Por Paula Rodrigues  

 

Olá, tudo bem? Muito prazer! Sou a Paula Rodrigues e estarei com vocês na EA Magazine, na coluna “IA sem juridiquês”. A ideia da coluna é trazer assuntos envolvendo o desenvolvimento, a aplicação e os impactos da inteligência artificial (que vamos chamar de IA) para a sociedade, com o recorte do mundo jurídico. Sem juridiquês.

Como advogada atuante para o setor privado desde 2009, a minha formação em Direito passou por grades curriculares bastante conservadoras. Em termos de carreira, geralmente havia dois direcionamentos: concurso público para cargos jurídicos ou semelhantes ou, então, a advocacia. Embora tenha feito estágios em órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público (e até desejado estar na Magistratura em um período da vida), foi na advocacia que encontrei o espaço com o qual mais me identifiquei.

Em um dos estágios que fiz, no Juizado Especial Federal, tudo era informatizado. Os atendimentos ao público já contavam, em 2006, com o processo eletrônico e todas as causas de competência daquele órgão tinham os documentos das partes digitalizados.

Os atendimentos no Ofício eram presenciais, as audiências eram presenciais, mas as atas já eram assinadas digitalmente.

As sentenças, quando cuidavam de temas que hoje a legislação processual considera “repetitivos”, eram geradas em lote a partir da identificação humana de que aquele processo tratava de um tema que o juiz, o Tribunal ou os Tribunais Superiores já teriam decidido. Temas iguais, sentenças iguais.

Eu sabia que, na época, aquela estrutura era exceção.

Não só por ter estagiado em outros órgãos, mas porque tive colegas e amigos que sofreram levando carrinhos de processos físicos empilhados no centro de sua cidade, passando o dia tirando cópias, pagando guias físicas e imprimindo petições. A realidade era 90% física.

E compartilho esse pedaço da minha experiência porque o desafio que as carreiras jurídicas estão enfrentando – em especial, a advocacia – é muito maior do que o da digitalização quando o assunto é IA.

Ao mesmo tempo que as associações de advogados no mundo atualizam as suas diretrizes e regulações éticas, trazendo regras de como o advogado deve conhecer as ferramentas para aplicá-las adequadamente na prestação de serviços jurídicos, o dia a dia da advocacia brasileira ainda é analógico. E não estamos falando de grandes bancas, que prestam serviços para organizações internacionais.

Estamos falando do advogado que empreende solo ou em parcerias com escritórios de pequeno porte, que atendem diversos setores cujas organizações são também de pequeno porte; que ainda sentem insegurança ao assinar documentos digitalmente, que querem reuniões presenciais e que ainda têm documentos físicos que precisam ser analisados para garantir segurança jurídica nos negócios.

O impacto da IA nas relações jurídicas

Evidente que generalizar é um perigo. O ponto que trago aqui é o fato de que a aproximação dessas realidades segmentadas seguirá em rota de colisão se não existir trabalho árduo para além da conscientização quando nos deparamos com IA: a preparação dos profissionais jurídicos para entender como essa tecnologia efetivamente funciona e saber manuseá-la, tanto para que a prestação de serviços jurídicos seja mais efetiva, precisa e eficaz, como também para habilitá-los a analisar o impacto da IA nas relações jurídicas.

E mais: a confiança do mercado na IA tem um efeito relevante na velocidade dessa transformação nas carreiras jurídicas. Dias atrás, levantei essa questão quanto à transparência no uso de ferramentas de IA por profissionais jurídicos. Explico.

Ano passado, a Associação dos Advogados do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, divulgou um guia prático para advogados no uso de IA generativa. Nesse guia, reconhece-se que a IA generativa é uma ferramenta valiosa para a prática do Direito e funções administrativas de um escritório de advocacia.

Ou seja, independentemente do porte do escritório, o guia indica que os advogados podem repassar os custos associados à tecnologia, desde que o contrato de honorários explique a base dessa cobrança, devendo ainda considerar a divulgação, aos seus clientes, de como a IA generativa será usada, bem como os seus benefícios e riscos desse uso.

No Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil tem se movimentado para regular o uso de IA pelos profissionais. Caso a OAB se inspire no guia da Califórnia, por exemplo, para impor regras de transparência que resguardem os clientes quanto ao uso da tecnologia – ou seja, se hoje eu prevejo no meu contrato de honorários que posso usar IA generativa na prestação dos serviços jurídicos – será que o mercado está preparado para isso?

Eu cumpriria um princípio ético, um futuro princípio previsto em legislação, uma determinação regulamentar, mas o cliente entenderia esse fato como inovação ou desqualificação do serviço prestado, justamente por insegurança?

“IA questão é” preparação.

As respostas aos meus questionamentos podem ser negativas, mas isso não significa que devemos ignorar a realidade.

Mudar incomoda, mas a mudança é extremamente necessária. Preparação significa estar consciente, estar aberto a entender como a ferramenta funciona de fato, testar e se frustrar muito com os resultados antes de chegar a um resultado bacana, mudar a chave para se tornar uma pessoa avaliadora de riscos para prever medidas de moderação dessas consequências.

E então, vamos nos preparar juntos?

 

WhatsApp Image 2024 02 29 at 20.03.56 (1)

Paula Rodrigues é advogada. Mãe. Especialista em Direito e Tecnologia (POLI/USP) e em Direito Civil e Processo Civil (EPD). É pesquisadora em Inteligência Artificial pela Associação Lawgorithm e pela Ethics4AI . Integra o time de sócios do escritório de advocacia Daniel Law. Curiosa e questionadora por natureza é apaixonada por tecnologias. Colunista EA “IA sem juridiquês”.

Linkedin: linkedin.com/in/paulamrodrigues

 

Fale com o editor: 

eamagazine@eamagazine.com.br