Por Sueli Yngaunis
Qual é a sua visão sobre deficiência? O que significa promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho? Longe de ser uma decisão meramente administrativa, ou resultado de uma tomada de decisão, a contratação de pessoas com deficiência pode ser “desestabilizadora”. O ambiente da empresa passará por transformações, processos precisarão ser revistos, parâmetros de produtividade precisarão ser relativizados e as condições do ambiente de trabalho precisarão ser revistos e adaptados.
Falar sobre deficiência no ambiente de trabalho implica em falar de processos.
Para que o leitor possa entender qual é a relação entre deficiência e processos, é necessário compreender que a deficiência em si não é incapacitante, a incapacidade é resultado da ausência de recursos que viabilizem o trabalho da pessoa com deficiência.
A deficiência é uma característica da pessoa que possui uma ou mais alterações em seu corpo, um órgão ou uma função, e essas alterações têm o potencial de comprometer o seu desempenho.
Porém, quando predomina a ausência de condições de acessibilidade ou adaptações necessárias, estamos nos referindo a um ambiente cuja forma como foi estruturado, e como os processos foram definidos, não levaram em conta as necessidades específicas da pessoa com deficiência. Até a entrada dela no quadro de funcionários, tudo parecia correr tão bem, cada um sabia o que fazer, quando e como.
Tudo funcionava tão automaticamente, pois já era rotina.
Mas, aí a empresa iniciou um programa de Diversidade e Inclusão, e contratou algumas pessoas com deficiência, e você está torcendo para que uma delas não venham para a sua área.
E você pensa: não tenho nada contra pessoas com deficiência, inclusive até acredito que elas têm direito a uma oportunidade de trabalho, mas se uma pessoa com deficiência for alocada no meu departamento, como eu vou lidar com a situação?
“A minha rotina vai mudar, como eu vou dar conta do meu trabalho atual, e ainda ter que me adaptar o novo colega?”
“Será que posso confiar no desempenho dele?”
“Será que vou ter que conferir tudo o que ele fizer?”
“O que eu vou precisar mudar para me adaptar à nova situação?”
O leitor entendeu o que eu quis dizer quando eu escrevi no início desse texto, quando afirmei que é uma situação que pode ser “desestabilizadora”?
Para a grande maioria das pessoas, conviver com uma pessoa com deficiência é uma novidade, e trabalhar com ela constitui um desafio importante e significativo.
Considero importante mencionar os termos “deficiência primária” e “deficiência secundária”, conceitos abordados por Lígia Assumpção Amaral, pesquisadora e precursora dentro da área da questão da deficiência no Brasil, em seu livro Conhecendo a Deficiência (em companhia de Hércules), publicado pela primeira vez em 1995.
A deficiência primária se refere a toda alteração do corpo ou aparência física, em princípio estamos nos referindo a perturbações a nível de órgão.
E quando o desempenho da pessoa com deficiência é comprometido por essas perturbações, e as interpretamos como incapacidades, estamos nos referindo a leitura que fazemos sobre a pessoa com deficiência, aí estamos nos referindo a deficiência secundária.
E essa leitura tem data, e pode sofrer modificações históricas e culturais.
Vejam que é diferente dizer que alguém é “deficiente” por causa de uma condição física, sensorial ou intelectual, ou que alguém faz um trabalho “deficiente” por lhes faltam condições de acessibilidade ou de tecnologia assistiva. A responsabilidade pelo desempenho de um colaborador com deficiência é bilateral, é dele, enquanto profissional que precisa se capacitar, e precisa ser comprometido, quanto da empresa e da equipe que precisa adaptar processos para que ele possa participar junto com todos.
Afinal, por onde começar?
Tudo pode começar com o diálogo, pergunte (e sem medo) ao seu colega com deficiência, o que ele consegue fazer sozinho.
“Qual ajuda ou suporte ele precisa?”
“E como vocês podem trabalhar juntos?”
Só perguntando aprendemos, você não tem a obrigação de saber tudo, uma vez que a história das pessoas com deficiência foi marcada pela invisibilidade, elas foram “tiradas” de circulação.
Mas, hoje, elas estão circulando nas empresas, aproveite para se aproximar e aprender com elas.
Tenha a certeza de que não perguntar é o mesmo que dizer que elas não existem. E se você é uma pessoa que tem uma deficiência, não ache que qualquer negligência é proposital, pois muitas vezes é desconhecimento mesmo.
Enfim, estamos todos juntos para somar, e não para dividir.
Sueli Yngaunis é professora doutora em Ciências, pelo programa de pós-graduação Humanidades, Direitos e outras Legitimidades (Diversitas/FFLCH-USP). Especialista em Propaganda e Marketing (Cásper Líbero) e em docência no ensino superior (UNICID) e bacharel em Relações Públicas (FAAP). Atuou como professora universitária por mais de 20 anos, sendo coordenadora universitária do Núcleo de Acessibilidade onde desenvolveu atividades para inclusão de alunos com deficiência (UNICID). Atualmente dedica-se ao estudo e divulgação de conteúdos relacionados à temática inclusão de pessoas com deficiência. É colunista EA “Patchwork inclusivo”.
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