puramente cartesiana, perdemos a oportunidade de ver o todo e decompomos tanto o problema em parte que, ao trabalhar de forma puramente sistêmica, causamos erros sistêmicos.

  1. Design centrado no humano: em ambos os eventos a questão do desenho de estruturas, processos e soluções desenhados por e para os humanos foram explorados a fundo. Curioso ver que, em uma sociedade cada vez mais dominada por temas como IA e Tecnologias, o humano não só permanece no centro, como ganha relevância.

Ao desenvolver produtos, processos e políticas de RH, já não basta mais que isso seja feito a quatro portas por um time de “especialistas” e que depois o usuário final seja colocado no centro no momento da comunicação. O que precisamos fazer é colocar o usuário no centro by design. Ou seja, desde o início, afinal, se empresas guiadas pelo design de produtos e serviços centrados nas necessidades dos usuários são as que têm as estratégias mais vencedoras, por que não adotarmos o mesmo princípio na construção de nossos produtos?

A provocação aqui é: Aposte na co-criação. Está desenhando um programa de treinamento para líderes? Chame líderes para co-criarem junto contigo este programa.

Está desenhando um programa de, por exemplo, onboarding para um time operacional, por que não chamar pessoas da operação para te ajudar a responder às perguntas:

Qual o melhor desenho deste processo para você?

Qual seu desejo ou necessidade neste ponto?

Como podemos medir o sucesso disso?

A ilustração abaixo fala bastante sobre como prototipar estes elementos:

image2 - Por que o RH precisa pensar fora da caixa: A relevância dos eventos multissetoriais

Sabe onde todos estes conceitos foram capturados? Em palestras e trocas fora da área exclusivamente destinada ao público de RH.

Por isso, mais uma vez, convido você a olhar para a Cultura Digital com uma visão ampla e integradora. Desenvolva sistemas de pensamento que promovam a integração entre as ciências naturais, sociais, exatas e as artes.

Tenha em mente a necessidade de se avaliar a organização como um todo e não somente em departamentos ou setores, focando o desenho de soluções nas e, principalmente, com as pessoas.

Você deve estar se perguntando sobre a razão de ilustrarmos este artigo de estreia com a obra A Balsa de Medusa, de Théodore Géricault.Em uma aula sobre estratégia na Fundação Dom Cabral, um professor falou sobre o conceito de visão sistêmica e visão linear usando somente esta imagem, foi uma das aulas mais sensacionais que tive até hoje, mas isso fica para outro artigo.

 

Foto IN - Por que o RH precisa pensar fora da caixa: A relevância dos eventos multissetoriais

Davi Bufalo é Psicólogo com especializações em Gestão de Negócios, Inovação e Estratégia (Fundação Dom Cabral), tem formações pela Singularity University e Hyper Island. Possui experiência em Gestão de Pessoas em diversos setores, subsistema onde liderou iniciativas estratégicas em Acquisition, EB, D&I e Gestão de Talentos. Focado no estudo das questões relacionadas à Cultura Digital e seu impacto no futuro do trabalho e dos negócios, está sempre em busca de novos conhecimentos para impulsionar transformações relevantes. Colunista EA “Cultura Digital”.

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