Por Ítalo Lucena

 

Você já deve ter ouvido falar, pelo menos rapidamente, que as empresas buscam estimular o melhor dos seus colaboradores com o objetivo de fortalecerem o ambiente corporativo e incrementar a qualidade de vida laboral através de programas que estimulem a motivação. Pois bem, e se eu te disser que boa parte das iniciativas aplicadas hoje em dia fazem parte de experimentos fracassados no passado?

Talvez você me questione sobre estes fracassos e eu imagino que seu questionamento em seguida será sobre qual o melhor caminho a ser seguido já que as iniciativas atuais são baseadas em teorias falidas.

O autor Daniel H. Pink (2019) publicou um importante livro chamado Motivação 3.0 que aborda inicialmente os experimentos de Harry Harlow e Edward Daci, realizados em meados do século XX.

Em ambos os experimentos, Harlow e Daci buscavam encontrar os fatores motivacionais em seres humanos quanto a realizarem tarefas quaisquer. Os resultados obtidos não foram relevantes, à época, porém, observando melhor até onde chegaram, percebe-se que o fracasso dos experimentos não foi ao todo descartado.

Ele serviu para que outros fatores fossem expostos e, a partir destes ter sido possível realizar novas inferências acerca de fatores motivacionais, neste caso, relacionados ao engajamento humano quanto à conclusão de tarefas.

Projeto colaborativo não remunerado

Tentando justificar o poder da motivação nas pessoas e, consequentemente, na capacidade de se engajarem em projetos, atividades, tarefas e etc. em uma empresa, Pink (2019) aborda um exemplo bem curioso, para não dizer espantoso ao supor a possibilidade de indagarmos um conceituado economista, no ano de 1995.

Ele fez este questionamento: você apostaria no sucesso de um projeto, nos próximos 15 anos, financiado por uma grande empresa (Microsoft Encarta) com profissionais qualificados e muito bem remunerados ou em um projeto não financiado onde os colaboradores se dedicariam sem nenhum tipo de remuneração (Wikipédia)?

Será que seria possível imaginar que em 1995 um projeto colaborativo não remunerado seria capaz de se tornar viável e muito mais conhecido do que um projeto com um fundo de investimento gigantesco promovido por uma grande empresa?

A história nos mostrou que a motivação pelo qual as pessoas se engajam em uma atividade, não necessariamente vem de premiações. Aqui me parece sugerir que o desejo de fazer parte de algo novo, estimulante e criativo é fundamental para tentarmos responder as questões acima.

Para seguirmos com a nossa busca sobre como criar uma base sólida para a cultura organizacional criativa, sugiro visitarmos o tema sobre motivação intrínseca e extrínseca.

Quando falamos que a motivação vem de aspectos intrínsecos, estamos falando que é uma força impulsionadora interna, ou seja, vem do próprio sujeito, e tem relação direta com a vontade própria em realizar ou engajar-se em algo. Já quando nos referimos a motivação extrínseca, estamos nos referindo as forças impulsionadoras externas, ou seja, o quanto o ambiente nos estimula a algo (Pink, 2019).

Voltando especificamente para as nuances da motivação das pessoas em ambientes corporativos, destaco uma outra analogia apresentada pelo Daniel Pink (2019), ainda em seu livro Motivação 3.0, quando ele correlaciona a nossa realidade enquanto comportamento de sociedade, com a evolução dos princípios basilares da motivação ao longo dos tempos.

Motivação, recompensas e punições

No princípio da construção da sociedade, como conhecemos hoje, temos uma motivação baseada na sobrevivência da espécie, uma vez que as condições mínimas de vida dos humanos disputavam ferozmente espaço com todo o ecossistema da época, datado aqui em pouco mais 50 mil anos. Já na nossa segunda onda de modelo motivacional e bem mais recente, adotamos o conceito de “recompensas” e “punições”.

Este segundo estágio dos modelos motivacionais se tornou tão fortes e presentes no dia a dia dos gestores, organizações e na própria sociedade como um todo, que é difícil sequer perceber os sinais de que este modelo não apresenta mais a única forma de se obter vantagens competitivas para os agentes envolvidos, seja gestor, empresa e ou sociedade.

Como exemplo, o autor sugere que façamos uma análise sobre os engajamentos em projeto de “código aberto”. Este conceito de código aberto está relacionado aos produtos e ou serviços criados por profissionais que não tiveram um benefício ou remuneração específica para tal engajamento.

Ao se falar de contribuições em projetos de código aberto, podemos exemplificar, também, casos em que sistemas computacionais são distribuídos de forma aberta como o Linux, Firefox, Apache etc. Estas ferramentas tecnológicas são largamente utilizadas no universo corporativo, tendo uma representatividade reconhecida e não são meros produtos experimentais. Os voluntários envolvidos no desenvolvimento destas ferramentas, parecem dedicar seu esforço na construção de “algo” de forma que os seus ganhos sejam intangíveis e não quantificados em moeda propriamente dito.

Então que força é essa que engaja sem necessariamente ser recompensada de forma monetária nos dias de hoje?

Como utilizar esta força para a construção de uma cultura organizacional criativa, tendo as pessoas como agentes transformadores, participantes e donos de projetos, produtos ou serviços vencedores?

Ouso sugerir que a forma de tentarmos pensar em uma solução para questionamentos como estes, ou pelo menos em uma solução parcial, pois entendo que seja uma solução desenvolvida em várias etapas e ao longo do tempo, não imagino que uma solução on-off, passe por uma reflexão tal qual a apresentada pelo psicólogo norte-americano Daniel Kanheman, ganhador do Nobel de economia no ano de 2002. Isso mesmo, Nobel de economia. Kanheman apresentou ao mundo um olhar diferente do que conhecíamos até então. Para ele existe um comportamento econômico humano com ênfase no econômico e pouca atenção ao humano. A partir de deste novo ponto de vista podemos observar que o Homo oeconomicus (Homem Econômico) passou a ser Homo oeconomicus maturus (Homem Econômico Maduro) e assim nos afastarmos aos poucos da sobra de Frederick Wisnlow Taylor que nos dizia: 

“O trabalho consiste, em grande parte, em tarefas simples, não muito interessantes. O único meio de fazer com que as pessoas realizem essas tarefas é incentivá-las apropriadamente e monitorá-las de perto”.

Vejo que ao nos aproximarmos do pensamento proposto pelos cientistas comportamentais poderemos enxergar com maior clareza os desafios que os nossos dias atuais nos propõe. Sendo assim, surge a nossa frente dois caminhos distintos que podem ser uma das respostas ao chaveamento necessário no nosso percurso daqui em diante, divididos em um caminho baseado em tarefas algorítmicas ou heurísticas.

Tarefas algorítmicas seguem um caminho único através de instruções preestabelecidas até uma conclusão determinada previamente. Já quando pensamos em uma tarefa heurística entramos em um universo de experimentações em busca de novas soluções, e em muitos casos, soluções mais inteligentes e com resultados melhores.

A consultoria McKinsey & Company estima que atualmente nos EUA, apenas 30% dos novos empregos vêm de trabalhos algorítmicos e os demais 70% vêm de trabalhos heurísticos. Imagino que precisaremos adaptar nossa visão sobre o engajamento das pessoas a tarefas algorítmicas, passando a propor tarefas heurísticas como uma nova trilha a ser desbravada.

Assim, cabe a nós pensarmos em um caminho minimamente ligado a motivação intrínseca baseada na capacidade criatividade, pois provavelmente desta forma, proporemos para a nossa cultura organizacional, algo firme quanto a explorar o que o ser humano tem de melhor, que é a sua infinita capacidade de criar.

 

italo - Como criar as bases de uma cultura organizacional criativa

Ítalo Lucena é HR Manager na MD2 Consultoria, Tech Recruitment Manager, DPO Membro ANPPD®. É mentor no programa ABStartup/Sebrae com foco em modelagem de negócio. Colunista EA “Jovens do Futuro”. 

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