Por José Gonçales Junior
Em uma era de profundas transformações tecno científicas, informacionais, econômicas e culturais, tornou-se comum grandes indagações a respeito do nosso futuro enquanto espécie humana, e uma das questões que se tornaram centrais dentro e fora do mundo corporativo é: nos tornamos seres humanos melhores, mais íntegros, empáticos, sensíveis e mentalmente saudáveis nesse momento de aceleração da Inteligência Artificial e da computação quântica?
A resposta a essa questão será desdobrada aqui em várias frentes, dado o grau de complexidade em que nossa sociedade adentrou nesse século XXI e diante dos efeitos que a midiatização, digitalização e artificialização da vida tem se manifestado.
O renomado especialista em análise da linguagem humana e cognição, Dr. Steven Hayes (Nevada University/USA) recentemente trouxe que pesquisas em neurociência comprovaram que o cérebro humano não se adaptou ao intenso bombardeamento de informações trazidas pela introdução do rádio, televisão, internet e dos smartphones, tão pouco a brutal aceleração do mundo das notícias e informações disponíveis.
Clima de incerteza
Tal fato pode ter colaborado para com o aumento cada vez mais exponencial das doenças mentais como ansiedade, depressão, falta de foco nas rotinas, até o temido burnout. No ambiente corporativo um dos sintomas da exposição intensiva à informações, mudanças e novidades, nem sempre boas, é o chamado efeito VUCA, percebido como um mal-estar causado por ambientes voláteis, incertos, complexos e ambíguos.
Irei explorar especificamente esse efeito, que gera uma série de desconfortos entre milhões de pessoas, que vão desde as falhas de comunicação e desencontros de informações (que causam desconforto), até a criação de um clima de incerteza com base nas ameaças que são percebidas pelas pessoas diante de centenas de milhares de dados e informações que podem conter distorções, manipulações e “meias verdades”.
A primeira sensação deturpada é a percepção de uma “desumanidade” em que vivemos, na medida em que a competição entre empresas e setores ficou mais acirrado nas últimas décadas, com o aumento cada vez maior da pressão por metas por times e por indivíduos.
O efeito colateral mais esperado de ambientes competitivos é uma tendência clara para o comportamento individualista e fragmentado por times.
Porém, o que se observa no ambiente das empresas é que a velha empatia, o companheirismo e o senso de comunidade ainda pulsam por todos os lados, sem o qual seria quase impossível conduzir os projetos e o rotinas diárias. Não há um aumento da desumanidade, mas sim da disputa entre pessoas e grupos que assumem o comportamento individualista como a máquina motriz versus grupos de pessoas que acreditam que o trabalho em equipe e comunitário é o caminho para que todos ganhem.
O embate entre os que acreditam que os prêmios e remunerações individuais resumem a recompensa final por atingirem as metas, com os que acreditam que além dos prêmios financeiros existam as recompensas não remuneradas como missão cumprida e a vocação exercida, é o que causa boa parte do desconforto.
Não estamos todos vivendo nossos individualismos, mas os que se lançaram ao comportamento individualista estão cada vez mais acirrados em fazer o jogo duro por suas metas pessoais, e esse jogo duro corre várias vezes por atitudes e meios informais que pegam de surpresa os demais, além de gerar um clima de desconfiança coletivo.
A segunda sensação que traz consigo uma sensação de “desumanização” é a percepção das ameaças que a inteligência artificial e as próximas gerações de internet e do mundo digital causarão no mundo do trabalho.
Dessa percepção surge uma dicotomia que permeia as mentes de todos os que estão imersos no atual mundo do trabalho, afinal, se eu trabalho e me dedico para que a empresa se modernize sempre, até que ponto um app, um novo software ou um trabalhador remoto de outro continente irá encerrar meu posto de trabalho?
O mal-estar nasce do receio que milhões de trabalhadores possuem a respeito do futuro do trabalho em um mundo robótico e digital; desse sentimento surge a sensação de (V)volatilidade, de (U)incerteza, que perfazem 50% do efeito VUCA.
Esse mal-estar refletido na opinião de que “nossas lideranças não estão fazendo nada para barrar esse processo”, ou no sentimento de que o mundo do trabalho se tornará “desumano” no sentido da substituição de mão de obra humana por inteligência artificial ou robôs, possui duas vertentes, sendo uma fundamentada em boatos, fake news, pareceres e opiniões desprovidas de uma análise sistêmica e que aborda a complexidade dos fenômenos que estão ocorrendo.
Nesse sentido é importante buscarmos informações e análises credenciadas e sistematizadas sobre esse assunto, por vezes fora do circuito das redes sociais onde muitas informações não são confiáveis.
Quais funções se tornarão obsoletas e entrarão para o ostracismo e quais os novos empregos e possibilidades internas ou externas à empresa que estamos são questões que devemos buscar respostas e jamais aguardar que nos tragam prontas, pois corremos o risco de sabermos na última hora, momento em que nosso antigo cargo foi extinto.
Imagine que ao invés dos funcionários da Kodak, que ficaram concordando com a chefia a respeito de que as câmeras digitais jamais ultrapassariam a qualidade do filme Kodak, tivessem naquela época se adiantado às tendências, e fundado outra empresa baseada nas novas tecnologias digitais? Não teriam perdido o emprego e, sim, teriam a chance de fazerem fortuna.
A melhor fórmula para combater o desconforto gerado pelas várias formas de desumanização que estamos contemplando é lembrar duas características humanas incríveis que fazem parte da nossa espécie: nossa genialidade em criar coisas novas e reinventar nossa maneira de viver, e nossa capacidade de nos unir em prol de objetivos maiores, onde a solidariedade e a troca de ideias e ideais é a alavanca mestra em construirmos futuros melhores, juntos!
Série de artigos: Equilíbrio entre a indústria 4.0 e o bem-estar humano
Artigo 1. O dilema do indivíduo e o coletivo. Acesse aqui
Artigo 2. O dilema entre a máquina e o ser humano. Acesse aqui
José Gonçales Junior é geógrafo pela USP, MBA em Sustentabilidade (EAESP-FGV), pós-graduado em Neurociência Comportamental (PUC-RS), consultor em ESG e Bem-estar no mercado corporativo. Lecionou 15 anos em cursos de pós-graduação (SENAC, INPG, Faculdades Metropolitanas de Campinas, Ibmec Campinas), palestrante, mentor de mudança de carreira e implantação de parâmetros de bem-estar, estudioso apaixonado pelos temas Neurociência, Mudanças de Comportamento e Futuro do Trabalho. Mora com a família em um silencioso sítio em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, onde dedica-se a família, a mentorias, consultorias, pesquisas e a escrever. É colunista EA “Carreira e Bem-estar”.
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