Por Davi Bufalo, Renato Herrmann e Soraia Cardoso

 

Nos últimos meses, temos visto uma tendência preocupante: a agenda de diversidade está perdendo força nos Estados Unidos. Grandes empresas como Google, Meta, X (antigo Twitter) e Microsoft, além de gigantes como John Deere, cortaram ou redirecionaram seus programas de diversidade.

A razão? Diversidade deixou de ser prioridade, vista como algo que “desvia o foco” do negócio em tempos de busca por eficiência e redução de custos.

Essas decisões geraram reações intensas, especialmente nas redes sociais. E por que não gerariam? A desconexão entre diversidade e o negócio, alegada por essas empresas, é superficial e ignora o impacto profundo que esses temas têm, não só internamente, mas na relação das empresas com o mundo lá fora. Afinal, as empresas fazem parte da sociedade, e seus funcionários são também consumidores, além de membros ativos de um ecossistema social muito maior.

Diversidade e Inclusão desconectadas do negócio?

No Brasil, um reflexo dessa mudança global já aparece. O relatório da Great Place to Work sobre tendências de Gestão de Pessoas 2024 posiciona “Diversidade e Inclusão” apenas na 11ª colocação entre 14 prioridades. Isso levanta um questionamento importante:

Porque a diversidade, que permeia tantos aspectos das prioridades listadas (como saúde mental, engajamento e cultura organizacional), está tão distante do topo?

Olhando para os dados, fica claro que a diversidade não deveria ser uma opção ou um “projeto paralelo” dentro das organizações. O relatório HR Pulse Survey 2023 da PwC destaca que 57% das empresas já possuem programas focados na inclusão e que 81% acreditam que essas iniciativas serão fundamentais para o futuro do negócio. Então, por que ainda vemos movimentos de retrocesso?

Quem controla a tomada de decisão?

O grande ‘vilão’, muitas vezes, identificado no cenário de Diversidade e Inclusão, é o perfil tradicional do CEO nas grandes empresas: homem, branco, heterossexual, cisgênero e sem deficiência.

Esse é o perfil que domina o comando de empresas mais tradicionais e das Big Techs, algumas já beirando os 30 anos de existência. Apesar de toda a inovação que trouxeram para o mundo, essas empresas estão se tornando cada vez mais conservadoras em suas práticas internas.

Esses líderes, que têm poder de decisão, frequentemente hesitam em falar sobre diversidade.

Seja por medo de dizer algo errado e serem “cancelados”, ou por se sentirem alvos de ataques de grupos que pressionam por inclusão, acabam evitando o assunto ou relegando-o a segundo plano. Esse mesmo cenário se repete em entidades públicas no Brasil. Basta olhar para o Conselho de Medicina, predominantemente composto por homens brancos, ou para o STF, que, após a aposentadoria de Rosa Weber, ficou sem mulheres representadas.

Gerações no ambiente de trabalho e a nova dinâmica de comunicação

Atualmente, o ambiente corporativo é composto por múltiplas gerações, desde Baby Boomers até a Geração Z. Essa diversidade geracional traz diferentes expectativas e formas de enxergar o trabalho e o impacto social das empresas. Enquanto as gerações mais antigas podem focar mais em estabilidade e hierarquia, Millennials e a Geração Z já integram diversidade, equidade e inclusão como parte de suas expectativas mínimas para uma empresa, extrapolando a visão de carreira para uma visão de compromisso social.

O avanço da tecnologia e dos canais de comunicação, especialmente com o impacto das redes sociais, também acelerou a necessidade de transparência e responsabilidade corporativa. As empresas estão sendo constantemente monitoradas e cobradas por suas práticas e posicionamentos, o que reforça a importância de manter diversidade e inclusão como parte central da estratégia de negócios.

A conexão com a agenda ESG

Diversidade, Equidade e Inclusão também são peças fundamentais da agenda ESG (Environmental, Social, and Governance). Empresas que negligenciam a diversidade estão, na verdade, ignorando o pilar “Social” dessa agenda, que é cada vez mais um fator decisivo na reputação corporativa, além do pilar de “Governança”, quando falamos de cotas legalmente requeridas.

No Brasil, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 é um termômetro importante para medir o comprometimento das empresas com práticas ESG, incluindo políticas de diversidade e inclusão.

O ISE avalia o desempenho das empresas listadas na bolsa em aspectos como governança corporativa, práticas ambientais e sociais. As organizações que se destacam nesse índice não só atraem mais investimentos, como também constroem uma reputação sólida junto aos consumidores e às gerações mais jovens, que demandam mais responsabilidade social das corporações.

As gerações Millennial e Z: Construindo o futuro com diversidade

Enquanto algumas empresas ainda debatem o valor da diversidade, as novas gerações já estão moldando o futuro dos negócios com inclusão no centro de suas estratégias. A geração Z e os Millennials trazem diversidade, equidade e inclusão como valores inegociáveis para o ambiente de trabalho e para seus próprios empreendimentos. Eles não apenas buscam essas características nas empresas onde trabalham, mas estão construindo negócios com esses pilares.

Exemplos práticos já estão no mercado:

  • Banco Z1, criado para a geração Z, se destaca ao trazer inclusão financeira para jovens que muitas vezes não são considerados pelo sistema tradicional.
  • SafeSpace, uma startup composta apenas por fundadoras mulheres, é dedicada a criar ambientes de trabalho psicologicamente seguros, onde todos possam se sentir ouvidos e respeitados, por meio de uma plataforma de denúncias de assédio que permite acompanhamento da denúncia pela vítima, com total sigilo.
  • Vittude, uma plataforma que conecta pessoas a psicólogos online, nasceu da necessidade de olhar para si, focando no bem-estar emocional como parte essencial da saúde integral dos funcionários na empresa, que possui profissionais de psicologia especializados nos diferentes públicos e recortes sociais.

Essas empresas são a prova de que as novas gerações não estão apenas esperando por mudanças no mundo corporativo. Elas estão ativamente criando o futuro que querem ver, com diversidade e inclusão como pilares centrais de suas estratégias de negócios.

Diversidade nunca saiu de pauta… na sociedade

Um fato é inegável: o debate sobre diversidade nunca saiu da sociedade. Se as empresas, pressionadas por investidores, acham que podem se desviar desse tema, estão ignorando algo muito maior. A geração Z, por exemplo, coloca a diversidade como um valor central. Eles já chegam ao mercado de trabalho com uma mentalidade formada, influenciados por redes sociais e debates sociais que extrapolam os muros corporativos.

A morte de George Floyd em maio de 2020, em plena pandemia global, foi um ponto de virada. As empresas, pressionadas pela sociedade e seus próprios colaboradores, tiveram que se posicionar. Mas será que o fizeram de forma genuína ou foi apenas uma reação passageira?

É importante questionar se as metas de diversidade nas empresas foram realmente integradas às suas realidades locais ou se foram impostas como uma “agenda global”, sem consideração pelas particularidades culturais e sociais de cada mercado.

E o impacto disso tudo?

A desconexão entre o que a sociedade espera e o que as empresas estão dispostas a oferecer pode trazer consequências graves. Ao negligenciar a diversidade, as empresas correm o risco de perder competitividade, inovação e, principalmente, sua conexão com os consumidores. Diversidade não é só sobre “inclusão no ambiente de trabalho”, mas também sobre como a empresa é percebida no mercado e por seus consumidores. E, no longo prazo, essa percepção molda seu sucesso.

A ABRH-SP, por exemplo, reforçou recentemente seu compromisso com a diversidade, declarando oposição a qualquer retrocesso nas pautas de D&I. Muitas empresas brasileiras seguem essa mesma linha, entendendo que diversidade é uma vantagem competitiva, além de um fator essencial para a construção de uma marca empregadora forte.

Então, para onde vamos?

Diversidade não é um tema que se esgota dentro das paredes corporativas. As empresas fazem parte de um ecossistema maior, e ignorar isso é caminhar na contramão das expectativas sociais e do futuro do trabalho.

Mais do que uma demanda interna, diversidade é um reflexo da sociedade, e as empresas que deixarem de investir nesse tema correm o risco de perder muito mais do que eficiência operacional — perdem relevância social, inovação e conexão com seus próprios consumidores.

No próximo artigo, vamos discutir ações práticas para reverter esse quadro e mostrar como investir em diversidade pode trazer retornos concretos, tanto em inovação quanto financeiramente. O desafio está lançado: como as empresas podem alinhar suas práticas de curto prazo às expectativas da sociedade, sem perder de vista o longo prazo?

Links úteis dos dados deste texto:

veja.abril.com.br/economia/grandes-empresas-comecam-a-por-em-crise-as-politicas-de-diversidade

https://conteudo.gptw.com.br/relatorio-tendencias-gestao-de-pessoas-2024

https://www.pwc.com/mt/en/publications/humanresources/annual-hr-pulse-survey-2023.html

https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/indices/indices-de-sustentabilidade/indice-de-sustentabilidade-empresarial-ise-b3.htm

https://abrhsp.org.br/conteudo/noticias/manifesto-em-prol-da-diversidade-e-lancado-pela-abrh-sp/

Autores que assinam este artigo:

 

davisin - O que aconteceu com a diversidade no mundo do trabalho?

Davi Bufalo, aliado dos temas de diversidade, integrante do RH Colab, psicólogo especializado em Gestão de Negócios, Inovação e Estratégia pela Fundação Dom Cabral. Com formações complementares em instituições como Singularity University e Hyper Island. Apaixonado por cultura digital e temas relacionados ao presente e ao futuro do trabalho. Com ampla experiência em Gestão de Pessoas em setores diversos, liderando iniciativas estratégicas em Talent Acquisition, Employer Branding, Diversidade & Inclusão e Gestão de Talentos, está sempre em busca de novos conhecimentos e experiências para impulsionar o futuro dos negócios e do trabalho.

https://www.linkedin.com/in/dbufalo/

 

renatin - O que aconteceu com a diversidade no mundo do trabalho?

Renato Herrmann foi profissional de RH com mais de 10 anos de experiência global em Talent Management, Desenvolvimento de Lideranças, HRBP, Learning and Development, Diversidade & Inclusão, Comunicação Interna e Aquisição de Talentos. Ampla experiência na concepção e implementação de iniciativas que se tornaram benchmarks globais em empresas globais, com atuação extensiva na América Latina, América do Norte, Europa e Reino Unido em diversas indústrias, incluindo consultoria, tecnologia (startups e grandes empresas de tecnologia) e bens de consumo. Tem como missão atual preparar a geração Z para assumir papéis de liderança, e auxiliar as empresas a se adaptarem para acolher essa geração com excelência. É CEO e fundador da Bold Minds, uma empresa global focada em auxiliar organizações a construírem ambientes de trabalho centrados na saúde mental, oferecendo consultoria, desenvolvimento estratégico, capacitação de lideranças e muito mais. É criador e apresentador do podcast Vamos Desesperar com Calma, um lugar para falar abertamente sobre o mundo do trabalho e desafiar crenças limitantes.

https://www.linkedin.com/in/renatoherrmann/

 

sorain - O que aconteceu com a diversidade no mundo do trabalho?

Soraia Cardoso, mulher negra e integrante do RH Colab, possui 20 anos de experiência em RH em empresas de diferentes setores, das mais tradicionais às startups. Sua atuação é voltada para a criação de ambientes de trabalho que contribuam para que todas as pessoas possam se sentir parte e tenham além da representatividade, um ambiente de trabalho justo e equânime. É conselheira da Associação Pacto de promoção à equidade racial e atualmente atua como consultora independente na INCLUSIVE Consultoria e Treinamento, sua consultoria.

https://www.linkedin.com/in/soraiacardosorh/

 

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